Europeus repelem fala de Pompeo sobre ‘volta de sanções da ONU ao Irã”
Em carta ao Conselho de Segurança da ONU, França, Grã-Bretanha e Alemanha repudiaram o anúncio do secretário de Estado, Mike Pompeo, de que a partir deste domingo (20), estariam “restabelecidas” todas as sanções da ONU contra o Irã e que quem não obedecesse ao ultimato de Washington seria sancionado também. Há um mês, o Conselho de Segurança da ONU havia, por ampla maioria (13 a 2), rechaçado a pretensão de Washington.
Os ministros das Relações Exteriores dos três principais países europeus ocidentais assinalaram que os EUA “não são mais signatários” do JCPOA – o nome oficial do acordo nuclear com o Irã – e, portanto, “não têm autoridade legal” para desencadear as sanções.
“Nesta carta, expressamos nossa opinião comum de que a suposta notificação nos termos do parágrafo 11 da UNSCR 2231 (2015) recebida dos Estados Unidos da América e distribuída aos Membros do Conselho de Segurança da ONU é incapaz de ter efeito legal e, portanto, não pode ser efetivado o procedimento previsto no parágrafo 11”.
“Decorre daí que qualquer decisão e ações que fossem tomadas com base neste procedimento ou em seu possível resultado também seriam incapazes de produzir qualquer efeito jurídico”, enfatizaram Paris, Londres e Berlim, conhecidos no âmbito do acordo nuclear com o Irã de 2015 como E3 (três europeus signatários).
O E3 destacou ainda que “trabalhou incansavelmente para preservar o acordo nuclear e continua comprometido em fazê-lo”. França, Grã Bretanha e Alemanha enfatizaram que permanecem comprometidas com a “implementação total” da resolução do Conselho de Segurança de 2015 que endossa o JCPOA.
Rússia e a China, igualmente signatários do acordo, também rechaçam a arrogante pretensão de Washington. “É muito doloroso ver como um grande país se humilha assim, se opõe em seu delírio obstinado a outros membros do Conselho de Segurança da ONU”, tuitou Dmitry Polyanskiy, embaixador da Rússia junto à ONU.
“Todos nós dissemos claramente em agosto que as alegações dos EUA de desencadear o snapback são ilegítimas. Washington é surdo?”, acrescentou. “Os Estados Unidos parecem ser persistentes em minar o direito internacional ao impor sua vontade egoísta aos outros”.
Há dois anos, Trump retirou o país do acordo com o Irã e desencadeou uma saraivada de sanções, voltadas para impedir a exportação de petróleo e matar de fome o povo iraniano, que segue resistindo.
No mês passado, Washington sofreu uma enorme derrota no Conselho de Segurança da ONU, que recusou pressão dos EUA para ilegalmente impedir que o fim da proibição ao Irã, de compra e venda de armamentos, entrasse em vigor no início de outubro.
Foi amplamente majoritária a avaliação de que, por ter se retirado unilateralmente há dois anos do acordo JCPOA, a parte norte-americana não tinha qualquer direito a opinar sobre dispositivos do mesmo.
Negociado durante anos pelos EUA e Irã, o JCPOA estabeleceu limites mais rígidos para o programa nuclear iraniano do que os mecanismos usuais da Não-Proliferação, sob controle da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em troca da normalização do intercâmbio comercial e fim das sanções.
Foi assinado também pela Rússia, China, Grã Bretanha, França e Alemanha, e consagrado pelo Conselho de Segurança da ONU. Conforme a AIEA, o Irã vinha cumprindo fielmente o acordo, até a ruptura de Trump.
Em Teerã, o presidente Hassan Rouhani afirmou que os EUA “enfrentam a derrota” quando sua tentativa de reimpor as sanções da ONU ao Irã encontrou oposição internacional.
“A América enfrentou a derrota em seu movimento pelas sanções e a resposta negativa da comunidade internacional. Nunca cederemos à pressão dos EUA e o Irã dará uma resposta esmagadora à intimidação dos EUA ”, disse o líder iraniano no domingo.
