Flávio Dino é considerado “diplomata” da Amazônia Legal
Em artigo publicado no Valor Econômico, a advogada, jornalista e repórter do jornal especializado em economia e política, Andrea Jubé, fala sobre a desenvoltura do governador do Maranhão a partir de sua eleição para presidir o consórcio Amazônia Legal.
Leia abaixo a íntegra do artigo.
Um dos desafetos do presidente Jair Bolsonaro, e ator relevante nas articulações por uma (ainda utópica) frente ampla progressista, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), conversou com a coluna sobre três temas espinhosos para o governo federal: Amazônia, vacinas e a movimentação da esquerda para 2022, na esteira do resultado das eleições municipais.
Há oito dias, Dino foi eleito presidente do consórcio da Amazônia Legal, bloco que reúne os nove Estados da região (AM, AC, RO, RR, PA, MA, AP, TO e MT), e mantém interlocução com o presidente do Conselho da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão.
De perfil conciliador, Dino explica que a articulação que o alçou à presidência do bloco deveria ser exemplo para as imbricadas disputas da esquerda por espaço no tabuleiro eleitoral.
“Vou presidir o consórcio na base do entendimento”, ensina. Duas semanas antes da eleição, ele começou a telefonar para cada um dos oito governadores, a maioria do espectro político de direita. Até o governador de Roraima, Antônio Denarium (sem partido), bolsonarista, votou nele, eleito por unanimidade. “Se há diálogo, você consegue agregar. Se tenta impor na pancada, fica difícil.”
Dino exercerá mandato de um ano à frente do bloco econômico-ambiental. Poucos meses depois, em abril de 2022, vai se desincompatibilizar do mandato de governador para concorrer a uma vaga de senador.
Mas ressalva que estará “disponível” se uma união da esquerda quiser lhe atribuir outro papel. “Se o campo da esquerda sair com três, quatro, cinco candidaturas a presidente, será a crônica de uma morte anunciada, disso eu não participo. O resultado será um segundo turno entre o Bolsonaro e um candidato de centro-direita”.
Dino – que já foi chamado por Bolsonaro de “pior governador” entre os “governadores de paraíbas” – não quer novos arrufos com o adversário político, ao menos na agenda ambiental. Uma de suas metas mais ambiciosas à frente do consórcio é tentar destravar o Fundo Amazônia, paralisado há quase dois anos, por causa dos contenciosos do governo federal com Noruega e Alemanha, que suspenderam os repasses. Segundo o Observatório do Clima, o saldo estimado do fundo é de R$ 2,9 bilhões.
Dino acha que o caminho para reativar o fundo é elevar a pressão pública sobre o governo federal pela preservação do bioma. Em paralelo, como representante dos Estados da Amazônia Legal, ele quer estabelecer pontes diretamente com os embaixadores da Alemanha e da Noruega.
“Farei essa diplomacia do consórcio com os países financiadores, vendo como avançar no plano interno para que eles concordem em retomar os financiamentos”. Se o diálogo evoluir, Dino explica que, na etapa seguinte, caberá ao Conselho da Amazônia entrar nas negociações para viabilizar a retomada dos repasses.
Dino acrescenta que caberá ao consórcio intensificar o monitoramento e controle sobre desmatamentos e queimadas ilegais. Na área de segurança, ele quer integrar a base de dados das polícias dos nove Estados do consórcio para incrementar o combate à biopirataria e narcotráfico nas fronteiras.
Outra meta é implantar a “Farmácia da Amazônia” para estimular aquisição conjunta de medicamentos pelo bloco, e, simultaneamente, a produção de fármacos alternativos, como fitoterápicos.
Sobre a vacina contra a covid-19, Flávio Dino avalia que a disposição dos governadores é esperar até 15 de janeiro para que o Plano Nacional de Vacinação do governo federal decole. “Até lá, todo mundo [governadores] espera pra ver. Se der apagão, vai ser cada um por si”.
Dino pondera que o Brasil chegou a um patamar absurdo, sem perspectiva de início da vacinação, enquanto mais de 40 países começaram a imunizar suas populações. “Se esse patamar se mantiver até o dia 15, haverá um movimento de salve-se-quem-puder”.
Ele acredita que os próximos 18 dias serão determinantes para que se dissipem as incertezas em torno das principais apostas do governo federal: a vacina da AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, e a Fiocruz; e a Coronavac, desenvolvida pela chinesa Sinovac, em parceria com o Butantan. Espera-se que ainda nesta semana, a Fiocruz peça o registro da vacina da AstraZeneca para uso emergencial. E que até 15 de janeiro, o mesmo ocorra com o imunizante da Sinovac.
Dino ressalta que o início da vacinação contribuirá, inclusive, para a evolução das conversas no campo da esquerda, restritas até agora pelo distanciamento social compulsório.
Depois do segundo turno, Dino já participou de pelo menos 20 conversas com lideranças do PT, PCdoB, PSB e Psol. O time de interlocutores inclui o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, Guilherme Boulos e Marcelo Freixo. O encontro com Ciro Gomes ficou para janeiro.
“A eleição municipal trouxe a sensação geral [na esquerda] de que sozinho ninguém vai fazer um gol. Acontece de um jogador pegar a bola no meio do campo, driblar todo mundo, e fazer um gol, mas é raro”.
Ele cita o exemplo das alianças amplas que levaram a esquerda a vencer bolsonaristas em Fortaleza (CE) e Belém (PA). Acrescenta que a eleição para a presidência da Câmara, onde a esquerda se uniu em torno do bloco de Rodrigo Maia (DEM-RJ), é um bom “termômetro” para os próximos movimentos desse campo.
Isso não quer dizer, ressalva, que a esquerda marchará com DEM, MDB e PSDB em 2022. “Mas tem uma intervenção da esquerda conjunta nesse processo que é sinal de amadurecimento”.
Dino alerta que seu otimismo “não é ingênuo, é lastreado em fatos”. “A atitude madura, convergente da esquerda [na eleição para a Mesa da Câmara] é reveladora de um sentimento geral de unidade”. Isso estará presente nas discussões sobre reconfiguração partidária em 2021, aposta.
Fonte: Valor Econômico
—
(PL)