De Tóquio a Nova Iorque, e de Xangai a Frankfurt, bolsas despencaram no mundo inteiro na segunda-feira, indicando que o anúncio de medidas extremas às pressas pelo Federal Reserve, em pleno domingo e novamente em reunião de emergência, a segunda em uma semana, não conseguiu interromper a derrubada nas bolsas em curso, o congelamento do crédito e o travamento do mercado de Títulos do Tesouro, que já resultaram na implosão da Bolha de Tudo na semana passada.

O mergulho começou imediatamente após o anúncio de Jerome Powell, quando a bolsa de futuros nos EUA desabou quase 5%, o que continuaria nas bolsas asiáticas, assim que estas abriram: Tóquio (-2,8%), Seul (- 3,19%), Xangai (- 3,4%) e Hong Kong (-4,0%). A Bolsa de Sydney sofreu uma queda histórica: -9,7%.

A derrubada continuou na Europa: Paris (-5,75%), Frankfurt (-5,31%0), Madri (7,88%) e Londres (-4,01%).

Em Wall Street, o Dow despencou 12,93% e o disjuntor chegou a ser acionado quase após a abertura.  O S&P 500 encolheu 11,98%, enquanto a contração do Nasdaq (alta tecnologia) foi de -12,32%. No Brasil, a Bovespa recuou 14%, com o quinto acionamento do circuit breaker em seis pregões. Outras bolsas latino-americanas também foram ao chão.

Havia temores que o inusitado socorro, decidido num domingo, quando haveria reunião regulamentar na terça-feira e quarta-feira, acabasse por levar a questionamentos de “o que é que o Fed está sabendo, que nós não sabemos?”

Conforme a CNN , o corte na taxa de juro foi “projetado para evitar o choque econômico que leva ao tipo de restrição de crédito e interrupções no mercado financeiro que ocorreram durante a crise financeira global – a última vez que o Fed cortou as taxas até o fundo”.

“Eu não acho que [o Fed] teria feito isso a menos que achassem que os mercados financeiros corriam um risco significativo de congelamento amanhã. Eles estão muito preocupados com o fato de os mercados financeiros não funcionarem. Portanto, não sei como os mercados se consolam com isso”, disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics, à CNN.

Um analista chinês, citado pelo Global Times, comparou as medidas a “beber veneno para matar a sede”, e disse que os EUA deveriam ter primeiro contido o Covid-19 e depois cuidado da economia.

O pacote salva-banco do Fed foi coordenado com outros bancos centrais e compreende juros reais negativos (após novo corte de 1 ponto percentual, para 0-0,25 nominais), volta da compra de papeis podres (US$ 700 bilhões),  zeramento das reservas dos bancos junto ao Fed e liquidez para o dólar nos mercados externos. A Bolha de Tudo – com todo tipo de papel sendo especulado – vinha sendo inflada há 11 anos.

A derrubada nas bolsas é agravada pela recessão alimentada pela pandemia de Covid-19 e consequente paralisia geral de atividades para deter a disseminação do vírus, mais a guerra do petróleo, desencadeada pela Arábia Saudita, que derrubou o preço do barril para US$ 30.

Também, pelo elevado endividamento das empresas, depois de anos de recompra das próprias ações para inchar o ‘valor de mercado’, a distribuição de dividendos e de gordos bônus – além do efeito colateral da imensa desigualdade -, e a alavancagem das  apostas no cassino financeiro.

O resumo da ópera, feito pelo Wall Street Journal, sobre a desmanche desta segunda-feira é bastante sintomático: “economia cai em um buraco negro monetário”, “corretores questionam utilidade dos disjuntores no mercado de ações”, “bancos pressionados enquanto clientes lutam por dinheiro” e “credores pressionados com solicitações de refinanciamento”.

Na semana passada, uma gangorra infernal, com as ações indo aos extremos, alternando os dias, mostrou que a bolha está implodindo.

A Bloomberg, ao descrever o colapso nas bolsas na semana passada, registrou que “a evaporação de liquidez foi evidente em praticamente todas as classes de ativos” e que “ausência de liquidez” foi ainda “mais acentuada” nas ações e títulos que normalmente servem como refúgios “durante uma turbulência” e com os corretores assistindo as relações entre mercados estabelecidas há muito tempo “se desintegrarem”.

Um corretor relatou que “nunca tinha visto” uma incapacidade de negociar um título do Tesouro dos EUA “e tenho a certeza de que não sou o único”.

Em suma, ninguém confia mais em ninguém quanto à capacidade de pagar ou quanto às garantias entregues, conformando um aperto de liquidez só visto durante a crise de 2008.

O mercado de overnight privado, o chamado repo, que substituiu a janela de descontos do Fed desde 2008 – ser pego indo à janela era corrida na certa aos caixas automáticos -, está à beira de um ataque de nervos.

A isso se soma a corrida à liquidez de parte de grandes companhias, como a Boeing, que comunicou que iria usar já todo o empréstimo obtido de US$ 13,8 bilhões, ou a AB InBev, que, como noticiou o Financial Times, vai retirar “todo o empréstimo de US$ 9 bilhões”.

A guerra do petróleo desencadeada pelos sauditas também faz estragos no fracking norte-americano, com ações de perfuradores desabando, e levando junto bancos regionais que apostaram fortemente no petróleo. O barril de West Texas, o petróleo norte-americano, caiu abaixo de US$ 30 na segunda-feira.

Também é dramática a situação das companhias aéreas, que estão tendo de cortar vôos em até 75%, com advertências de que poderão quebrar até maio. As companhias aéreas norte-americanas estão pedindo um socorro de US$ 50 bilhões. Situação semelhante se espraia pelo setor hoteleiro, restaurantes e por várias áreas dos serviços.

Para trazer mais pessimismo, índices recém divulgados da China mostraram o estrago decorrente da paralisação em massa para conter o coronavírus, embora a retomada da produção esteja acontecendo em ritmo acelerado.

Nos dois primeiros meses de 2020, as vendas no varejo encolheram 20,5% ano sobre ano na China e o investimento em ativos fixos, -24,5%. A produção industrial, em valor agregado, caiu 13,5%. Ainda há o problema de que a China pode sofrer, como assinalou o Global Times, “um segundo choque econômico à medida que o Covid-19 se move rapidamente para o exterior, lançando uma sombra sobre as perspectivas econômicas globais”.

Na Europa, agora o epicentro da pandemia do Covid-19, como registrou o FT, os ganhos já anêmicos dos bancos se vêem ainda mais ameaçados por uma onda de inadimplência, em consequência da paralisação decorrente do coronavírus. Desde seu pico, há menos de um mês, os índices de ações dos bancos europeus caíram 40% no que o jornal chamou de “venda indiscriminada de ações financeiras”.

Os principais porta-vozes da banca no mundo todo estão apelando ao Fed para que impeça que a crise se transforme em uma “crise financeira” – ou seja, que arrume um dedinho que dê jeito no furo na Bolha de Tudo causado pelo alfinete, que é o coronavírus.

Enquanto isso, Trump, cuja reeleição em última instância depende de se o Fed vai conseguir conter a implosão da Bolha de Tudo e a recessão, já que não há notícia de presidente reeleito quando a economia vai mal, reagiu ao anúncio do Fed de domingo, dizendo que “estava muito feliz” e que “um monte de gente em Wall Street também estava muito feliz”.