Ele acrescentou que o fato de os parceiros europeus de Washington terem reagido negativamente ao movimento unilateral mostra que “a pressão americana nas áreas política e jurídica falhou”, acrescentou.
No sábado, o chanceler iraniano Mohammad Javad Zarif havia convocado a comunidade internacional a deter “o bullying da América”. “Os norte-americanos, via de regra, agem como agressores e impõem sanções. A comunidade mundial deve decidir como agir em relação ao bullying”.
O Irã disse repetidamente que não renegociará o acordo existente ou fará um novo com os EUA enquanto as sanções permanecerem em vigor.
No domingo anterior, o candidato democrata a presidente, Joe Biden, afirmou em artigo de opinião para o portal CNN que levará os EUA de volta ao Acordo de 2015 – assinado então por Barack Obama, de quem era vice – se o Irã retornar ao “cumprimento estrito” do acordo nuclear, conhecido como Plano de Ação Global Conjunto (JCPOA, na sigla em inglês).
O acordo era considerado como a principal vitória diplomática de Obama no segundo mandato, negociado durante anos, e comemorado pelo então secretário de Estado John Kerry, mas foi rasgado por Trump, sob a alegação de que era “péssimo”.
“Oferecerei a Teerã um caminho confiável de volta à diplomacia. Se o Irã retornar ao cumprimento estrito do acordo nuclear, os Estados Unidos voltariam a aderir ao acordo como ponto de partida para negociações subsequentes. Com nossos aliados, trabalharemos para fortalecer e estender as disposições do acordo nuclear, ao mesmo tempo em que abordaremos outras questões preocupantes”, escreveu Biden.
Biden registrou que a retirada unilateral tivera como consequência o retrocesso no que havia sido conseguido de controle do programa nuclear iraniano e colocado tropas dos EUA no vizinho Iraque em situação de insegurança, tudo ao contrário do que Trump prometera ao rasgar o tratado negociado durante anos e assinado por Obama, que o presidente bilionário de agora classifica como “péssimo”.
Biden também se comprometeu a, no primeiro dia de mandato, revogar a vergonhosa proibição de viagens de Trump que afeta uma série de países de maioria muçulmana. Ele também anunciou que iria tornar sem efeito sanções que prejudiquem o combate do Irã à pandemia de coronavírus – o que Trump tem feito, criminosamente.
Em agosto, Dos 15 membros do Conselho de Segurança da ONU, cinco permanentes e 10 por rotação, Washington só obteve o voto da República Dominicana para sua intenção de pressionar Teerã com mais sanções. Mesmo placar contra a pretensão do regime Trump de acionar uma cláusula de restauração de sanções (‘snapback’): por ter se retirado unilateralmente do acordo nuclear, não tinha qualquer direito a opinar sobre o cumprimento dele, demarcaram os 13.
O que levou o presidente em exercício do Conselho de Segurança a se recusar a colocar em apreciação a proposta norte-americana de “snapback”, após oposição expressa em carta por 13 dos 15 membros.
Para evitar que os EUA usem seu poder de veto, a tática adotada pela comunidade internacional tem sido de não deixar, no caso da ‘snapback’, voltar. Posição à qual aderiu o secretário-geral Antonio Guterres, dizendo em resposta, que não pode implementar, por haver “incerteza” sobre o caso.
Em nota dirigida ao Conselho de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica, que se reuniu na semana passada, França, Grã Bretanha e Alemanha saudaram as “declarações encorajadoras” de Teerã sobre o fortalecimento de sua cooperação com a AIEA.
Na quinta-feira, o representante permanente do Irã para organizações internacionais baseadas em Viena, Kazem Gharibabadi, disse que o Irã tem o programa nuclear mais transparente entre os países membros da AIEA, como comprovado por meio de inúmeras inspeções das instalações nucleares do país pela agência da ONU.
“O fato de que 22% de todas as inspeções globais feitas pela AIEA foram realizadas no Irã prova que o Irã desfruta do programa nuclear pacífico mais transparente entre os Estados membros da agência”, acrescentou Gharibabadi, em um discurso ao Conselho de Governadores da AIEA.