Uma das marcas mais presentes no governo de Jair Bolsonaro é a sua intolerância com o funcionamento autônomo e independente das instituições de Estado. Valendo-se de argumentos falaciosos, ataca essas instituições com o intuito de desmontá-las e livrar seu governo de quaisquer controle e participação social.
Por Wadson Ribeiro*
Essa concepção tem feito o governo adotar um discurso duro contra os conselhos e a órgãos governamentais que contradizem suas opiniões. Está em marcha um alijamento da sociedade civil dos espaços de decisão, participação e controle.

Com apenas uma canetada, o governo alterou a composição de alguns conselhos e baniu a participação e a presença da sociedade civil. No Conad (Conselho Nacional de Política sobre Drogas) excluiu os conselhos federais de Medicina, de Psicologia e de Serviço Social, além de tirar entidades como a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). No Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) reduziu o número de membros de 96 para 22 e aumentou de 29% para 41% a participação de membros do governo, reduzindo de 22 para 4 os assentos para representantes da sociedade civil. Nesse último caso, quanto menor a participação da sociedade civil, mais à vontade estarão os ruralistas para agir na ilegalidade.

Na Ancine (Agência Nacional do Cinema), o golpe foi ainda mais ousado. Além de defender a privatização da agência, Bolsonaro defendeu um “filtro” para a produção cinematográfica brasileira, condenou várias produções e disse que o cinema nacional deveria exaltar os heróis nacionais, numa clara demonstração de dirigismo indevido na livre produção cinematográfica. No outro dia, foi publicado que está sendo produzido um filme sobre a história do próprio Bolsonaro.

Outra medida de igual teor foi a transferência para a Casa Civil do Conselho Superior de Cinema, o que demonstra as intenções do governo em cercear o cinema brasileiro e fazer dele um instrumento de propaganda típico do que faziam os fascistas.

Outros conselhos que foram criados com força de lei e, portanto, não podem ser alterados por decreto, também foram ameaçados e o governo estuda mecanismos legais de interferir em suas dinâmicas e composições. A maioria das conferências nacionais não têm datas, nem previsão para ocorrer. Esses espaços mobilizaram milhões de brasileiros em edições passadas e democratizaram um conjunto de políticas públicas, sugerindo uma série de novas regulamentações e legislações que asseguram mais direitos e aperfeiçoaram a gestão pública.

No rol dos ataques do presidente Bolsonaro também viraram vítimas o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que teve seu orçamento cortado em quase R$ 900 milhões para o censo de 2020, o que provocou a eliminação de 25 questões de seu questionário e acarretou pedidos de demissão de vários servidores. No INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Bolsonaro acusou o diretor geral do instituto de “estar a serviço de alguma ONG” ao revelar os dados do desmatamento da Amazônia, declaração essa prontamente rebatida por toda a comunidade científica que atesta a excelência do órgão.

Como se percebe, Bolsonaro avança sobre os espaços destinados a participação da sociedade civil e aos poucos vai transformando os conselhos em meros espaços de homologação de suas políticas. Os órgãos de pesquisa e de estatísticas, que serviriam para ajudar a direcionar as políticas públicas e coibir abusos, serão cada vez mais eliminados. Tudo isso para romper qualquer fiscalização e barreiras à plena exploração dos seus interesses e do mercado.

* Presidente do PCdoB-MG, foi presidente da UNE, da UJS e secretário de Estado