Físico e pesquisadores criticam satélite para monitorar Amazônia
O físico Ricardo Galvão, que foi eleito um dos dez maiores cientistas de 2019 pelo revista Nature, alertou que a compra de microssatélite pelo Ministério da Defesa, que seria destinado ao monitoramento da devastação na Amazônia pode significar a perda de protagonismo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cujo trabalho realizado com essa finalidade tem reconhecimento internacional.
Desde 1988, os dados de desmatamento na Amazônia são publicados no site do Inpe, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações.
“Sempre houve um embate sobre o controle do programa espacial, onde o Inpe desenvolve satélites e a Força Aérea cuida dos foguetes, mas agora ela decidiu lançar uma proposta orçamentária para comprar o seu próprio satélite. Isso é preocupante”, afirmou. No comando do instituto desde 2016, Ricardo Galvão foi exonerado em agosto do ano passado depois de rebater críticas do presidente Jair Bolsonaro aos dados que indicavam alta no desmatamento na Amazônia.
A informação de que a pasta da Defesa pretende gastar cerca de R$ 145 milhões na compra dos equipamentos está disponível publicamente no SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo Federal). Os recursos virão do montante recuperado pela Operação Lava Jato.
A nota de empenho da verba, datada de 30 de junho, é em favor do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), subordinado ao Ministério da Defesa. A publicação diz que a aquisição dos satélites ocorrerá sem licitação. Não consta qual a empresa que fará a venda e operação dos satélites.
Para Gilberto Câmara, secretário executivo do Group on Earth Observations, ligado à Organização Meteorológica Mundial, o preço e o tamanho do equipamento, comparando-o a outros satélites usados no monitoramento de florestas, indicam que ele não terá a estrutura necessária para fazer um trabalho diferenciado daquele já realizado pelo Inpe.
“Seu tamanho e orçamento condizem com um satélite SAR de banda X, que é o tipo mais simples, e cujas imagens não são adequadas para um sistema operacional de monitoramento de florestas tropicais. Um satélite pequeno tem variações na órbita, causadas por fatores como o vento solar e a própria gravidade, e é difícil garantir que ele volte ao seu percurso original, porque isso demanda um reparo por giroscópios, que são sensores grandes demais para estes satélites. Então, eles não têm órbita fixa, e sua possibilidade de chegar ao ponto original é limitada”, avaliou.
O cientista observou que o microssatélite terá gastos adicionais de operação e lançamento. Além disso, de acordo com ele, há satélites mais sofisticados do que o do Censipam, como o europeu Sentinel-1 (banda C) e o japonês Alos-2 (banda L), cujos dados estão disponíveis livremente.
“Não há evidência verificável, um relatório técnico ou artigo científico, que comprove que exista sequer um projeto viável de um sistema de monitoramento do Censipam. É a cloroquina da Amazônia. Os militares estão desesperados para ter o controle da narrativa sobre o desmatamento do país. Mas eles jamais teriam a credibilidade para fazer um projeto alternativo ao Prodes e ao Deter”, afirmou.
Cristiane Mazzetti, porta-voz da Campanha da Amazônia do Greenpeace, considera que o microssatélite tem “um custo muito elevado e não se justifica”.
“O Inpe já fornece todos os dados necessários para balizar ações relacionadas à fiscalização, desmatamento e incêndios florestais. Seu trabalho é reconhecido até em
regiões florestais do Sudeste Asiático, que não contam com tecnologia parecida. O problema é que o governo não tem usado essas informações com eficácia. Não foi feita uma licitação ou qualquer documento citando dados técnicos que justificassem a construção do microssatélite, como uma redução do número de vezes que passará diariamente por cada área da Amazônia”, observou.
Há também quem avalia que a Defesa empregaria melhor a verba se dobrasse a área analisada pelo sistema Deter Intenso, que funciona como auxiliar ao Deter (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real) em áreas críticas. Hoje, ela corresponde a 10% da floresta, região que concentra 60% do desmatamento amazônico.
“O Deter Intenso usa imagens coletadas diariamente por cinco satélites. Já o resto da floresta é visto pelo Deter, que obtém imagens a cada dois dias vindas de dois satélites. O governo indica que comprará um tipo de satélite que é mais usado em mineração e na identificação de alvos militares. Não adianta ter uma profusão de imagens sem ações no campo para coibir os crimes ambientais. O governo insiste que o problema é a falta de dados. Quantos dos milhares de alertas foram fiscalizados?”, lamentou um servidor da área que prefere não se identificar.
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