O sargento da Aeronáutica da reserva e diretor de coordenação política da Federação Nacional dos Militares Graduados Inativos das Forças Armadas, Adão Farias, revelou que a tropa está revoltada e se sente traída por Bolsonaro no projeto de reforma da Previdência da categoria (PL 1645/19).

“Na campanha, prometeu que ia resolver a questão salarial, disse que o salário dos sargentos está muito baixo. A maioria dos suboficiais que sai das Forças Armadas e vai para a reserva sai num dia e no outro vai trabalhar de motorista de táxi ou de Uber. Bolsonaro prometeu melhorar isso”, disse, muito decepcionado, o militar, em entrevista para o blog de Chico Alves, no UOL.

“Bolsonaro se manteve 30 anos como deputado porque teve apoio dos graduados dentro dos quartéis, da sargentada, que representa 80% da tropa”, afirmou.

Na terça-feira (29), militares graduados da reserva e familiares foram à Câmara dos Deputados pressionar para tentar reverter as perdas que o projeto de reforma da Previdência criado pelo governo impôs a essa parte dos militares e não conseguiram.  Ver Mulheres ocupam sessão contra PL da Previdência militar: “Nunca mais votaremos em Bolsonaro”

As cenas de protesto e revolta com a situação foram comoventes, com muitos indo às lágrimas. Vídeos correram pelas redes sociais, mostrando o protesto.

“Trairagem, trairagem, trairagem. Nós fomos traídos”. “Nós graduados em final de carreira fomos traídos”. “Fomos traídos, mas isso não vai ficar assim”, gritava uma das manifestantes dentro da comissão que analisa o projeto.

“E eu, Bolsonaro, você me conhece. Nós sempre ombreamos juntos nessa Casa. Estamos decepcionados com o senhor”, falou Kelma Costa, presidente da Associação da Bancada Militar de Minas Gerais, em lágrimas e indignação.

Abandonados pela bancada bolsonarista e de apoio ao governo, manifestantes abraçaram deputados da oposição que apoiaram as reivindicações da categoria, como o deputado Paulo Ramos (PDT-RJ), Marcelo Freixo (Psol-RJ), Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e outros.

Os graduados tiveram reduzidos os valores de adicionais de disponibilidade (ganho pelo fato do militar ser obrigado a ficar completamente disponível para a força) e habilitação (recebido de acordo com os cursos feitos por cada um), além de outros benefícios. Para eles, o projeto só favorece a cúpula militar.

“O protesto está voltado para Bolsonaro porque esse projeto de reforma é de iniciativa exclusiva do presidente, foi ele que enviou à Câmara. É privativo dele tratar de salário e reestruturação da carreira militar. Então foi ele que enviou, está havendo protesto contra o presidente porque a responsabilidade é dele, podia ter melhorado o projeto e não melhorou”, declarou Adão.

O representante dos militares graduados da reserva contou como a categoria se sentiu trapaceada pelo governo e seus aliados.

“Todas as associações tentaram chegar ao presidente e não conseguiram. O vice-presidente [Hamilton Mourão] chegou a receber um grupo e depois passou para a assessoria. Tentamos negociar com o Ministério da Defesa, eles recusaram. Tentou-se negociar com o líder do partido do governo, Major Vitor Hugo, não tivemos sucesso. Fizemos esse esforço durante seis meses para que eles nos ouvissem para corrigir o projeto, mas ninguém nos recebeu”.

“Ouvimos várias vezes dentro do Congresso: “É para ser aprovado desse jeito, é assim que o Ministério da Defesa quer”. O próprio relator falou isso. Numa audiência pública na Câmara dos Deputados ele disse: “eu fui escolhido pelos comandantes militares para ser o relator desse projeto”. Isso causou perplexidade: quer dizer que os comandantes escolhem o relator de um projeto de lei que é de interesse deles?”, questionou.

“O partido do governo que dizia que resolveria a questão dos militares ficou contra melhorias no projeto”, relatou.

“Vi vários militares agradecendo o apoio ao Psol, vi inclusive entrevistas de militares dizendo que votam no Glauber e no Freixo e não votam mais nos deputados da base do governo e nem no Bolsonaro. Isso pra mim foi uma surpresa, porque esses militares sempre estiveram alinhados com Bolsonaro. O PSL era um partido insignificante e se tornou grande com o apoio dos militares. Não esperava isso. Na hora que o cara se sente traído, o sentimento é terrível”, afirmou Adão.

Ele disse que a indignação é geral. “Pelo fato de atuar com as associações, participo de pelo menos 20 grupos de WhatsApp e Telegram. Posso dizer que a indignação vai do Oiapoque ao Chuí”.

Questionado se Bolsonaro pode reverter essa situação, o líder militar respondeu: “Acho difícil que ele reverta isso. O capital político que ele tinha com os graduados se perdeu”.

Ele rebateu a alegação de que o custo para atender a reivindicação dos graduados da reserva é muito alto.

“Contratamos um matemático que desmente o impacto financeiro caso os graduados fossem beneficiados. Não seria de R$ 130 bilhões em dez anos, mas de R$ 10 bilhões. Inflaram o número para causar impacto”, contestou.