A Bolsa de Wall Street mergulhou na segunda-feira (9), em meio ao tombo do preço do petróleo e à reiteração dos sinais de recessão, que a epidemia de coronavírus agrava. O “pânico” – como classificou a Reuters – ocorreu no aniversário da mais longa alta das ações da história dos EUA. O índice S&P 500 recuou -7,6%, o Dow Jones Industrial caiu -7,8% e o Nasdaq (alta tecnologia) afundou -7,3%. O baque foi tal que o pregão chegou a ser suspenso poucos minutos após soar o sino, devido à derrubada atingir -7%.

Em paralelo ao caos na Bolsa, o rendimento dos Títulos do Tesouro dos EUA – considerados o ‘porto seguro’ na hora da onça beber água – quase zerou, para 0,5%, em razão da enorme procura (no início do ano era de 1,9%).

Mas possivelmente o que melhor traduza o “abalo” – o termo é do The New York Times, que o atribui ao “coronavírus” – seja a decisão do Fed de elevar extraordinariamente, até quinta-feira dia 12, o socorro aos bancos no overnight, o chamado mercado repo, do atual patamar de US$ 100 bilhões diários para US$ 150 bilhões.

Também dobra, para US$ 45 bilhões, as “operações compromissadas” de duas semanas, com papeis de garantia.

Desde setembro do ano passado, quando o assim chamado ‘não-quantitative easing’ foi instaurado após a taxa do overnight ter chegado a 10%, esse socorro já injetou quase meio trilhão de dólares nos bancos. Atribui-se ao JP Morgan Chase o desencadeamento do problema.

Note-se que na semana passada, o Federal Reserve, em reunião de emergência, já havia cortado o juro em 0,5 ponto percentual, para a faixa de 1-1,25%. O que, como a inflação (IPC) de janeiro foi 2,49%, implica na volta ao juro real negativo de – 1,24%, com os bancos dizendo que na próxima reunião normal dos dias 17 e 18 precisa cortar ainda mais, ou a casa cai.

“Fed apertou o botão do pânico”, escancarou então a CNN diante do aumento de supetão do juro básico. “Vimos risco para a perspectiva da economia e escolhemos agir”, disse o presidente do Fed, Jerome Powell, logo após a carga de cavalaria nos juros.

Com isso, estão com juros reais negativos o Fed, o BC europeu e o BC japonês.

Também voltou a se repetir a chamada inversão da curva de juros, quando o juro de curto prazo fica maior do que o de longo prazo, evidenciando que a recessão está batendo às portas.

Uma analista não se conteve e convocou os especuladores a buscarem abrigo “nos títulos de 30 anos”. “A única coisa que eu diria para comprar é Treasuries”, disse Priya Misra, chefe global de estratégia de juros do Toronto-Dominion Bank, à Bloomberg Television. “Se você possui uma tonelada de ativos de risco, o único ativo de porto seguro atualmente são os 30 anos. É chocante que eu esteja dizendo isso.”

A derrubada de segunda-feira tivera início nas bolsas asiáticas e europeias – Tóquio -5,07%, Euro Stoxx -8,45%, Paris -8,39%, Frankfurt -7,94% e Londres -7,69% -, após o recuo do preço do petróleo e em especial a quarentena na Itália sobre 16 milhões de pessoas (até o final do dia, estendida ao país inteiro).

O principal índice da bolsa de valores brasileira, a B3, desabou 12,16% na segunda-feira, a maior queda em mais de 20 anos. No ano, o Ibovespa acumula baixa de 25,58%.

Os preços do petróleo desabaram cerca de 25% na segunda-feira, para perto de US$ 30, na maior queda diária desde a Guerra do Golfo (1991), para patamar que não era registrado desde os dias mais sombrios de 2016, em função do fim do acordo de estabilização de preços entre a Opep, centrado na Arábia Saudita, e a Rússia.

Para Moscou, não adianta cortar mais, se o altamente endividado setor do fracking norte-americano prosseguir inundando o mercado. Riad anunciou que irá aumentar a produção e conceder grandes descontos nas vendas de petróleo.

Apesar de todo o barulho em torno do coronavírus, as condições subjacentes, como dizem os médicos, do paciente economia global já vinham exigindo cuidados, melhor dizendo, praticamente na UTI.

Assim, no ano passado, o PIB mundial cresceu 2,9% – apenas 0,4 ponto percentual acima de 2,5%, patamar que é considerado recessão global, conforme os economistas.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), clube de países ricos a reboque de Washington, reviu sua previsão de crescimento do PIB mundial de 2,9% para 2,4%.

Também o Instituto de Finanças Internacionais (IIF) revisou para baixo as projeções de crescimento global em 2020: em torno de 1,0% e muito abaixo dos 2,9% do ano passado. O crescimento da China ficaria em pouco menos de 4% (de 5,6%), o que supõe uma contração de 1,0% no primeiro trimestre em relação ao trimestre anterior e uma rápida recuperação a partir daí.

Para os EUA, a projeção caiu para 1,3% este ano, abaixo dos 2,0% anterior, com o epicentro da fraqueza no segundo trimestre. Há ainda a estimativa do Goldman Sachs de que o crescimento do lucro das corporações norte-americanas em 2020 será zero.

Na Europa, as previsões são de que a zona do euro deve voltar à recessão no primeiro trimestre, puxada por sua maior economia, a Alemanha, e pela Itália, sob quarentena. A produção industrial alemã caiu 7% no ano passado – o que é inédito no período do pós-guerra.

O PIB do Japão encolheu a uma taxa anualizada de 6,3% no último trimestre do ano passado, depois da entrada em vigor de aumento no imposto sobre valor agregado.

Na China, as exportações caíram nos dois primeiros meses do ano, com queda de 17,2%, mais do que o esperado por uma pesquisa da Bloomberg com economistas. As importações caíram 4% no mesmo período. A atividade manufatureira em fevereiro caiu para um recorde de baixa, em conseqüência da quarentena para deter o coronavírus.

Há também o problema do “choque de oferta”, levantado pelo ex-economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard. Segundo ele, a disseminação do coronavírus representa um “choque de oferta”, retirando os trabalhadores da produção. Situação em que o corte de juros seria “simbólico mas não muito útil”.

O que se soma aos problemas na demanda, seja em função das políticas de arrocho e corte de direitos, seja, como no caso das linhas aéreas e do turismo, da ausência de quem se disponha a correr riscos de viagem em plena epidemia.