EUA: drones foram usados para “matar por matar afegãos”, diz operador
“Minha produtividade hoje foi prejudicada. Matamos dois homens inocentes e uma criança. Eles estavam em uma motocicleta e por puro azar foram para o mesmo cruzamento que nosso alvo quando o fogo do inferno [míssil] os atingiu”.
O relato acima, de um operador de drones das forças invasoras estadunidenses no Afeganistão, veio à tona na terça-feira (24) e faz parte de uma longa lista de confissões de pilotos arrependidos. Jovens que passaram a admitir que seus ataques aéreos simplesmente “não serviam para nada”, “não faziam diferença” e que, na prática, equivaliam a “matar por matar”.
O piloto não identificado, que trabalhou com os fuzileiros navais como parte da ‘Força-Tarefa South West’ na província de Helmand em 2019, disse que ficou traumatizado pelos assassinatos por engano e compartilhou o relato sobre o incidente para que crimes iguais deixem de se repetir.
As filmagens divulgadas pelo portal Connecting Vets (Conectando Veretanos) apontam que os ataques seriam “punitivos”, diante das sucessivas baixas ocorridas ao longo de duas décadas de fracassados combates contra os talibãs, já que visavam principalmente civis desarmados.
Um dos operadores disse que ganhou projeção o alvo de um afegão em uma bicicleta, que usava um rádio bidirecional – comumente utilizado depois que torres de celular foram derrubadas. O alvo “passou direto pela explosão e continuou”, escreveu o piloto, acrescentando que ao invés do alvo “viu um transeunte carregar corpos em um caminhão e levá-los ao hospital. Eles estão todos mortos”.
O relato foi corroborado por um oficial militar envolvido na operação que falou ao site em condição de anonimato. Enquanto o afegão no rádio – cujo nome ou conexão com o Talibã nunca foi descoberto – foi embora no meio da fumaça como um “vilão de Bond”, o oficial disse que “dois adultos e uma criança em outra motocicleta foram mortos”.
Mas o relatório do Connecting Vets observou que o Departamento de Defesa (DoD) registrou apenas uma vítima civil na data do ataque, que era “provavelmente o bebê”, enquanto omitia os dois homens adultos que “simplesmente estavam lá”.
O Comando Central dos EUA, que tinha jurisdição sobre as operações militares na área, não respondeu aos questionamentos enviados pelo site.
Os pilotos admitiram que haviam “feito a transição da seleção de alvos baseados na inteligência para o uso de critérios de engajamento”, como segurar um rifle, mas o limite para ficar sob suspeita poderia ser facilmente modificado. Assim, homens adultos desarmados poderiam ser transformados de suspeitos em alvos. E uma vez mortos, sequer compor as estatísticas do Pentágono.
No ano passado, oficialmente foi divulgado um aumento de seis vezes nas incursões dos EUA contra o Afeganistão: de menos de mil ataques em 2015 para 7.423 ataques em 2019.
Os assassinatos de civis cresceram quando as orientações da Casa Branca sobre em quem atirar foram relaxadas como forma de criar um clima de pânico e retaliar as baixas crescentes de invasores norte-americanos nas mãos da guerrilha afegã que realizou duros combates em Helmand.