Falta de verba impede fiscalização de barragens, diz ANM
A Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão responsável por fiscalizar as barragens de todo o País, regular o setor e evitar tragédias como as que ocorreram em Mariana e Brumadinho, está sem recursos para executar suas funções mais básicas e corre o risco de ficar com suas operações completamente paralisadas.
Tal cenário preocupante do órgão federal vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME) foi traçado pelo próprio diretor-geral da ANM, Victor Hugo Froner Bicca. No mês passado, o chefe da agência reguladora enviou ofício ao Ministério da Economia, para alertar sobre a situação insustentável do órgão, por causa de sucessivos cortes financeiros.
No documento, Bicca descreve que as restrições orçamentárias podem levar a agência a, inclusive, descumprir determinações legais relacionadas à fiscalização de barragens. O Ministério da Economia determinou que orçamento para a ANM em 2021 seja de R$ 61,4 milhões, redução de 9% sobre os R$ 67,5 milhões repassados este ano. O diretor-geral da agência argumentou que, na realidade, o trabalho do órgão de fiscalização já não tem sido desempenhado a contento e que, para executá-lo no ano que vem, seriam necessários pelo menos R$ 155 milhões. O pedido, porém, foi ignorado.
“Temos clareza em afirmar que os referenciais estabelecidos (valor do repasse) e apresentados no referido ofício comprometem fortemente o futuro da ANM”, alertou o diretor-geral da agência ao Ministério da Economia. “Diante dessa redução orçamentária para o ano de 2021, essa ANM entende que precisará informar formalmente o Ministério Público e ao juízo da ação sobre a redução orçamentária prevista.”
RELATÓRIO APONTA SITUAÇÃO CRÍTICA EM BARRAGENS
Recentemente, um relatório apontou situação crítica em 156 barragens em 22 Estados. O levantamento consta no relatório de Segurança de Barragens do ano passado da Agência Nacional de Águas (ANA) e foi feito após tragédia de Brumadinho, em 2019. O documento indica aumento de 129,5% das estruturas avaliadas com risco, mas o monitoramento também foi ampliado no ano passado. O relatório da ANA aponta elevação de 135%, na comparação com 2018, nas fiscalizações.
Na prática, o que o governo tem feito, ao cortar o orçamento da agência, é descumprir a própria lei. Desde 2017, está em vigor uma lei (13.540) que trata da distribuição dos royalties de mineração pagos pelas empresas que exploram os recursos naturais no Brasil. Essa lei exige que 7% do que for arrecadado com a chamada Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) deve ser repassado integralmente à agência de mineração, para que o órgão execute suas funções. Não se trata, portanto, que possa ser contingenciado, apesar de o órgão estar fazendo exatamente isso.
Em seu ofício, o próprio diretor-geral da ANM afirma que, “apesar das restrições orçamentárias em que a ANM vem trabalhando, e da crise pela qual passa o Brasil não se verifica uma redução brusca das receitas da ANM, para o exercício de 2020”.
O documento faz referência a nada menos que R$ 4,485 bilhões previstos para serem arrecadados neste ano com o recolhimento dos royalties. “Estamos falando, portanto, de R$ 313 milhões que tinham de ser repassados diretamente aos cofres da agência, sem nenhum tipo de intermediário, mas que estão ficando nos cofres do Tesouro Nacional”, diz Waldir Salvador, consultor de relações institucionais e de desenvolvimento econômico da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig).
A previsão de arrecadação com a Cfem prevista para este ano, mesmo com toda crise mundial agravada pela pandemia da covid-19, é de R$ 4,640 bilhões. Grande parte desses royalties deve-se ao mercado de minério de ferro, que segue experimentando níveis recordes de exportação puxados pelo desempenho da Vale.
“É inexplicável uma situação como essa. Estamos falando de uma agência com apenas dois anos de atuação, que ainda precisa se estruturar, que tem recursos garantidos por lei, mas que está sendo inviabilizada em seu nascedouro”, diz Salvador.
Em 2019, mesmo com todos os impactos da tragédia de Brumadinho, foram arrecadados R$ 4,5 bilhões com a Cfem e, desse montante, deveriam ser repassados R$ 315,2 milhões para a ANM no exercício de 2020. No entanto, apenas R$ 67 milhões foram aplicados no órgão neste ano, ou seja, 1,5% do royalty de minério arrecadado, quatro vezes menos o valor mínimo. Questionado, o Ministério de Minas e Energia limitou-se a declarar que não vai se manifestar sobre o assunto. O Ministério da Economia não se posicionou até o fechamento deste texto.
O esvaziamento financeiro da agência vem acompanhado ainda das obrigações de fiscalização que o órgão deveria cumprir. Reportagem publicada este mês pelo Estadão mostrou que, passados um ano e oito meses da tragédia da mineradora Vale em Brumadinho, o projeto de lei aprovado pelo Congresso que agora segue para a sanção presidencial deixou de contemplar uma das principais mudanças que se esperava da nova Política Nacional de Segurança de Barragens: a exigência de que os planos de emergência apresentados pelas empresas fossem analisados previamente pelas agências reguladoras.
Depois de passar por comissões da Câmara e do Senado e de integrar uma série de propostas, o texto final foi aprovado na semana passada, mas com exclusão do item que exigia a aprovação prévia do Plano de Segurança da Barragem (PSB) pelo órgão fiscalizador. Na prática, portanto, as empresas continuarão a apresentar seus planos sem nenhum tipo de análise técnica ou aprovação pela Agência Nacional de Mineração (ANM), Agência Nacional de Águas (ANA) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Foi ainda excluída a obrigação de a empresa responsável pela estrutura contratar somente profissionais especializados em segurança de barragens incluídos em um cadastro específico para os planos de segurança.
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