Linden Cameron no hospital. 22% dos mortos pela polícia há 5 anos tinham problemas mentais | Foto: Reprodução-gofundme

Continua hospitalizado em Salt Lake, estado de Utah, o menino Linden Cameron, de 13 anos, autista, que foi baleado várias vezes por policiais na sexta-feira anterior, que haviam sido chamados pela família para ajudar a lidar com o surto.

Ele teve ferimentos nos ombros, no tornozelo, nos intestinos e na bexiga, segundo a mãe. Trata-se de um menino branco. Episódio que, por si só, é um desmentido da tese de Trump que o problema nos EUA é “a falta de lei e de ordem” e os que protestam, não a violência e o despreparo da polícia.

“Ele é uma criança pequena, por que simplesmente não o derrubaram?”, questionou a mãe em prantos, lembrando que implorou aos policiais.

Há poucos dias, tornou-se público o assassinato por asfixia de Daniel Prude, um homem negro que sofria de problemas mentais, por policiais que deveriam tê-lo socorrido como pedira o irmão, crime ocorrido em março mas que só agora teve o vídeo exposto.

Segundo o Washington Post, 22% dos mortos pela polícia em operações desde 2015 tinham problemas mentais.

A mãe do menino, Golda Barton, relatou que chamou uma equipe especializada em crises da polícia porque precisava de ajuda para transportá-lo até o hospital.

À emissora KUTV, a senhora Barton disse que “ele só fica alterado e começa a gritar. É uma criança e tenta chamar a atenção, e não sabe como regular isso”.

A mãe disse ao Deseret News que a sexta-feira tinha sido o primeiro dia em que ela conseguia voltar a trabalhar em muito tempo. Mas sua ausência tinha provocado muita ansiedade no menino, com reações como “se enrolar como uma bola e chorar”.

Para piorar, ela tinha perdido ligações que ele lhe fizera, porque o celular estava carregando. Nessas situações, ela explicou, Linden grita e às vezes bate a cabeça na parede.

Em situações anteriores, ela acionara uma equipe especializada do condado, mas que, depois de gastar milhares de dólares no mês anterior, dessa vez não tinha como pagar. É que nos EUA, o uso das ambulâncias é pago!

“E eu fiquei tipo,‘ Quer saber? Precisamos de tratamento, precisamos de ajuda, então vamos ligar para essas pessoas, eles disseram que iriam nos ajudar”, disse a senhora Barton. “Então nós chamamos esse oficial especializado, eles disseram que viriam nos ajudar. Eu disse: ‘Você pode levar meu filho para o Hospital Infantil Primário?’”, ela acrescentou.

A mãe disse ainda ter “explicado em detalhes” aos atendentes que seu filho estava perturbado, tendo um episódio mental e que ela só precisava que ele fosse levado ao hospital.

Quando os policiais chegaram, abordaram o menino, mandando-o deitar no chão e ele saiu correndo. “Eles o assustaram, ele correu e pulou a cerca”, disse a mãe.

A senhora Barton disse que a polícia deveria ter deixado seu filho ir. Em vez disso, eles correram atrás dele. “Por que persegui-lo?”, ela perguntou. “Deixe-o correr e se acalmar.”

Conforme o portal Slate, o porta-voz da polícia de Salt Lake, sargento Keith Horrocks, “pareceu culpar a criança pelo tiroteio” que quase a mata. A descrição, na conferência de imprensa após o incidente, é tenebrosa.

Horrock afirmou que a polícia estava respondendo a uma chamada referente a “uma questão psíquica violenta, envolvendo um indivíduo juvenil do sexo masculino que fez ameaças”.

Ele disse não ter como esclarecer quem fez a chamada ou quem foi ameaçado mas asseverou que a ameaça foi feita “com uma arma”.

Como se vê, um relato absolutamente delirante. Continuou o porta-voz policial: “dada as ameaças da arma, [os policiais] chegaram na área e fizeram contato com este indivíduo masculino”.

E concluiu: “o indivíduo masculino fugiu a pé do endereço, e durante uma curta perseguição a pé, um policial descarregou sua arma, atingido o alvo”.

Um escárnio – além de ser uma confissão de que um policial “descarregou sua arma” contra um menino de 13 anos autista. Segundo o jornal “Salt Lake Tribune”, nenhuma arma foi encontrada com Linden.

A versão oficial da polícia de que Linden estaria “armado” e “fazendo ameaças” é veementemente contestada pela mãe e pelo irmão de 17 anos, Wesley.

“Não, não mesmo. Ele estava assustado. Ele estava correndo”, disse ela.

Antes que o caldo entorne, a prefeita Erin Mendenhall se apressou a chamar o caso de “tragédia”, ao mesmo tempo em que pedia uma investigação conduzida “de forma rápida e transparente”. Os protestos contra o assassinato do negro George Floyd também se estenderam a Salt Lake City, exigindo especialmente o fim da violência policial.

Por sua vez, a senadora de Utah, Luz Escamilla, e as deputadas Ângela Romero e Sandra Hollins se solidarizam com a família e apontaram que “quando as pessoas chamam a polícia, esperamos julgamento profissional e compassivo, especialmente quando uma criança com deficiência cognitiva está envolvida”.

Os congressistas alertaram, ainda, que “o uso da força em situações tensas em que uma abordagem não letal de redução da escalada seria mais eficaz causa danos significativos à relação entre as autoridades policiais e as pessoas a quem servem”. “Incidentes trágicos como este não apenas mudam a vida da família envolvida, mas também impactam a comunidade que deseja confiar na polícia para sua segurança”.

“A polícia foi chamada porque a ajuda era necessária, mas em vez disso, mais danos foram causados quando os policiais esperavam que um adolescente de 13 anos, passando por um episódio de saúde mental, agisse mais calmo e controlado do que policiais adultos treinados”, denunciou o grupo Neurodiverse Utah, uma organização que promove a aceitação do autismo, em sua página do Facebook.

Em outra postagem, o grupo alertou que “ligar para o 911/polícia” em casos de que um ente querido esteja tendo uma crise de saúde mental está sendo “um risco muito grande”.

“É um milagre que esteja vivo”, disse a mãe, que acrescentou que Linden já está fazendo cara de bravo no hospital e se achando o próprio “Superman” por ter sobrevivido. Ela chegara a pensar que o menino estava morto.

Para o irmão Wesley, é difícil compreender “que seu irmãozinho de 13 anos foi baleado por policiais que você realmente achava que estavam lá para protegê-lo. No final de tudo, ele só tem 13 anos e não há justificativa para isso.”

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