Manuel Merino foi rechaçado nas ruas pelos peruanos

O Congresso do Peru escolheu nesta segunda-feira (16) o deputado Francisco Sagasti, do Partido Morado, para presidir transitoriamente o país até as eleições de abril do próximo ano. Como forma de pactuar a composição, a advogada e feminista Mirtha Vásquez assumirá a presidência do parlamento.

Nos últimos dias os peruanos foram às ruas em gigantescas manifestações contrárias ao golpe da extrema direita herdeira do fujimorismo que derrubou o presidente Martín Vizcarra e após o assassinato de manifestantes que exigiam democracia. No final de semana o povo peruano afastou do governo Manuel Merino e o obrigou a apresentar seu pedido de demissão.

FUJIMORISMO

A indicação de Segasti resultou de uma ampla frente contra o fascismo fujimorista e a bancada da corrupção. Ele obteve 97 votos dos 130 membros do Congresso unicameral. Houve 26 votos contra, de fujimoristas e dos mais radicais da coalizão de direita e de deputados acusados de corrupção que apoiaram a curta passagem antipopular de Merino. A direita até o final buscou bombardear uma saída à grave crise política.

A gravidade da situação salta aos olhos: os contaminados pela pandemia de coronavírus se aproximam de um milhão e os mortos já ultrapassam os 35 mil – para uma população de 32 milhões de habitantes -, proporcionalmente, pior do que o Brasil. Cavando ainda mais fundo no poço, no primeiro semestre o PIB peruano caiu 17,4%, um dos piores desempenhos do mundo.

Ao ser empossado Francisco Sagasti reconheceu que “o que temos visto nos últimos dias nestas manifestações é um poderosíssimo chamado de atenção”. “Não bastou a pandemia, não bastou a crise econômica, não bastaram os problemas de insegurança, tivemos que esperar a morte de dois jovens para que caia sobre nós a gravidade da situação”, assumiu. “Hoje o dia não é de celebração”, acrescentou, homenageando os jovens Inti Sotelo e Jack Bryan Pintado Sánchez, assassinados pela Polícia Nacional do Peru.

O ex-presidente Martín Vizcarra felicitou a Sagasti e frisou que “somente uma pessoa com princípios democráticos poderá dar sustentação à difícil situação do país”.

Para o presidente da Ação Popular, Mesías Guevara, é preciso que “seja conformado um gabinete que garanta a transição e a governabilidade com base em uma agenda consensuada”.

A candidata do movimento Novo Peru (NP), Verónika Mendoza, comemorou que “a mobilização cidadã tenha conseguido tirar Merino e instalar um governo de transição, bem como uma direção parlamentar sem golpistas nem corruptos”. Como denunciou a psicóloga, antropóloga e professora, “faz muitíssimo tempo que não víamos no Peru tal nível de repressão e de abuso policial”.

MUDANÇA

Verónika defendeu a necessidade de uma mudança profunda no Estado peruano, lembrando que “todos nossos ex-presidentes eleitos depois da ditadura fujimorista (1990-2000) estão processados por corrupção. Um fugiu para o estrangeiro, o outro se suicidou para eludir a Justiça, e são numerosos os governadores e magistrados do poder judiciário que também estão processados por corrupção ou por vínculos com o narcotráfico e toda sorte de máfias”. “Isto somado ao fato de que a pandemia revelou com muita crueza até que ponto o nosso Estado estava decrépito, incapaz de garantir as mínimas condições de saúde, de educação e de aposentadorias dignas. Cada vez mais o povo peruano foi tomando consciência de que não se trata somente de mudar de pessoas, mas que se necessitam mudanças de fundo”.

“Derrotamos o golpismo corrupto que pretendia assaltar o Estado e impor um regime ao estilo do fujimontesinismo [mescla de Fujimori e Montesinos, nome do chefe do seu Serviço de Inteligência e assessor presidencial de segurança, responsável pelo assassinato, tortura e desaparecimento forçado de dezenas de milhares de opositores]”, assinalou o Partido Comunista Patria Roja, conclamando os peruanos a seguirem mobilizados por uma “mudança verdadeira que somente será conquistada com uma nova Constituição que consolide um novo modelo econômico com a reforma integral do Estado e uma Pátria para todos e todas”.

DEFESA DA PÁTRIA

O velório do jovem Jack Bryan Pintado Sánchez, de 22 anos, sintetizava nesta segunda-feira o clamor do povo peruano por Justiça. Ao lado do caixão, um cartaz recordava o recado deixado em casa: “Mamãe, sai para defender minha Pátria. Se não regresso, fui com ela”. Jack foi executado à curta distância enquanto exigia seu direito ao protesto contra o governo de Manuel Merino. Foram dez perfurações de chumbo grosso ao total: duas no crânio, duas no rosto, duas no pescoço, duas no tórax e duas no braço.