WASHINGTON, DC - FEBRUARY 04: The U.S. Capitol is seen on February 4, 2020 in Washington, DC. U.S. President Donald Trump is expected to deliver his State of the Union Address to a joint session of the U.S. Congress tonight. (Photo by Alex Edelman/Getty Images)

Com o pacote de socorro às famílias e empresas que manteve os EUA à tona praticamente encerrado, e a pandemia ressurgida em grande parte do país – quase 1.500 mortos na quarta-feira, pela primeira vez desde maio -, o Senado dos EUA entrou em recesso na quinta-feira (13), sem que fosse rompido o impasse na aprovação de novo pacote, apesar de dezenas de milhões de norte-americanos desempregados e outros milhões sob ameaça de despejo desde o dia 31 de julho.

O Senado, controlado pelos republicanos, barrou o caminho ao pacote aprovado na Câmara, de US$ 3 trilhões, e Trump vem se mantendo intransigente em que o novo socorro não deve ultrapassar US$ 1 trilhão, o valor aprovado pelo Senado.

Uma intransigência mantida, mesmo que para isso seja preciso deixar os desempregados sem o adicional semanal de seguro-desemprego de US$ 600, as famílias sem nova edição do cheque de US$ 1.200, as pequenas e médias empresas à míngua na hora da onça beber água, depois de 10,6% de retração no primeiro semestre.

Também, nada de reabastecer os cofres dos estados e dos municípios, sangrados por terem suportado o grosso do combate ao coronavírus, numa situação de queda brutal de receita e omissão do governo federal.

E ainda: nada para as escolas, como se reabrir, com segurança, não tivesse um custo em medidas sanitárias, de distanciamento e para ter turmas menores.

Embora inicialmente os republicanos houvessem admitido um novo cheque de ajuda às famílias, crucial no período anterior, nada também por aí.

No país mais atingido pela pandemia no mundo inteiro, com 5,4 milhões de contágios e 170 mil mortos, para a testagem da Covid-19 – sem o que não há como controlar o coronavírus -, os republicanos querem quase cinco vezes menos que os US $ 75 bilhões propostos pelos democratas.

Os democratas têm proposto que os dois lados “se encontrem no meio do caminho”, num pacote de US$ 2 trilhões.

Mas Trump segue se recusando, enquanto cinicamente, e no esforço de reverter os números desfavoráveis nas pesquisas de intenção de voto, acusa os democratas de fazerem os desempregados de “reféns”.

Quanto ao adicional de seguro-desemprego, a proposta inicial republicana foi de cortá-lo de US$ 600 para US$ 200.

Senadores republicanos dizem abertamente que o “excesso de generosidade” no adicional de seguro-desemprego aprovado em maio acostumou mal os trabalhadores, que “não querem trabalhar”, e que sua manutenção prejudicaria a “reabertura da economia” e, assim, por extensão, a reeleição de Trump.

Outra “linha vermelha” dos republicanos é a aprovação de uma lei isentando as empresas de qualquer responsabilidade caso os empregados contraiam a Covid-19 no trabalho.

Aliás, na volta às aulas de Trump, algo semelhante vem sendo feito nas escolas, onde os alunos ou seus responsáveis têm que preencher um formulário assumindo a responsabilidade caso adoeçam do coronavírus pelo retorno à escola.

Uma dezena de reuniões entre o secretário do Tesouro, Steve Mnuchin, e o chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows, com a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e o líder da minoria no senaado, Chuck Schummer, não conseguiram desfazer esse nó, a 90 dias da eleição de novembro.

Desde o início de agosto, os desempregados já não recebem o adicional de US$ 600 semanal, e milhões ficaram em uma situação difícil. Também acabou a moratória de despejos e de execução de hipotecas financiadas federalmente.

Na semana passada, Trump apelou para uma “enganação” – como classificou Pelosi -, para reduzir pela metade o adicional de seguro-desemprego, sem passar pelo Congresso, e ainda tentando deixar mal a oposição.

Assinou uma inconstitucional ordem executiva, reduzindo o adicional do seguro-desemprego para US$ 300, e anunciando um valor de US$ 100, a ser complementado à revelia pelos Estados, para totalizar ‘US$ 400’.

Também assinou outra ordem executiva adiando a cobrança dos descontos da Previdência de empregados entre setembro e dezembro, para quem recebe até US$ 100.000, mas que terá de ser pago depois.

Sobre os despejos, mais enrolação, possibilitando que os “fundos disponíveis” sejam colocados à disposição dos inquilinos e proprietários em dificuldades, mas sem dizer a fonte, nem prazos ou montantes.

