EUA entram em recessão técnica após recuo do PIB no 2º trimestre
O PIB dos EUA voltou a ficar no vermelho no segundo trimestre de 2022, tendo recuado 0,9% anualizado, anunciou na quinta-feira (28) o Bureau de Análises Econômicas (BEA), do Departamento do Comércio, depois de ter encolhido 1,5% entre janeiro-março. Em suma, a economia dos EUA se contraiu no primeiro semestre do ano. Simplificadamente, esse dado anualizado equivale a dizer que, se a contração de abril-junho se repetisse no ano inteiro, o PIB dos EUA encolheria 0,9%.
Portanto, os EUA entraram em recessão técnica [dois trimestres consecutivos de queda no PIB], embora, com as eleições daqui a três meses e a maior inflação em 40 anos, no que depender da Casa Branca ninguém vai pronunciar tal palavra, por causa do efeito “é a economia, estúpido”.
Na véspera, o Fed elevara pela segunda vez no ano a taxa básica de juro, em mais 0,75 ponto percentual, no esforço para supostamente deter a inflação recorde, impulsionada pelos gargalos nas cadeias globais e pelas sanções “infernais” contra a Rússia.
As duas principais forças por trás do declínio no segundo trimestre foram a queda acentuada no investimento empresarial e um aumento de 3,1% nas importações, que nos cálculos reduzem o PIB.
O investimento interno privado bruto – que inclui vendas de prédios, equipamentos e propriedade intelectual – caiu 13,5% no segundo trimestre, depois de aumentar 5% nos primeiros três meses do ano. A construção de habitações caiu 14 % no segundo trimestre e a construção de outras estruturas caiu 11,7 % ao longo do ano [anualizados]. A diminuição do investimento privado foi liderada por uma diminuição no comércio a varejo (principalmente lojas de mercadorias em geral, bem como revendedores de automóveis).
A redução nos gastos dos governos estaduais e municipais foi puxada pela diminuição do investimento em estruturas. A diminuição do investimento fixo não residencial refletiu as reduções em estruturas e equipamentos que foram compensadas principalmente por um aumento em produtos de propriedade intelectual. O aumento das importações refletiu o aumento dos serviços (com destaque para as viagens).
A renda pessoal disponível real diminuiu 0,5%, em comparação com um decréscimo de 7,8 % no trimestre anterior. Os gastos do consumidor aumentaram 1% entre abril-junho, impulsionados em grande parte pelos gastos com serviços (alta de 4,1%), enquanto os gastos com bens caíram 4,4 % no segundo trimestre, após uma queda de 0,3 por cento no primeiro trimestre.
Também divulgado nesta quinta-feira, o número de pedidos semanais de seguro-desemprego nos Estados Unidos foi de 256 mil, levemente acima dos 253 mil esperados pelos analistas.
O relatório vem depois que o Fed na quarta-feira elevou as taxas de juros em mais três quartos de ponto, um aperto de cinto que já está mostrando sinais de desaceleração na demanda do consumidor por itens caros, como casas e carros. À medida que o ano avança, o impacto da alta de juros deverá pressionar ainda mais o crescimento.
“Visão Holística”
A secretária do Tesouro, Janet Yellen, já havia se antecipado no negacionismo da recessão, ao declarar em uma entrevista que “só porque o PIB está negativo, não significa recessão”. Seria, apenas, uma “transição”. O conselho de gurus econômicos da Casa Branca também sugeriu uma “visão holística”, para tentar sustentar ser “improvável que o declínio do PIB no primeiro trimestre deste ano – mesmo que seguido por outro declínio do PIB no segundo trimestre – indique uma recessão”.
Por sua vez, o presidente do Fed, Jerome Powell, nomeado por Trump e mantido por Biden, disse que não achava que a economia estivesse em recessão devido a outros pontos fortes além do PIB. Mas admitiu que o caminho para reduzir a inflação sem entrar em recessão está ficando cada vez “mais estreito”.
O sentimento do consumidor está em baixa recorde e o maior varejista dos EUA, o Walmart, divulgou uma declaração de que os preços mais altos de alimentos e combustíveis estavam fazendo com que os consumidores reduzissem os gastos em outras áreas. O WSJ caracterizou o anúncio como “um sinal ameaçador para a economia dos EUA que depende do poder de compra resiliente das famílias”.
