Seis estados foram à Justiça contra o desmonte de Trump para dificultar o voto via Correios | Foto: Paul Ratje (AFP)

A guerra dos norte-americanos contra a sabotagem de Donald Trump ao voto pelo correio – modalidade de voto já tradicional nos EUA e cujo peso deve aumentar devido à pandemia -, não dá mostras de amainar. Foi impulsionada pelas declarações da Casa Branca sobre “fraude generalizada” e pelas medidas do chefe do serviço postal, nomeado por Trump e doador de sua campanha, Louis DeJoy, que já eliminou milhares de caixas de correio das ruas e encostou quase 700 máquinas usadas na triagem do tipo de envelope que porta as cédulas de votação.

Na sexta-feira, seis Estados norte-americanos, Pensilvânia, Califórnia, Delaware, Maine, Massachusetts e Carolina do Norte, mais a capital, Washington, foram aos tribunais contra as mudanças impostas por DeJoy, que têm resultado em repetidos atrasos nos correios e ameaçam a capacidade dos Estados de conduzir as eleições.

Na semana anterior, DeJoy andara informando aos Estados que não poderia garantir que o envio e devolução dos votos fosse ocorrer a tempo.

“Para o governo Trump, entregar seu contracheque, seu remédio ou sua cédula é uma piada, mas não há nada de engraçado sobre o salário que você ganha, sua saúde ou seu direito de votar. É por isso que, hoje, estamos ao lado da Pensilvânia e de outros Estados, levando o diretor-geral do Serviço Postal ao tribunal”, disse o procurador-geral da Califórnia, Xavier Becerra.

Enquanto os Estados iam aos tribunais contra DeJoy, ele era ouvido no Senado, controlado pelos republicanos, por videoconferência, em que fez de conta que não houve o desmonte que vem sendo denunciado, que foi tudo visando “melhorar” o serviço e que, claro, “o Serviço Postal é totalmente capaz e está comprometido em entregar a correspondência eleitoral do país com segurança e no prazo”.

“Este dever sagrado é minha prioridade número um até o dia das eleições”, asseverou, enquanto a bancada de Trump também fazia de conta que acreditava e que a ordem da Casa Branca não é achincalhar com essa modalidade de voto.

O comando republicano do Senado convocou uma sessão extraordinária às pressas, para dar um palanque para DeJoy, após a presidente da Câmara chamar a Casa de volta para votar pacote de US$ 25 bilhões para que os Correios possam dar conta das eleições e das perdas de receita sofridas em função da parada da economia devido ao coronavírus.

No dia seguinte, sábado, em 700 cidades dos EUA manifestantes foram às ruas em defesa dos Correios e contra a sabotagem dos serviços que presta à população e às empresas, e das eleições.

Com as pesquisas apontando que entre os democratas é grande o contingente que pretende fazer uso dessa modalidade de voto – 53%, segundo uma delas -, e com a disputa nos Estados campo de batalha (que ora vota republicano, ora democrata) podendo se decidir por alguns milhares de votos de diferença, decidindo então a eleição no colégio eleitoral, o que já aconteceu em 2016, os Correios funcionarem adequadamente, ou não, pode fazer toda a diferença sobre quem irá governar desde a Casa Branca.

O procurador-geral da Pensilvânia (secretário de Justiça) Josh Shapiro, que encabeçou a ação contra DeJoy, acusou-o de “passar por cima, ilegalmente, da Comissão Reguladora dos Correios, e que atrasos causados pelas mudanças violam a cláusula das Eleições da Constituição”.

Conforme as denúncias do pessoal dos Correios, as mudanças impostas por DeJoy, como o banimento de horas extras e a obrigação do caminhão de transporte de correspondência só sair lotado, causaram enormes atrasos nas entregas.

O diretor-geral também eliminou caixas de correio das ruas – o que irá dificultar o voto nas comunidades, que em geral votam contra Trump – e encostou máquinas apropriadas exatamente para manejar com rapidez o tipo de envelope usado no voto pelo correio.

