Ferroviários em greve participam de manifestação contra ataque de Macron às aposentadorias - AFP

A França segue conflagrada pelo 23º dia pela iníqua ‘reforma da previdência por pontos’ do presidente Emmanuel Macron e nem nas festas natalinas pararam os protestos e greves exigindo a imediata retirada do projeto, que o governo pretende apresentar à Assembleia Nacional no dia 22 de janeiro.

Com nova jornada nacional convocada para 9 de janeiro pelas centrais sindicais, o repúdio segue ininterrupto com a greve de transportes que afeta em cheio trens e metrô e atos locais pelo país inteiro.

Em amplitude e duração, o levante contra a reforma de Macron já se aproxima daquele que, em 1995, fez naufragar a ‘reforma da previdência’ da vez, do então primeiro-ministro Alain Juppé, que acabou caindo.

As centrais sindicais CGT, FO, Solidaires e FSU vêm encabeçando os protestos, aos quais aderiu, parcialmente, a CFDT, central que só discorda do aumento da idade mínima de aposentadoria de 62 anos para 64 anos – o que chamou de sua “linha vermelha”. Sindicatos de todas as centrais estão participando da luta. Também os “Coletes Amarelos” decidiram se juntar às manifestações.

Os mais diversos setores têm se pronunciado contra, de ferroviários a advogados, de professores aos bailarinos da Ópera de Paris. A mais recente adesão foi a dos peritos forenses.

No dia 17, quase dois milhões de pessoas foram às ruas da França para exigir a imediata retirada da proposta de reforma da previdência. No país inteiro, foram 268 manifestações.

Também a juventude, que sentirá na carne as novas e draconianas exigências para a aposentadoria, está integrando em peso a mobilização, através das entidades estudantis de âmbito nacional UNEF, UML e MNL (universitários, secundaristas e alunos de escolas técnicas).

A reforma só conta com a adesão do partido de Macron (Republicanos em Marcha, LREM) e da principal entidade empresarial do país, a Medef. Partidos progressistas se reuniram e emitiram declaração conjunta em apoio à luta da população francesa contra mais essa reforma de Macron. Também o partido Encontro Nacional (ex-Frente Nacional) contestou a reforma da previdência de Macron. A direita civilizada, Les Republicans, se declarou neutra.

O manifesto assinado pelos Verdes, pelo Partido Comunista Francês, pelo Partido Socialista e outras legendas menores, e que reiterou a defesa do sistema de aposentadoria solidário, com contribuições intergerações, contestou uma das principais alegações para o ataque ao direito a uma aposentadoria digna: a do “déficit” do sistema.

O documento afirmou que o atual sistema de pensões “não está em déficit, como afirma o governo, e só o será se as escolhas orçamentárias injustas feitas por esse governo não forem corrigidas”. “Não há razões orçamentárias ou demográficas para exigir que os franceses sacrifiquem suas pensões para salvar nosso sistema de aposentadoria”, enfatizou.

O líder dos “coletes amarelos”, Jérôme Rodrigues, explicou porque o movimento está presente na resistência à reforma de Macron. “Estamos nos unindo às pessoas que estão lutando pelo seu futuro, por problemas de aposentadoria, e estamos todos preocupados porque a maioria dos” coletes amarelos “trabalha no setor privado. Estamos tão preocupados quanto todos os trabalhadores hoje na França”.  Para ele, a resistência à reforma da previdência de Macron se conecta com “toda a luta que travamos há um ano: estamos lutando pelo presente. Se você quer um futuro brilhante, o presente já deve estar indo bem e não está indo bem.”

Uma desempregada francesa, Christine, cujo depoimento, nas ruas de Paris, foi registrado pela RFI, afirmou que é preciso continuar nas ruas “até a retirada definitiva” da reforma de Macron. “Essa reforma previdenciária, que é uma contra-reforma muito violenta, levará ainda mais pessoas à pobreza, tanto no setor público quanto no privado. São os fundos de pensão que aguardam os mais ricos e, para os outros, serão pensões de miséria.”

Apesar do pretexto cínico de salvar o sistema de previdência em risco e cortar privilégios, o que o projeto Macron faz efetivamente é reduzir a contribuição dos altos salários para o sistema, aumentar a idade mínima de aposentadoria e reduzir o valor do benefício. Lógica cuja explicação é o desejo de desviar ainda mais recursos públicos para os bancos e favorecer a implantação posterior do sistema privado de capitalização, conforme normas já votadas no Parlamento Europeu, atendendo ao megafundo norte-americano Blackrock.

Como determinou o comando da resistência ao esbulho, não houve “trégua de Natal”, já que o governo não deu qualquer passo para a retirada do projeto. Apesar dos esforços do governo para desgastar a resistência à reforma de Macron e de caracterizações como a do ‘Aujourd’hui en France’ de “um Natal caótico”, a população segue majoritariamente apoiando a resistência ao achaque.

Da forma que puderam, sem trem e sem metrô, os franceses se viraram para chegar aos seus locais de ceia natalina.

Na véspera de Natal, os bailarinos e músicos da Ópera de Paris, em greve desde 5 de dezembro contra a reforma da previdência, brindaram no pátio uma multidão com uma apresentação gratuita do balé ‘Lago dos Cisnes’, de Tchaikovski. No dia 17, o coral da Ópera de Paris já havia cantando – como descreve a AFP – “uma vibrante ‘Marselhesa’ nos degraus da Ópera da Bastilha”. O local da apresentação do balé estava ornada com duas faixas: “Ópera de Paris em greve” e “A cultura está em perigo”.

O bailarino Alexandre Carniato disse à AFP que “o que as meninas mostraram a você são 15 anos de sacrifício e é trabalho diário. E para chegar lá, há um limite, uma restrição”. “Se queremos continuar a ver dançarinas ou dançarinas bonitas no palco, não poderemos continuar até os 64 anos, isso não é possível”. O regime especial de aposentadoria dos integrantes do balé, que existe desde o rei Luis XIV em 1698, seria varrido por Macron.

Na quinta-feira pós-Natal, a manifestação que chamou mais a atenção em Paris foi uma passeata desde a Gare de l’Est até a estação de Saint-Lazare, com os trabalhadores cantando “Seguiremos até a retirada!” e “Macron, vamos f… sua reforma!”.

Nas refinarias, continua se intensificando a mobilização e a unidade da Total de Grandpuits, na região metropolitana de Paris, parou, com os operários votando por ficar em greve até 30 de dezembro e pelo bloqueio da saída de produtos da empresa. Das oito refinarias da França, cinco já estão paralisadas, mas o governo assevera que o abastecimento está garantido.

Na semana anterior ao Natal, a revolta dos franceses causou seu primeiro dano colateral, a renúncia do principal formulador da reforma da previdência macroniana, Jean-Paul Delevoye. A justificativa oficial foi que ele, irregularmente, mantinha vários empregos em paralelo ao seu cargo de confiança no governo.