Como a Casa Branca não pode criar despesas sem a aprovação do Congresso, o que ele está fazendo é raspar o fundo do tacho de uma verba emergencial já existente e que já se sabe só dura até o final de agosto. Enquanto o exército de desempregados provocado por sua incúria e obscurantismo diante da pandemia fica na dramática expectativa da volta do Senado, no dia 8 de setembro.

Como todos se lembram, a aprovação do pacote de maio não precisou dessa guerra toda – é que naquele momento, estava derretendo o mercado de títulos do Tesouro norte-americano -, ficando em US$ 20 trilhões, quando estava tudo congelado e Wall Street havia ido ao chão.

A ajuda ao povo e às pequenas e médias empresas foi o lado B do segundo bailout em 12 anos, com Federal Reserve em quatro meses aumentando em mais US$ 3 trilhões, para US$ 7 trilhões, a superemissão de dólares furados.

Também na quinta-feira Pelosi disse a repórteres que as negociações com a Casa Branca e os republicanos serão retomadas quando eles estiverem dispostos a chegar pelo menos aos US$ 2 trilhões.

Na véspera, por telefone, ela reiterou essa oferta ao secretário do Tesouro Mnuchin, que voltou a recusar.

O líder republicano no Senado, Mitch McConnell, disse que “isso não é negociação, isso é jogar espaguete na parede para ver se gruda”.

“Não estamos sentados à mesa para validar o que [eles] propuseram, porque isso não atende às necessidades do povo americano”, afirmou a presidente da Câmara. Ela assinalou algumas das principais diferenças entre as propostas das partes.

Para fazer frente aos norte-americanos em situação de insegurança alimentar – crianças, idosos, mulheres – os democratas propõem US $ 60 bilhões, para cupões-alimentação e outros programas contra a fome.

A ‘oferta’ republicana é de míseros US $ 250.000.

Quando se trata de ajudar os locatários, a lacuna é ainda maior: os democrata propõem US$ 100 bilhões. Republicanos: zero. (Aliás, Mnuchin fez fama nos idos de 2008 como o rei dos despejos).

“Estamos a quilômetros de distância em nossos valores”, ressaltou Pelosi. Uma das exigências centrais da oposição democrata é a concessão de centenas de bilhões de dólares para que os governos estaduais e locais possam sustentar seu papel social diante da pandemia e devastação econômica.

Há ainda a questão de até quando se arrastará o impasse. O limite, para o governo Trump, é outubro, quando o teto de gastos irá se esgotar, forçando algum acordo para evitar o fechamento federal. O que levou Pelosi a reiterar seu temor de que as negociações se prolonguem até o final do próximo mês, com a previsível consequência de que “pessoas vão morrer”.

A “proposta” republicana foi resumida pelo senador democrata Tim Kaine: “Ajuda alimentar para crianças e famílias famintas? Nada. Assistência ao aluguel? Nada. Assistência à hipoteca? Nada. Ajuda aos Estados e localidades onde os americanos vivem e trabalham? Nada. Financiamento para garantir a integridade das próximas eleições? Nada.”

Correios

É aí que entra os Correios. Os democratas querem a destinação de US $ 25 bilhões para investir nos Correios antes de novembro, de forma que o serviço dê conta e que se garante a integridade das próximas eleições, quando se espera que o envio de cédulas pelo correio inunde o sistema, em razão do risco de coronavírus.

Trump vem promovendo uma cruzada contra o voto pelo correio, que é legal e tradicional nos EUA, supostamente porque propiciaria ‘fraudes’, mas na verdade, porque sua estratégia de vitória nos Estados campo de batalha no colégio eleitoral supõe que menos gente vote – para facilitar a vida de Trump, cuja vitória em vários estados em 2016 foi por uma margem muito estreita de votos.

Os jornais denunciam que o doador de sua campanha, que foi posto na direção dos Correios por Trump, só faz sabotar a empresa, para dificultar e se possível inviabilizar a votação remota – para não dizer dar pretextos a Trump para questionar o resultado, caso desfavorável.

Como notou Pelosi, Trump tenta, preventivamente, deslegitimar os resultados de uma eleição que ele acha que pode perder. “Ele sabe que, na legitimidade, seria difícil para ele ganhar”, disse ela. “Então ele quer colocar obstáculos à participação”.

Enquanto os Correios precisam ser escanteados, os robôs das fake news e o manual da Cambridge Analytical estão operando a toda. Nas próximas duas semanas, o grande assunto será as convenções de oficialização das candidaturas à presidência, em que a novidade é a dobradinha Biden-Harris.

Em outros fronts, Trump continua apostando na xenofobia e no racismo e ameaçou os norte-americanos, caso elejam Biden, de terem de “aprender chinês”.