FMG debate Estado Democrático de Direito e Desenvolvimento na 69º SBPC
A deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG) esteve presente na mesa da palestra “Estado Democrático de Direito e a retomada do Desenvolvimento Nacional”, nesta última quinta-feira (20), durante a 69° Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na UFMG. A mesa também contou com a participação do presidente nacional da Fundação Maurício Grabois (FMG), Renato Rabelo e do Presidente de Honra da SBPC e diretor do Museu da Amazônia (MUSA), professor Ennio Candotti.
Coube à deputada Jô Moraes fazer a introdução do tema proposto e mediar a discussão. Em sua fala inicial, Jô destacou a importância de espaços construídos na SBPC em torno de “temas que são fundamentais serem debatidos na construção de uma nova perspectiva para o país, diante do desencanto que assola a população no momento”. Jô citou a fala do general Villas Boas em visita recente à Comissão de Relações Exteriores, quando o comandante do Exército ressaltou que o Brasil está à deriva pela falta de um projeto nacional.
Por isso, segundo Jô, é fundamental que a ciência, a tecnologia e a inovação sejam incluídas como temas fundamentais nesse debate da construção da nova perspectiva. “Não existe projeto de inovação, desenvolvimento científico e tecnológico se os governos não têm políticas concretas para estimular esse ambiente”. Nesse sentido, lembrou o grande legado nesta área deixado pelos governos Lula e Dilma, sobretudo o incremento nos investimentos no setor, a Lei de Inovação Tecnológica, a chamada Lei do Bem, o desenvolvimento da Indústria da Defesa, até chegar no marco regulatório da ciência e tecnologia.
Jô Moraes ainda citou as diversas iniciativas que surgem para discutir o projeto estratégico para o Brasil, fazendo referência a duas figuras emblemáticas “que sempre se evidenciaram tanto pela paixão que nutrem pelo Brasil como pela capacidade de pensar e inovar teoricamente na interpretação do país” que são o professor Ennio Candotti e o dirigente comunista Renato Rabelo.
Tempos ameaçadores
Ennio Candotti iniciou sua fala citando “um fato simbólico que representa o momento violento que estamos vivendo e que são ameaçadores à sociedade” que foi a chacina de Pau D’Arco, no Pará, onde dez camponeses foram brutalmente assassinados. Ennio lamentou que a SBPC tenha deixado de fazer essa homenagem e solicitou que todos ali presentes guardassem um minuto de silêncio em memória dos que tombaram ante a truculência das milícias armadas que agem contra os movimentos sociais.
O presidente de honra da SBPC lembrou um antigo episódio para ilustrar a ameaça ao Estado soberano e à ciência nacional que foi a prisão do Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, então responsável pelo Programa Nuclear brasileiro e o submarino nuclear. Candotti disse que durante a Ditadura Militar se opôs ao projeto nuclear liderado pelo Almirante Othon, sendo seu adversário em muitos momentos e ocasiões, mas que hoje se preocupa com sua prisão que considera arbitrária. Ennio dedicou sua intervenção ao Almirante, reconhecendo que se trata de um grande brasileiro e que teve um sucesso importante na ciência nacional.
Candotti lembrou que em 1975 houve uma Reunião Anual da SBPC também em Belo Horizonte, poucos meses após o acordo nuclear firmado entre o Brasil e a Alemanha. Naquela ocasião, “jovens vanguardeiros” conseguiram fazer com que a SBPC criticasse duramente o Projeto Nuclear, fato esse que teve certa repercussão. Candotti lembra que algumas pessoas perguntaram o porquê de ser contra a um projeto importante para o desenvolvimento nacional. A resposta estava no fato de que, na época, o governo militar era marcado por profundos escândalos de corrupção como, por exemplo, o anúncio da compra de dois reatores nucleares da Alemanha, sendo que no dia da assinatura do acordo haviam oito reatores comprados. Além do mais, “numa ditadura militar, construir uma bomba nuclear é fácil e usá-la para fins antiéticos é mais fácil ainda”. O professor Ennio lembra que foram duramente criticados, mas hoje julga que fizeram a coisa certa e indagou: “o que faria um Coronel Ustra ou um Bolsonaro daquele tempo se tivessem uma bomba destas nas mãos? ” Há certo tipo de desenvolvimento que, sem um Estado democrático, não pode ser tolerado, arrebatou Candotti.
De acordo com o professor, hoje, em um Estado Democrático de Direito, ao contrário da época da ditadura, é preciso dizer sim ao projeto nuclear brasileiro e defender a obra levada a cabo pelo Almirante Othon. Segundo o cientista, não será a adoção da pauta única de combate à corrupção, tal como apregoa a Lava Jato, que avançaremos enquanto nação soberana e democrática, pois muitas vezes o que há são fumaças para se encobrir pautas conservadoras como a ampliação da jornada de trabalho permitida a partir da reforma trabalhista aprovada recentemente.
