Governadores nos EUA continuam tentando sanar a inércia e incúria do presidente Trump diante da pandemia da Covid-19, e Illinois e a Flórida se somaram à Califórnia e Nova Iorque decretando a ordem de “permanecer em casa”, exceto para comprar alimentos ou remédios, ou para exercer função essencial.

Já são 75 milhões de pessoas sob ‘distanciamento social’ – ou 1 em cada 5 norte-americanos. A ordem de “permanecer em casa” já atinge boa parte das maiores cidades dos EUA: Nova Iorque, Los Angeles, Chicago, Miami e San Francisco.

“Não, isso não é a vida como sempre”, disse o governador de Nova York, Andrew Cuomo, quando o número de mortos nos EUA superou os 200, com pelo menos 35 em seu estado. “Aceite e perceba e lide com isso”, reiterou, diante da necessidade de evitar que o sistema hospitalar entre em colapso, como vem sendo visto em países da Europa onde a pandemia está no auge.

A medida foi tomada quando o New York Times registra que “um ‘dilúvio’ de casos começa a atingir os hospitais de Nova Iorque”. Já faltam aparelhos de ventilação nas UTIs e até máscaras começam a ser reutilizadas.

“Estamos prestes a entrar em uma nova maneira de viver aqui em Los Angeles”, disse o prefeito Eric Garcetti enquanto a Califórnia entrava em confinamento. “O que fazemos e como fazemos, e se acertarmos, determinará quanto tempo durará essa crise”, salientou.

Em Illinois, cuja maior cidade é Chicago e tem 12,5 milhões de habitantes, a medida de contenção do coronavírus entrará em vigor para todas as empresas “não essenciais”, sendo que bares, restaurantes e academias já estão fechados e foram proibidas reuniões de 50 ou mais pessoas. As aulas já estão suspensas desde o dia 13.

A decretação da quarentena foi anunciada pelo governador democrata, J.B. Pritzker na sexta-feira, quando já são 25 os condados atingidos, com cinco mortos e 585 casos de contágio, sendo 163 nas últimas 24 horas. A verdadeira taxa de contágio está altamente subestimada devido à falta de testes. A volta às aulas, antes prevista para o dia 29, foi prorrogada para 8 de abril, embora seja improvável que seja mantida.

Illinois vem sendo afetada por demissões em massa em restaurantes e hotéis, e o Departamento do Trabalho registrou, entre segunda-feira e quarta-feira, que o total de pedidos de seguro-desemprego foi multiplicado por dez em relação ao mesmo período do ano passado, para 64 mil.

Na Flórida, o governador republicano Ron DeSantis determinou o fechamento, por pelo menos 30 dias, de todas as empresas e serviços não essenciais no condado de Miami-Dade, no sul do estado. Mais de 200 novos casos foram registrados na Flórida entre quinta e sexta-feira, e o número de mortos subiu para 10.

A maioria dos casos está atualmente no sul da Flórida: 124 no Condado de Broward, 113 no Condado de Miami-Dade e 34 em Palm Beach. Na região central do estado, as contagens mais altas são 30 no Condado de Hillsborough, onde Tampa está localizada; e 22 em Orange County, onde fica Orlando.

Mais da metade dos condados do estado têm pelo menos um caso confirmado. Até sexta-feira, a Flórida só tinha aplicado 3.416 testes do coronavírus.

DeSantis também determinou que todas as escolas de ensino fundamental e médio permaneçam fechadas até 15 de abril, e todas as provas foram canceladas. Os cursos universitários prosseguirão, com aulas à distância. Todas as reuniões de 10 ou mais pessoas foram vetadas, os bares estão fechados e os restaurantes só podem usar metade da capacidade. Todas as praias e locais de concerto foram fechados.

Com o lazer e hospitalidade representando um em cada sete empregos na Flórida, o estado já sente o baque do fechamento de hotéis e bares. A central de atendimento ao desemprego do estado recebeu mais de 76 mil ligações entre segunda e quarta-feira, contra 28 mil na semana anterior, quando já houver um aumento de 17% no número de pedidos de seguro-desemprego.

Em artigo no New York Times,  a médica Cornelia Griggs expôs a dramática situação vivida pelo sistema hospitalar da principal cidade dos EUA e centro financeiro mundial. “O céu está caindo. Não tenho medo de dizer isso. … Estamos vivendo uma crise global de saúde pública que se move em uma velocidade e escala nunca testemunhadas pelas gerações vivas. As rachaduras em nossos sistemas médico e financeiro estão sendo abertas como uma ferida cortante. Não importa como isso aconteça, a vida sempre parecerá um pouco diferente para todos nós.” Na quinta-feira, o número de casos de Nova Iorque aumentou em 3.615 – principalmente porque haviam começado a testar em maior número, e a cidade é indubitavelmente o epicentro da pandemia de Covid-19 nos EUA.

Segundo Cuomo, provavelmente existem “dezenas de milhares” de casos desconhecidos, que incluiriam pessoas com sintomas leves ou inexistentes que ainda estão se espalhando a doença, bem como pessoas com sintomas graves que ainda não foram testados.

Na estimativa do governador, o estado atingirá o pico de casos em 45 dias, quando os pacientes precisarão de 110.000 leitos hospitalares e 37.000 leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) com aparelhos de ventilação. O que ameaça com a repetição da tragédia em curso na Itália.

Enquanto é essa a catástrofe que paira sobre os EUA – com a estimativa mais pessimista de até 2 milhões de mortos –, tornou-se um escândalo nacional a revelação de que o chefe da Comissão de Inteligência do Senado, o republicano Richard Burr, soube pela CIA que a epidemia de coronavírus “seria muito pior” do que se dizia, não tornou nada público, mas aproveitou a informação privilegiada para vender ações na Bolsa, antes da queda, embolsando uma bolada. Não foi o único – nem o último – a lucrar com a pandemia.

Três semanas atrás, quando Trump garantia que tudo “estava sobre controle” com a Covid-19, Burr disse em um almoço de negócios no Capitol Hill Club que “há uma coisa que posso lhe dizer sobre isso – é muito mais agressivo em sua transmissão do que qualquer coisa que vimos na história recente. Provavelmente é mais parecido com a pandemia de 1918”. Uma gravação da reunião vazou para a NPR (a rádio pública dos EUA), que a tornou pública.