EUA e aliados militares elevam a tensão na Europa Oriental
São crescentes as tensões políticas e militares na Europa Oriental, com uma escalada de ações de confronto da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), braço armado do imperialismo estadunidense e seus aliados europeus contra a Rússia.
Por José Reinaldo Carvalho (*)
As tensões na região Norte e Leste da Europa se intensificaram no início da semana passada, quando caças russos interceptaram aviões da Otan, no quadro de manobras militares na Estônia, país do Mar Báltico que outrora fez parte da União Soviética.
No último sábado (5), o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, declarou que a Otan dá mostras explícitas de que pretende “voltar ao confronto da era da Guerra Fria”.
Não foram apenas as provocações mais recentes no Báltico que despertaram a crítica do responsável pela Defesa do governo do presidente Vladimir Putin. Moscou ressente-se das frequentes manobras militares promovidas pelos Estados Unidos e seus aliados, como também da instalação nas proximidades de sua fronteira ocidental de uma panóplia de infraestrutura militar, que inclui bases operacionais, aeroportos, acantonamento de tropas e a implantação de um sistema de defesa antimísseis. O palco central de toda essa movimentação são países como a Polônia, Ucrânia e os bálticos. Um despacho da agência noticiosa RT dá conta de que a atividade dos aviões de reconhecimento da Otan em 2020 perto das fronteiras da Rússia aumentou mais de 30% em comparação com o ano passado.
Mesmo referindo-se principalmente à questão militar, Shoigu procurou reiterar a linha diplomática do governo Putin e sua conduta visando ao multilateralismo e à estabilidade regional. Enfatizou que Moscou segue uma política independente e participa ativamente na resolução de problemas globais, inclusive mediando conflitos e ajudando a dar a estes desfecho positivo. Deixou a pecha do unilateralismo e da opção militar com os rivais, reiterando o engajamento na busca da paz.
Mas os Estados Unidos e a União Europeia insistem há tempos em que a Rússia representa uma ameaça à sua segurança – a rigor, desde que Vladimir Putin iniciou um processo de restauração da assertividade e presença russa no mundo, defendendo sua soberania e contornando os perigos de desintegração.
Isto fez com que, a partir da cúpula da Otan em Lisboa, em 2010, a Aliança Atlântica adotasse um novo conceito estratégico, que inclui a expansão das suas atividades para o Leste, a cooptação de países que fizeram parte do campo socialista soviético e o enfrentamento à Rússia. Nesse contexto, intensificou-se o antagonismo entre os EUA, a União Europeia e a Otan, por um lado, e a Rússia por outro. A hipótese de assimilação ou de subordinação da Rússia pós-soviética foi substituída pela lógica da confrontação.
A estratégia de enfrentamento parte também da percepção tanto dos Estados Unidos como da União Europeia de que a Rússia representa um desafio ao imperialismo das potências ocidentais na medida em que fortaleceu suas posições internacionais, participando do grupo Brics, da Organização para a Cooperação de Xangai e estabelecendo relações de parceria estratégica de alto nível com a China. O imperialismo estadunidense passou a ver a Rússia como um desafio à sua liderança, uma tentativa de destruir a ordem mundial unipolar formada após o colapso da URSS.
É o que justifica a escalada militar, o retorno à retórica da guerra fria, de que faz parte uma ensurdecedora propaganda para convencer países e a opinião pública da agressividade da política externa e de defesa da Rússia.
Na atualidade, os problemas que envolvem a Rússia e a Otan têm como pano de fundo a ameaça de desestabilização na Bielorrússia. O presidente reeleito Aleksandr Lukachenko não teve dúvida em apontar o dedo acusador à Aliança Atlântica no momento em que se produziram manifestações contestando o resultado das eleições presidenciais de 9 de agosto, que ele venceu com 80% dos votos. Lukachenko logo solicitou ajuda, inclusive no plano militar se necessário, ao seu colega e aliado Vladimir Putin. Este não pestanejou e respondeu afirmativamente, ao perceber que o movimento pela derrubada do presidente bielorrusso tem semelhanças com as “revoluções coloridas” que ocorrem em países da Comunidade de Estados Independentes desde há duas décadas, a última das quais foi o golpe de Estado na Ucrânia que levou ao poder forças fascistas com o apoio dos EUA e da União Europeia. A Rússia compreendeu também a lembrança que trazem a esse movimento a “primavera árabe” e o processo de desintegração da antiga Iugoslávia.
Diferentemente do que se difunde pela mídia ocidental, que identifica o governo de Minsk como a “última ditadura da Europa”, isolada das forças democráticas e progressistas, partidos de esquerda, tanto na Rússia como na Bielorrússia, destacadamente o PC da Federação Russa e o PC da Bielorrússia, tomaram posição ao lado de Lukachenko e em favor do fortalecimento da união entre Moscou e Minsk.
Uma posição que parte da compreensão de que as manifestações exigindo a derrubada de Lukachenko fazem parte de uma ofensiva visando a desenhar a favor dos Estados Unidos e da União Europeia o mapa geopolítico no Leste Europeu, com função anti-Rússia.
O golpe na Ucrânia em 2014 resultou na instalação de um governo de direita, na perseguição aos socialistas e comunistas, na criação de uma cabeça de ponte anti-Rússia e, considerando o conjunto do Leste Europeu, no fortalecimento das posições militares estratégicas da Otan, somente contrabalançadas em parte com o retorno da Crimeia à soberania russa.
A nova guerra fria no Norte e Leste da Europa, a tentativa de realizar uma nova “revolução colorida” na Bielorrússia fazem parte de um cenário obscuro, ameaçador à paz mundial.
(*) Jornalista, editor da página Resistência, membro do Comitê Central e Comissão Política Nacional do PCdoB