O professor Ennio relatou sua perplexidade ao ver Geddel Vieira Lima em casa e o Almirante Othon preso. Isto é o que, segundo ele, ameaça de fato o desenvolvimento do país, pois se trata de condições mínimas para o Brasil avançar para superar esse Estado de violência que se manifesta por meio de uma ditadura judiciária.
O exemplo da alavanca na economia
Segundo Candotti, a ciência só pode colaborar com o desenvolvimento de um país em um Estado democrático. A ciência não pode prosperar em um Estado autoritário. Para explicar sua teoria, usou o exemplo de uma alavanca, utilizando um metro de pedreiro para ilustrar.
A seu ver, a alavanca da economia, assim como é discutida pelos economistas é uma alavanca que faz seu ponto de apoio no próprio barco da economia: “Em um barco, o ponto de apoio da forquilha não é o barco, mas a água. Então o barco está como peso e para levantar esse peso é preciso ampliar esse braço – demonstrou utilizando um metro articulado de madeira -, e reduzir a outra parte, o outro lado do braço, antes da forquilha. Assim eu poderei aliviar a fadiga humana. Mas os economistas teimam em dizer que a forquilha está aqui (mostrando o barco).
Segundo Candotti, “nossos economistas – mesmo os mais progressistas como os que assinam o documento do Bresser Pereira -, ainda hoje teimam e estão colocando o ponto de apoio na forquilha do barco do desenvolvimento. Eles estão excluindo a sociedade, os movimentos sociais, os protagonistas, aqueles que criam a riqueza do país, da discussão econômica”, alertou. “Colocar o remo na água significa apoiar a alavanca dos movimentos sociais. E vocês não encontram nos movimentos de governo, nem passa por perto de sua proposta apoiar o ponto de apoio da alavanca. O que me preocupa é que mesmo os mais progressistas insistem em manter o ponto de apoio na forquilha. Não se encontra nos documentos deles lições sólidas sobre o papel dos movimentos sociais, da sociedade em geral. Como reconstruir uma linha democrática para o nosso país se o projeto de desenvolvimento não coloca como ponto de apoio do remo do barco da Nação, a sociedade? Não dará certo. Temos de construir juntos”, disse.
O papel da ciência, de acordo com o professor Ennio, “é dizer como funciona a alavanca. Apontar para um fato muito simples: é preciso incluir novos protagonistas, novos atores nesta discussão. Nos últimos quatro anos se descuidou disso e deu no que deu”. Para Candotti, é necessário fazer essa autocrítica.
A judicialização da política e a politização do judiciário
Renato Rabelo iniciou sua intervenção saudando os participantes em geral e ao professor Ennio Candotti em especial, afirmando que ele é uma referência para os comunistas.
Rabelo destacou a importância de se debater temas que são muitos candentes nesse grave momento vivido no país após o Golpe imposto pelas forças conservadoras onde foi estabelecida uma ordem, que significou um atalho para a tomada do poder pelas elites. “O ponto de apoio dessa gente foi um grande acordo no seio da própria classe dominante”, vaticinou Renato que ainda diagnosticou que vivemos um período de excepcionalidade, onde presenciamos uma das maiores crises, senão a pior, de toda a nossa história. Esse pacto contou com a participação de empresários, de parte do judiciário e da grande mídia para aprovar um programa derrotado nas urnas. “Começaram a operar uma desconstrução nacional que é rápida e avassaladora. Em um ano aprovaram medidas antipovo que era inimaginável até pouco tempo atrás”, afirmou.
Para isso, de acordo com Rabelo, dilaceram a constituição. Ainda segundo o dirigente comunista, cresce dentro do Estado Democrático de Direito um Estado de Exceção onde se evidencia um caos institucional e se presencia um choque entre poderes sendo que há choques inclusive dentro dos próprios poderes, além de se evidenciar uma judicialização da política e uma politização do judiciário. “Estamos vivendo uma grande desordem institucional com o golpe que criou movimentos incontroláveis, como por exemplo o agravamento da grande crise e a divisão entre o consórcio golpista – como a luta travada entre Globo, Temer e Procuradoria Geral da República. Só quem perde com isso é o povo”, lamentou Renato.
Seguindo a lógica do professor Ennio sobre os pesos e contrapesos, Renato disse que a superação desta crise não tem outro caminho senão o apoio dessa alavanca que é o povo. “O povo tem que se pronunciar através das eleições. Por isso a bandeira das ‘Diretas Já’ passa a ser a saída. Grande parcelas do povo que apoiou o impeachment compreende agora que foram enganados. A grande maioria do povo quer se livrar do Temer. O apelo pelas ‘Diretas Já’ também abarca quase a totalidade da nação”, assinalou.
O apito da panela de pressão
Parafraseando um termo muito usado pelos cientistas, Renato disse que o momento político é um “caldo de cultura” de opções que é muito favorável à busca de saídas. “Ainda que vivamos um quadro complicado, a busca pelas eleições diretas age a favor do campo democrático. Mas para isso é necessário buscar amplas forças políticas sociais”. Rabelo lembrou ainda que o Partido Comunista do Brasil tem rica história nesse sentido e citou o início da ditadura em 1964 quando o PCdoB, logo no início, fez uma conclamação pela união de todos os brasileiros. Hoje é um chamado pelas forças democráticas, populares e até mesmo por aqueles que apoiaram o golpe e que hoje se sentem enganados.
