Com currículo na mão, moradores de Los Angeles fazem fila na busca por emprego

Num resultado que comentaristas classificaram de “ruim, mas não tão ruim quanto poderia ter sido”, a economia dos EUA desacelerou de 6,7% ‘anualizados’ para 2,0%, do segundo para o terceiro trimestre, como anunciado pelo Bureau de Análise Econômica (BEA, na sigla em inglês) do Departamento do Comércio.

Um resultado raquítico, que indica que, depois de cair em flecha (-31,2%) sob a pandemia, e subir em flecha (+ 33,8%) com a recuperação, a economia dos EUA marcha de volta para aquele patamar pachorrento de 2% ao ano com que tem se arrastado há mais de uma década, fruto da financeirização, monopolização e perda de produtividade e carência de inovação.

A propósito, os ‘6,7%’ do segundo trimestre parecem coisa melhor, só porque a base de comparação é o fundo do poço, no auge da pandemia nos EUA no 2º trimestre de 2020. A que se somou a prestidigitação que é a “anualização” à americana: a variação do PIB real de um trimestre multiplicada por quatro, como se fosse repetida em quatro trimestres (1 ano).

Assim, quando a comparação é a que a maioria dos países fazem, inclusive o Brasil, os 2% indicam na real 0,5% em relação ao trimestre anterior.

Segundo o BEA, a desaceleração do PIB no terceiro trimestre foi puxada pela freada nos gastos do consumidor, que desabou de 12,0% para 1,6% (tudo ‘anualizado’, como explicado).

A explicação é que confluíram fatores como escassez/gargalos de transporte [problemas nas cadeias de suprimentos e, portanto, prateleiras e vitrines vazias] e preços em alta, aliados ao recrudescimento da pandemia essencialmente entre os não vacinados, devido à variante Delta.

O que levou em algumas regiões a atrasos na reabertura de estabelecimentos e reintrodução de restrições e ainda atingiu os gastos com bens e serviços.

Claro: também contribuiu o encerramento, em setembro, da ajuda de emergência federal ao seguro-desemprego. Em consequência, como assinalou Paul Ashworth, da Capital Economics, a renda pessoal real disponível diminuiu 5,6% anualizada, com o taxa de poupança caindo para 8,9%, de 10,5%.

Assim, a taxa de poupança voltou ao seu nível pré-pandemia, deixando muito menos espaço para as famílias aumentarem seus gastos. Só em setembro, a renda pessoal real diminuiu 1,6%, o segundo mês de queda.

A contribuição dos investimentos fixos para esse resultado, no trimestre julho-setembro, foi um quarto da que houve no anterior. Nos bens duráveis, a contribuição do consumo de veículos/peças para o crescimento geral do PIB foi a segunda pior desde 1980.

Com os microchips embarcados em falta nas fábricas, os estoques nas concessionárias de automóveis entraram em colapso e as vendas de veículos novos despencaram.

A produção de veículos motorizados caiu 8,3% no trimestre, a primeira queda trimestral desde os últimos três meses de 2020. A falta de chips ameaça durar não apenas no próximo ano, mas ir até 2023, segundo a Ford.

Pelo lado do comércio exterior, o déficit comercial piorou drasticamente, com o saldo (exportações menos importações) indo a US$ 67 bilhões no período (5,4%). Exportações aumentam o PIB e importações o diminuem.

Salários e carestia

Há a questão dos salários, em um momento em que se estima em mais de cinco milhões os trabalhadores que não voltaram à força de trabalho pós-pandemia, o que vem forçando empresas a concederem reajustes e mais benefícios.

Os salários aumentaram 1,5% no terceiro trimestre, informou o Departamento do Trabalho, contra alta de 0,9% no trimestre anterior. Esse aumento está à frente da alta de 1,2% da inflação no período. Já o valor dos benefícios aumentou 0,9% no trimestre julho-setembro, mais que o dobro dos três meses anteriores.

É essa situação que explica que o mês de outubro tenha passado a ser chamado por importantes setores dos trabalhadores norte-americanos e seus sindicatos de ‘Striketober’, o Outubro das Greves, com mais de cem mil trabalhadores, de variados setores, tendo ido à greve, ou ameaçado fazer, para obter acordos mais favoráveis.

Em empresas de porte, como a John Deere (tratores e máquinas agrícolas), que não sabiam o que era uma greve há mais de duas décadas, os trabalhadores cruzaram os braços.

A revista Newsweek observa que os salários estão subindo “muito mais rápido na recuperação da recessão pandêmica do que na recuperação da Grande Recessão de 2008-2009”, quando o crescimento dos salários continuou desacelerando até um ano após o fim da crise. Isso se deve – destaca – “à natureza diferente das duas recessões e às diferentes respostas políticas”.

