Milhares de pessoas prestaram a ele uma última homenagem no Palácio dos Inválidos no domingo

A França se despediu nesta segunda-feira (30) do ex-presidente Jacques Chirac, que morreu na quinta-feira aos 86 anos e tido por muitos como o “último gaullista”.

Milhares de pessoas prestaram a ele uma última homenagem no Palácio dos Inválidos no domingo, formando uma longa fila, apesar da chuva e vento. Coberto com a bandeira tricolor, o caixão de Chirac foi colocado na entrada em frente a uma enorme foto mostrando-o sorrindo no meio de uma multidão.

O governo Macron decretou feriado nacional e dezenas de chefes e ex-chefes de Estado se fizeram presentes à despedida, entre eles o presidente russo Vladimir Putin, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, o presidente italiano Sérgio Mattarella, o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier, o primeiro-ministro belga, Charles Michel, o rei da Jordânia, Abdalla II e o primeiro-ministro libanês Saad Hariri. Também os ex-presidentes franceses François Hollande, Nicolas Sarkozy e Valéry Giscard d’Estaing.

Sobre Chirac, Macron afirmou que ele “protegeu a França do extremismo e do ódio” e defendeu uma “França orgulhosa e independente” no cenário mundial.

Após uma missa com familiares e amigos no complexo dos Inválidos, foi realizado um tributo militar a Chirac, com Macron inspecionando as tropas e execução da Marselhesa, o hino francês.

Sob aplausos, o caixão foi levado por ex-agentes de segurança de Chirac até o carro fúnebre, que seguiu para a Igreja do Santo Suplício, sob aplausos da multidão.

Pessoas tiraram fotos e derramaram lágrimas, e cartazes diziam: “Obrigado por dizer não à guerra no Iraque”.

Na igreja, o pianista Daniel Baremboim tocou uma peça de Schubert. Depois da cerimônia na igreja, o caixão foi levado para o cemitério de Montparnasse, em Paris, para um funeral privado. Por toda a França, foi observado um minuto de silêncio em homenagem a Chirac.

LEGADO

Como registrou o jornal L’Humanité, Chirac “manteve uma alta ideia da França e de seu papel, como um legado do gaullismo” e “jamais concordou em um pacto com a extrema-direita”. Em 2002, tornou-se o candidato abraçado pelas forças democráticas no segundo turno, para barrar a ascensão do xenófobo Jean-Marie Le Pen e sua Front National.

Em 2003, Chirac, conhecido por suas frases e senso de humor, teve a altivez de se opor à invasão do Iraque por W. Bush, inclusive ameaçando vetar, ao lado da Rússia, qualquer resolução nesse sentido no Conselho de Segurança da ONU, impedindo a legalização da guerra de agressão, que acabou desencadeada pela ‘coalizão dos dispostos’, com o notório poodle Tony Blair, sob a mentira das armas de destruição em massa.

Na época, a mídia norte-americana chegou a fazer uma campanha de execração da França, a ponto das batatinhas fritas, conhecidas nos EUA como “french fries” (‘fritas francesas’), mudarem de nome em muitos restaurantes, para “freedom fries’, ‘batatinhas fritas da liberdade’.

O que pode explicar o “fenômeno da nostalgia” diante de seu desaparecimento a que o L’Humanité se referiu – e que possivelmente expressa o desencanto com os líderes franceses posteriores e sua reiterada sabujice.

Para o jornal conservador “Le Figaro”, a afeição demonstrada pelos franceses a Chirac se deve à sua capacidade de se “ajustar às contradições” da França, por ser “profundamente francês, com suas virtudes e fraquezas”. Pesquisa de opinião feita pelo Journal du Dimanche, registrou que ele se tornou o presidente da Quinta República mais amado pelos franceses, empatado com Charles de Gaulle. A popularidade de Chirac não parou de crescer desde que deixou o Eliseu em 2007.

ESTADISTA

Em discurso televisionado, o presidente Emmanuel Macron disse que o povo francês perdeu “um estadista que amávamos tanto quanto ele nos amava”. Juncker reverenciou Chirac, de quem se disse amigo, apontando que o legado dele “pela França e pela União Europeia permanecerá conosco para sempre”.

Em a mensagem de condolências enviada à viúva, Bernadette Chirac, o presidente Putin chamou Chirac de líder “sábio e visionário” cujo nome está ligado a “um período inteiro na história moderna da França”. “A Rússia lembrará sua grande contribuição pessoal para fortalecer as relações amistosas entre nossos estados, bem como nossa cooperação bilateral mutuamente benéfica”, afirmou

Dele, Schroeder disse ser “um político experiente, um europeu que tinha o senso de história, um homem charmoso”, um amigo de quem sentirá falta. O ex-primeiro-ministro alemão relembrou o “gesto simbólico mais forte” de Chirac, o convite para a comemoração dos desembarques da Normandia em 2004, para a qual Putin também foi convidado.

Além de presidente, Chirac foi primeiro-ministro duas vezes e prefeito de Paris por três mandatos.

FRASES

A Rádio França Internacional relembrou algumas das muitas declarações argutas de Chirac. Quando da invasão do Iraque, os países do leste europeu, recém anexados à Otan, partiram ao contrário da França e Alemanha para o alinhamento automático com a agressão de W. Bush ao Iraque. Bajulação que foi recebida com fanfarras por Washington, que passou a dizer que se tratava da “nova Europa” versus a “velha Europa”.

“Esses países não foram, digamos, muito bem comportados e um tanto inconscientes dos perigos de um alinhamento rápido demais com a posição americana (…) Esses países perderam uma boa oportunidade de ficar em silêncio”, disparou Chirac.

Também partiu dele o reconhecimento da responsabilidade da França pelos crimes nazistas sob o regime colaboracionista de Vichy.

Em um discurso no seu primeiro ano na presidência, ele afirmou que “sim, a loucura criminal do ocupante foi apoiada pelos franceses, pelo Estado francês (…) Pátria do Iluminismo e dos Direitos Humanos, terra de boas-vindas e asilo, a França naquele dia realizou o irreparável. Quebrando sua palavra, ela entregou seus protegidos aos executores”.

Um ano depois, quando visitava a cidade velha de Jerusalém, diante da ação das forças de segurança israelenses que tentavam impedi-lo de se aproximar da população árabe, reagiu: “O que vocês querem? Que eu volte para o meu avião e para a França? É isso que vocês querem?”. E apontando para os árabes: “deixe-os vir”.

Em 2002, na Cúpula da Terra em Joannesburgo, diante da crise ambiental, cunhou a frase, que já foi repetida por muitos: “nossa casa está queimando e desviamos o olhar”.

Mas talvez a frase mais divertida haja sido captada inadvertidamente, por um microfone indiscreto, em 1988. Era ainda primeiro-ministro, e reclamava de Margareth Thatcher, com quem acabara de se reunir: “o que essa dona de casa quer, minhas bolas numa bandeja?”. Em seus dois governos na presidência, enfrentou muitas crises, como a oposição em massa ao corte de direitos sob o Tratado de Maastricht, a derrota no plebiscito sobre a adesão à constituição europeia (o ‘Não’ venceu com 54,8%), que só foi revertido depois, a revolta nos guetos em chamas de imigrantes de Paris. Foi também seu governo que aboliu a pena de morte.