Renato cita a estupefação de parte da sociedade que pergunta onde está o povo, ou seja, o porquê de aquelas manifestações multitudinárias terem cessado. Nesse sentido, o dirigente comunista cita um artigo que leu recentemente que indaga sobre o apito da panela de pressão em que esse termo foi usado para expressar as grandes manifestações contra a ditadura que se deram no ano de 1977, ou seja, nos estertores do regime militar. Assim sendo, Rabelo lembra que “o movimento popular tem suas leis. Ele não se dá de forma instantânea ou imediata. Esse movimento se desenvolve em movimentos de ascensos e descensos ou fluxos e refluxos. As vezes precisa de um detonador ou na linguagem química de um catalisador. Então as vezes esses detonadores não são previsíveis. Por isso não devemos nos precipitar, pois isso faz parte do movimento”.
Rabelo se mostra preocupado com a ingerência do FMI que se movimenta para garantir a agenda das contrarreformas mesmo após as eleições de 2018, diante de um quadro político que vai caminhando rumo a essa agenda. Para Renato, para os neoliberais o Brasil nem precisa de investimento em ciência nacional pois no máximo se pode comprar tecnologias desenvolvidas de fora. Renato ainda ressalta que “temos que nos imaginar pela extensão de nosso país e pelo seu grande potencial, temos que nos imaginar como os EUA, a China, a Rússia, a Alemanha e não como uma corrutela, um pequeno país, como pensam e agem os neoliberais”.
Nesse caminho, em que o país pode estar chegando a uma quarta recessão seguida, a saída, segundo Renato é superar a crise e retomar do crescimento econômico, restabelecendo a democracia. Mas para isso há várias linhas diferenciadas, e na compreensão política do PCdoB a linha mestra na economia política geral e no ajuste fiscal em especial precisa ser contra cíclico, ou seja, aumentar investimentos e as despesas. “Na atual crise é imperioso fazer o contrário que a atual equipe econômica vem fazendo em cortar despesas e investimentos. É fundamental voltar o crédito e os investimentos”, finalizou.
Renato lembra que o aumento de impostos dado pelo atual governo era algo inimaginável no governo Dilma onde a Fiesp teria feito um grande estardalhaço, o que demonstra a incompetência deste governo que não consegue resolver sequer o problema da arrecadação. Desta forma, a retomado do crescimento é fundamental. “As reservas internacionais, que foram acumuladas nos governos Lula e Dilma, poderiam, ao menos parte delas, ser utilizadas para superar a crise”, sugeriu Rabelo.
A China e as alternativas
Para Renato Rabelo, “diante de um quadro de crise que assola não só o Brasil, mas os demais países capitalistas, o único país que se apresenta como alternativa é a China”. Assim sendo, para se fazer um diagnóstico do Brasil é preciso avaliar o quadro político internacional.
Para Rabelo, uma economia em desenvolvimento como a nacional, que há bem pouco tempo cresceu e se incorporou ao mercado externo de forma jamais vista, pois não somente como exportadora de produtos primários, precisa da condução do Estado para ser forte, eficiente, geradora de emprego e renda, de inclusão, de ciência, tecnologia e inovação “O problema do Brasil é reerguer a estratégia nacional de industrialização de forma sólida, pois esta é a base da mobilidade social”.
Ele entende que o país só crescerá e se desenvolverá com a população gerando e participando da riqueza nacional e isto só é possível com um Estado forte, definindo os rumos a seguir. “É preciso deixar claro que a mobilidade social depende da industrialização e é também a indústria que puxa o setor de serviços, os demais setores. Há um engajamento, uma inter-relação”. Para ele, o novo extrativismo com base na exportação primária, como os ocupantes do poder no Brasil novamente tentam fazer não se sustenta, é um retrocesso a ser combatido. “Hoje a neocolonização está levando às guerras que destruíram e dividiram a Líbia em várias regiões e agora estão tentando com a Síria. É um movimento expansionista e que tem de ser combatido”, defendeu.
Ao citar o predomínio do financismo, do ganho pela exploração do capital, dos juros para poucos em detrimento da imensa maioria, do desenvolvimento nacional, da geração de emprego e renda e da industrialização, Renato Rabelo citou o fato de o presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o empresário Benjamin Steinbruch ter em caixa R$ 2 bilhões. “Então, ele prefere ganhar em títulos do tesouro, em exploração do capital, a investir e reinvestir no desenvolvimento nacional, na CSN. Esta é a lógica perversa do capital em benefício de uns poucos”, afirmou.
O presidente da Fundação Maurício Grabois também fez a defesa intransigente da participação popular em prol das Diretas Já! para mudar o atual quadro que “atrasa o Brasil, que aniquila com as conquistas sociais, com a democracia, com o desenvolvimento tecnológico já conquistados. A prioridade do Brasil tem de ser o desenvolvimento com democracia, com autonomia”, enfatizou.