No Senado, 51 a 50; na Câmara dos Deputados, 219 a 209 

Após uma maratona de 15 horas, o Senado dos EUA aprovou pouco antes do nascer do sol de sexta-feira (5) resolução orçamentária com o plano emergencial de US$ 1,9 trilhão do governo Biden, sem um voto sequer republicano a favor, e com a vice-presidente, Kamala Harris, que preside o Senado no sistema norte-americano, dando o voto da vitória, por 51 a 50.

À tarde, em uma primeira votação, a resolução emendada no Senado foi aprovada na Câmara dos Deputados, por 219 a 209.

O que abre o caminho para a chamada “reconciliação” entre as duas casas do Congresso e finalização do pacote emergencial. A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, disse esperar estar com o projeto pronto em “duas semanas”, bem antes do prazo limite de 15 de março, quando acaba a ajuda já em vigor.

O plano Biden está centrado no envio de um cheque emergencial de US$ 1.400, extensão do auxílio-desemprego até setembro, destinação de recursos para a vacinação e para as escolas reabrirem, assim como socorro aos estados e prefeituras, duramente afetados pela queda da arrecadação em meio à pandemia.

A urgência da ajuda emergencial acabou por ser sublinhada por dois fatos: o anúncio do péssimo resultado da criação de empregos em janeiro (apenas 49.000) e o pior saldo de mortes pela Covid-19 em 24 horas, 5 mil, ainda mais com o total de norte-americanos mortos pela pandemia alcançando estarrecedores 455.000 na quinta-feira.

O que se soma ao recente estudo, que registrou que no momento nos EUA “1 em cada 7 famílias americanas não tem comida suficiente para comer”, como ressaltou a secretária de imprensa da Casa Branca, sobre a convocação de Biden a que se garanta que “as pessoas recebam o alívio de que precisam e não sejam deixadas para trás”. O risco “não é ir muito grande [na ajuda emergencial], é ir muito pequeno”, reiterou.

“Hoje, com a passagem desta resolução orçamentária para prover alívio às nossas famílias trabalhadoras, nós temos a oportunidade de não apenas fazer face à pandemia e ao colapso econômico, temos a oportunidade de dar esperança ao povo americano e restaurar a fé em nosso governo”, afirmou o senador Bernie Sanders, que é o novo presidente do Comitê de Orçamento do Senado.

O líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, saudou a aprovação da resolução orçamentária, dizendo que “não podemos sublinhar o suficiente a quantidade de ajuda que a América precisa durante esta crise terrível e não podemos perder o ponto que ainda temos um longo caminho a percorrer”, afirmou Schumer.

“Continuaremos trabalhando o máximo que pudermos para aprovar essa legislação na Câmara, no Senado, à medida que passarmos pelo processo de reconciliação e, com sorte, colocá-la na mesa do presidente”, acrescentou.

A presidente da Câmara Pelosi afirmou que com essa resolução orçamentária, “demos um passo gigante para salvar vidas e meios de subsistência”.

“Nosso trabalho para esmagar o coronavírus e propiciar alívio ao povo americano é urgente e da mais alta prioridade”, enfatizou.

Após encontro com líderes democratas na sexta-feira, o presidente Biden disse que gostaria de estar fazendo o plano emergencial com o “apoio dos republicanos”, mas acrescentou que estes não estão “dispostos a ir tão longe como eu penso que temos de ir”.

“Se eu tiver de escolher entre proporcionar ajuda agora aos americanos que estão sofrendo tanto ou ficar atolado em uma demorada negociação ou comprometer uma lei que dê conta da crise, a escolha será fácil”, afirmou Biden. “Vou ajudar o povo americano que está sofrendo agora”.

O grupo de dez senadores republicanos ditos “abertos ao diálogo com o governo Biden”, com quem ele se reuniu, queriam que o pacote fosse cortado em dois terços e ainda alegaram que “superestimava” as necessidades dos “estados” e das “escolas”.