Agora, houve muito mais estímulo governamental durante e após a recessão pandêmica, incluindo o pacote de apoio financeiro de US $ 2 trilhões do então presidente Donald Trump em março de 2020 e os US $ 1,9 trilhão em ajuda de Joe Biden de março.

Ambos os pacotes forneceram cheques de estímulo e aumentaram os benefícios de desemprego, permitindo a subsistência dos trabalhadores e suas famílias.

Registre-se que, no essencial, os planos do presidente Biden para transformar a economia norte-americana ainda estão longe de saírem do papel e, até mesmo, de serem votados no Congresso.

Reajustes

Agora, no terceiro trimestre, os trabalhadores com salários mais baixos registraram os maiores ganhos, com os salários dos empregados em restaurantes, bares e hotéis aumentando em 8,1% no período em relação ao ano anterior. Para os trabalhadores do varejo, o aumento foi de 5,9%. Registre-se que o salário mínimo está congelado desde o início do governo Obama.

Mike Konczal, do Instituto Roosevelt, afirmou que o aumento saudável para os trabalhadores desfavorecidos “é o resultado de escolhas políticas específicas para dar aos trabalhadores uma melhor mão de barganha e garantir que a economia se recupere mais rapidamente”.

Ele considerou que o fato de estar acontecendo “é bastante único.” Para ele, os cheques de estímulo e os US$ 300 extras por semana em benefícios de desemprego, recém encerrados no início de setembro, deram aos desempregados mais condições para exigir salários mais altos.

“Milhões de americanos estão respondendo ao aumento dos salários deixando seus empregos por empregos com melhores salários. Em agosto, quase 3% dos trabalhadores americanos pediram demissão, um recorde”, assinalou a revista Time, que registrou que em agosto eram 10,4 milhões de empregos disponíveis.

“Um número maior de demissões também significa que as empresas precisam aumentar os salários para manter seus funcionários”, sublinhou.

Os trabalhadores que mudam de emprego estão obtendo alguns dos ganhos de renda mais acentuados em décadas, acrescentou a revista. De acordo com o Federal Reserve Bank de Atlanta , em setembro os que mudaram de emprego viram seu salário aumentar 5,4% em comparação com o ano anterior. Isso é o maior aumento em quase 20 anos. Para os que permaneceram no emprego, a remuneração aumentou 3,5%.

Trabalhadores de baixa renda em restaurantes, bares e lojas de varejo estão tendo alguns dos maiores ganhos de renda, mas os aumentos salariais estão se espalhando. De acordo com a Oxford Economics, a proporção de empregos que recebem um aumento de salário mensal de 0,5 por cento durante seis meses saltou para 40 por cento, de cerca de 9 por cento antes da pandemia.

Uma economista citada pela Time, Lydia Boussour, da Oxford Economics, afirma que as empresas estão com fôlego para aumentar salários, observando que os lucros corporativos no trimestre abril-junho estiveram no nível mais alto em quase uma década. Assim, “muitas empresas podem pagar salários mais altos sem ter que aumentar os preços”.

Aposentadorias

Um economista do Fed de St. Louis, Miguel Faria e Castro, analisando a questão da escassez de mais de 5 milhões de trabalhadores, concluiu que mais da metade disso se deve a aposentadorias que foram antecipadas em razão da pandemia.

Ele apontou que a taxa de participação da força de trabalho nos EUA sofreu em 2020 a maior queda já vista, caindo de 63,2% no quarto trimestre de 2019 para 60,8% no segundo trimestre de 2020. No segundo trimestre de 2021, após se recuperar ligeiramente, para 61,6%, continuava 1,6 pontos percentuais abaixo do nível pré-pandemia, indicando que cerca de 5,25 milhões de trabalho haviam deixado a força de trabalho.

As pessoas deixaram a força de trabalho em 2020 por vários motivos: a maior taxa de desemprego pós-Grande Depressão, a necessidade de ficar em casa para cuidar de crianças ou outros parentes e a antecipação da aposentadoria da chamada geração baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964), por razões como o risco de saúde.

Segundo o estudo, a porcentagem de aposentados na população dos EUA era estável em cerca de 15,5% até 2008. Cresceu para 18,3% às vésperas do surto de Covid-19, e atingiu 19,3% em agosto de 2021.

Faria e Castro usou esse diferencial de 0,92% para calcular as “aposentadorias em excesso” devido à pandemia, obtendo a cifra de cerca de 3 milhões de pessoas, que é pouco mais da metade dos 5,25 milhões de pessoas que deixaram a força de trabalho desde o início da pandemia até o segundo trimestre de 2021.

O economista apontou ainda que dado o caráter “anormal” da recessão da Covid-19, por apresentar uma queda acentuada na atividade econômica, mas também aumentar o valor dos ativos [decorrente do resgate dos especuladores pelo Fed], como ações e imóveis, pode ter propiciado um “colchão financeiro” que possibilitou a muitos a opção pela “aposentadoria precoce”.