Segundo o doador de campanha de Trump, perdão, o diretor-geral dos Correios que o presidente bilionário nomeou, não é nada disso do que estão pensando, não é para sabotar, é para “diminuir os custos” e “melhorar os serviços”, prevendo uma economia de “pelo menos US$ 1 bilhão”.

Enquanto isso, Trump, um dia sim, o outro também, volta a fazer carga contra a “fraude generalizada no voto pelo correio”. Claro que “nos Estados azuis”, isto é, os governados por democratas. Nos Estados “vermelhos”, encabeçados por republicanos, aí pode confiar, como ele mesmo fez para a votação nas primárias republicanas na Flórida. No distrito eleitoral junto do seu clube de golfe de luxo e sua mansão, quem venceu as primárias republicanas foi uma estrela do movimento de fanáticos do QAnon.

Segundo DeJoy, “tivemos alguns atrasos nas entregas”, mas a culpa pela diminuição na velocidade da correspondência seria dos funcionários, tanto por causa da baixa produtividade quanto pelos percalços da pandemia.

Apesar de mimado pelos parceiros republicanos, DeJoy teve que aguentar o pito do senador democrata Gary Peters, que o responsabilizou por “minar uma das instituições mais confiáveis da nação”.

“As mudanças operacionais que você implementou, sem consultar seus clientes ou o público, causaram atrasos significativos. Atrasos que prejudicam pessoas em todo o país”, desancou.

Na segunda-feira, DeJoy teve que se ver com o Comitê de Supervisão da Câmara, ao qual, entre outras coisas, preventivamente culpou as juntas eleitorais estaduais e locais caso os votos não forem contados porque chegaram após o dia da eleição.

Como registrou o People’s World, com tal declaração ele adicionou seu nome à lista cada vez maior de bajuladores de Trump que mentiram sob juramento ao Congresso dos Estados Unidos. O jornal progressista observou que, apesar de devidamente apertado pela bancada democrata sobre as tais mudanças, não houve menção ao plano que vem sendo gestado na Casa Branca de privatização dos Correios, como já denunciado pelos sindicatos. Aliás, DeJoy é diretor do Conselho de uma empresa de logística que presta serviços para os Correios – e não viu nenhum conflito de interesses nisso.

Ainda segundo o People’s, “esse esquema permitiria que empresas de entrega privada pegassem rotas lucrativas, eliminassem entregas rurais, cancelassem contratos sindicais e cortassem salários, pensões e assistência médica aos trabalhadores”. O próprio DeJoy disse que quer dar um trato nas aposentadorias do pessoal dos Correios e no seu plano de saúde após as eleições.

O presidente do subcomitê de supervisão das questões postais, o deputado democrata Gerry Connoly, lembrou a DeJoy que “70%” dos entrevistados “favorecem o voto pelo correio e 50-60% planejam usá-lo”.

Com ironia, Connoly acrescentou: “vamos estipular que seus motivos eram puros, mas como um bom CEO, quando você vê consequências não intencionais, incluindo assustar os eleitores até a morte, você muda.”

DeJoy ocupou boa parte do seu tempo, driblando perguntas sobre quem foi que ordenou a remoção de milhares de caixas de correio azuis – aquelas das ruas – e de onde partiu o desmantelamento das máquinas de classificação de mala direta, exatamente as mais úteis para agilizar a correspondência eleitoral. Ele disse com candura que não podia dizer um nome, porque os Correios têm 30 mil supervisores e 604 mil trabalhadores.

A presidente do comitê, a democrata Carolyn Maloney, lendo um relatório interno dos Correios forneceu os dados que DeJoy escondeu: os atrasos variavam de 8,1% na correspondência de primeira classe a 9,57% das publicações. “Você e seus assessores repetidamente minimizaram esses atrasos como‘ apenas detalhes’”, disse Maloney a DeJoy. Mas quando se leva em consideração que os Correios transportam mais de 350 milhões de correspondências por dia – enfatizou -, essas porcentagens se transformam “em milhões de entregas perdidas”.