O povo colombiano está assistindo perplexo à descoberta de cemitérios que revelam uma nova leva de “falsos positivos” – inocentes mortos a sangue frio pelo Exército -, em meio à multiplicação dos assassinatos de lideranças sociais e populares que colocam em xeque o desgoverno de Iván Duque.
Após a assinatura dos Acordos de Paz de 2016, avalia a oposição, este é o momento mais crítico e sangrento da política de terrorismo de Estado, que já ceifou mais de 500 vidas – dentre elas 200 ex-combatentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que se somaram ao jogo democrático por meio da Força Alternativa Revolucionária do Comum.
Com base em informações fornecidas por militares que participaram das execuções, a Jurisdição Especial para a Paz (JEP) exumou na semana passada 54 cadáveres no cemitério Las Mercedes, em Dabeiba (Antióquia). Entre os mortos foram encontradas mulheres e dois menores de idade.
De acordo com a JEP, “em dezembro de 2019 os peritos forenses recuperaram17 corpos relacionados aos ‘falsos positivos’ e, no segundo dia de inspeção e exumação, entre 17 e 21 de fevereiro, recuperaram 37 corpos do cemitério de Dabeiba”. Números dolorosos, apontou, “que teriam sido ilegitimamente apresentados como vítimas em combate por agentes do Estado”.
“Entre essas descobertas estão os corpos de uma família com roupas militares, duas crianças, várias mulheres, corpos com botas de borracha e com crânios com ferimentos de bala e a presença de projéteis. Após os protocolos, essas descobertas serão entregues ao Instituto Nacional de Medicina Legal”, informou o magistrado da JEP, Alejandro Ramelli.
RECRUTAMENTO E EXECUÇÃO
Por meio da prática dos “falsos positivos”, iniciada na década de 90, integrantes do Exército se utilizavam de promessas de emprego para recrutar agricultores e jovens pobres e, uma vez convencidos, os levavam para diferentes locais do país onde eram executados para serem posteriormente apresentados como “guerrilheiros mortos em combate”. Assim, melhorando o seu “desempenho operacional”, obtinham promoções e prêmios enquanto o Exército mentia descaradamente sobre o resultado de seus “avanços” no combate à guerrilha.
Depositados no cemitério Jardins do Ecce Home, em Valledupar, no Nordeste Colombiano, denunciam familiares, encontram-se centenas de corpos executados extrajudicialmente. Especificamente na fossa comum número 7, revelou a Promotoria ao Tribunal de Justiça da cidade, foram abandonados entre 450 e 500 corpos, depositados sem nenhum cuidado ou critério que permita sua identificação.
Na luta por uma despedida digna, a família de Orlando Villarreal Cortés quer a exumação. Orlando, estudante de contabilidade saiu de casa em Barranquilla em abril de 2004 para trabalhar em um sítio em Valledupar. Nunca mais voltou. Em 7 de setembro de 2007 sua família foi informada pelo jornal El Heraldo sobre “Os mortos que buscam seu luto”. “Fomos imediatamente a Valledupar e nos mostraram uma fotografia do levantamento do corpo. Supostamente o Exército lhe deu baixa como quem fazia extorsões para as frente 41 das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Nada mais falso”, relata Luz Villarreal, sua irmã. Na realidade, ao lado de Rubiel López González, Orlando caiu vítima das tropas do Exército em 21 de abril de 2004, na chamada Operação Azabache, no setor de San Antonio de Manaure, na Guajira.
Os relatos se multiplicam. Com 21 anos, no dia 10 de agosto de 2003, Édgar Beltrán Hurtado saiu de casa em Luruaco (Atlântico), onde vivia com seus pais, para Pueblo Bello (Cesar). Estava acompanhado de Albeiro Flórez Hernández, Donaldo Vizcaíno de los Reyes e José de los Santos Ariza Rodríguez para trabalhar. De Édgar e Albeiro nunca mais se teve notícias, até que pela publicação no Heraldo, de setembro de 2007, a família deste último foi até o cemitério de Valledupar e os reconheceu a ambos. As informações apontam que ambos foram assassinados no dia 15 de agosto, apenas cinco dias depois, “mortos em combate” pelas tropas do Batalhão La Popa.
Irmã de Carlos Alberto Aguirre, que tinha 21 anos quando foi executado no dia 30 de junho de 2004 pelas tropas do La Popa, Karen Castro Aguirre repudia o manto de silêncio com que o governo de Iván Duque tenta ocultar o terrorismo de Estado praticado com orientação estadunidense. “Querem que aceitemos uma entrega simbólica dos corpos porque, para esse governo, sai muito cara a realização de uma prova de DNA para cada cadáver. O fato é que não custou quando foi para ceifar a vida de um inocente como meu irmão, nem a de milhares de colombianos mais, não custou assassiná-los da forma como fizeram”, concluiu.