O resultado do PIB foi definido pelo portal Político como “um novo pesadelo político” para a Casa Branca, que oferece “aos republicanos uma oportunidade tentadora de declarar que a economia do presidente Biden está agora em recessão”. Os índices de aprovação de Biden na economia já giram em torno de apenas 30 por cento – acrescenta o portal – e agora podem “cair ainda mais”, ancorando a economia como um peso morto para os democratas que já devem sofrer perdas significativas nas eleições de meio de mandato, principalmente na Câmara dos Deputados.
As manobras da Casa Branca para obscurecer a questão levaram o principal republicano do Comitê de Meios e Modos da Câmara, deputado Kevin Brady, a frisar que “a questão não é se temos uma recessão. A questão é quão dura e quanto tempo terá”. Ele ainda ironizou ser uma pena que a Casa Branca “não tenha uma vacina para a negação”.
Também a senadora democrata e ex-pré-candidata presidencial, Elizabeth Warren, em artigo no fim de semana no Wall Street Journal, acusou o presidente do Fed de fomentar uma “recessão devastadora” ao elevar os juros e repudiou declaração de um ex-secretário do Tesouro democrata, Larry Summers, por propor elevação do desemprego a “10%” para supostamente ‘baixar a inflação’.
O enfoque do banco central para combater a inflação “arrisca desencadear uma crise com recessão devastadora” sem abordar diretamente muitos dos principais impulsionadores dos recentes aumentos de preços, destacou Warren.
Após observar que a inflação é “um problema urgente” e as taxas de juros podem “desempenhar um papel fundamental na manutenção da estabilidade de preços”, Warren enfatizou que as altas agressivas dos juros “são amplamente ineficazes contra muitas das causas subjacentes desse pico inflacionário, como os preços da gasolina e dos alimentos”.
A recessão resultante – ela acrescentou – “deixará milhões de pessoas – trabalhadores com salários desproporcionalmente mais baixos e trabalhadores de cor – com salários menores ou nenhum salário”. Registre-se que o salário mínimo nos EUA está congelado há 13 anos.
No mês passado, durante audiência do Comitê Bancário do Senado, questionado por Warren se os aumentos das taxas do Fed vão reduzir os preços da gasolina e dos alimentos, Powell teve de admitir que “não”. “Há muitas coisas que não podemos afetar”, reconheceu.
Em seu artigo, Warren assinalou que “quando o Fed aumenta as taxas de juros, aumentando o custo do empréstimo de dinheiro, fica mais caro para as empresas investirem em suas operações. Como resultado, os empregadores vão desacelerar as contratações, cortar horas e demitir trabalhadores, deixando as famílias com menos dinheiro”. “Na linguagem implacável dos economistas, isso é chamado de ‘amortecer a demanda’”, ela explicou.
“Mas não se enganem: se o Fed cortar demais ou muito abruptamente, a recessão resultante deixará milhões de pessoas – trabalhadores com salários desproporcionalmente mais baixos e negros em particular – com salários menores ou nenhum salário”, sublinhou a senadora.
Taxas de juros mais altas “não vão acabar com a disparada dos preços da energia” causada – segundo Warren – pela ‘guerra de Putin contra a Ucrânia’. “Elas não consertarão as cadeias de suprimentos ainda sofrendo com a pandemia. E elas não vão quebrar os monopólios corporativos que Powell admitiu em janeiro que poderiam estar ‘aumentando os preços porque podem’”.
“Se os srs. Powell e Summers conseguirem o que querem, a recessão resultante será brutal. Como em crises anteriores, os republicanos no Congresso pressionarão por austeridade – cortes de impostos para corporações gigantes e ricos, regulamentação mais fraca para grandes empresas e pouco apoio econômico para os mais vulneráveis”, indignou-se Warren.
“Desemprego baixo e inflação alta são dolorosos, mas uma recessão fabricada pelo Fed que deixa milhões de americanos desempregados sem abordar os preços altos seria muito pior”, concluiu.