A bancada republicana, que votou contra em bloco, desperdiçou horas com proposições – em torno de 400 emendas – que, como um senador democrata descreveu, mais pareciam pegadinhas, para uso posterior em anúncios de campanha.

Ou, pior ainda, como notou o senador Sanders – por levarem à exacerbação da “xenofobia e da desigualdade” em meio a uma recessão devastadora já descrita como a mais desigual da história moderna dos Estados Unidos .

“Meus colegas republicanos”, disse Sanders, “entraram com emendas para tornar permanentes as isenções fiscais do [ex] presidente Trump para as pessoas mais ricas de nosso país e as corporações mais lucrativas, o que proporcionaria um grande ganho inesperado para o 1% do topo e a classe dos bilionários, que já viram sua riqueza aumentar em mais de US $ 1 trilhão durante esta pandemia.”

“Na minha opinião,” acrescentou Sanders, “não é exatamente o tipo de política de que precisamos agora.”

Também não faltaram penduricalhos como a inclusão da manutenção da embaixada norte-americana em Jerusalém – o que deve estar deixando sem dormir as famílias que estão na fila para pegar comida grátis ou à beira do despejo.

Além de conclamações para restaurar um oleoduto poluidor já proibido por Biden, proibição a que imigrantes sem documentos recebam ajuda emergencial, apoio ao muro de Trump e até uma declaração a favor do “dólar dos Estados Unidos como a principal moeda do mundo”.

Apesar das emendas, o processo deixou os contornos do plano de Biden praticamente intactos enquanto os democratas avançavam. Foi o modo de driblar a possibilidade de aplicação do mecanismo de ‘filibuster’ (obstrução), que implicaria que seriam necessários 60 votos – os democratas só têm 50 – para que o Senado apreciasse o plano emergencial.

Pelo sistema de ‘reconciliação’ entre as casas do Congresso, só é preciso maioria simples. Dois senadores da ala mais atrasada dos democratas andaram batendo pé contra, por exemplo, o aumento do salário mínimo para US$ 15 a hora, neste momento. No plano Biden, o aumento será “gradual”, com o governo federal passando a dar o exemplo e exigindo isso de seus prestadores de serviços.

No Senado, bastaria um único senador democrata votar “não’, para o pacote emergencial desandar.

O que explica algumas concessões. Por proposta dos republicanos, enquanto durar a pandemia, não entrará em vigor, pelo menos esse é o texto do Senado, o aumento do salário mínimo, questão à qual Sanders não se opôs.

Posteriormente, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, disse que os democratas não irão abrir mão de aprovar o aumento gradual do salário mínimo e que não vai faltar oportunidade, mas que a hora é de “fechar o pacote emergencial” .

Foi consensual entre democratas e republicanos que não haja aumento de impostos para as pequenas empresas durante a pandemia.

A principal concessão do governo Biden à bancada dos “republicanos moderados” foi a aceitação de um limite de elegibilidade mais baixo para o cheque emergencial de US$ 1.400, para uma renda anual de US$ 50.000 para um indivíduo e US$ 100.000 para um casal, ao invés de US$ 75.000. Abriu-se a discussão para uma nova modalidade de ajuda emergencial por filho, no valor máximo de US$ 1.250 por família.

O líder da minoria no Senado, Mitch Michell, buscou acusar os democratas de quererem aprovar “financiamento federal generoso” a ser derramado “nos distritos escolares onde os sindicatos se recusam a permitir a abertura de escolas.”

Uma forma particularmente nojenta de se referir ao problema de milhões de crianças sem aulas presenciais em um quadro ainda de descontrole da pandemia, que essencialmente é uma decorrência do negacionismo e incompetência de Trump.

A senadora democrata Patty Murray, que preside o comitê de Educação, repudiou o “show político” de McConnell, retrucando: “se retivermos fundos e as escolas não puderem implementar protocolos de segurança da saúde, estaremos agindo contra o fato de realmente trazer os alunos de volta à sala de aula”, ressaltou.