EUA: Deputados exigem lei federal que proteja direito ao voto
Mais de 100 deputados democratas estaduais do país inteiro convergiram nesta segunda-feira (2) a Washington, onde se juntaram à maioria da bancada do partido no Texas que já está lá há 19 dias, para repudiar a investida trumpista pela supressão do voto e para instar o governo Biden a agir no Senado pela imediata aprovação de legislação federal que restaure as proteções ao voto.
Em suma, que garanta, de verdade, que negros, latinos e pobres possam exercer o voto nos Estados Unidos. Direito que está sob ataque em legislativos sob controle republicano no país inteiro, aproveitando a farsa do ex-presidente Trump de que sua eleição foi “roubada”.
18 estados sob controle republicano aprovaram 30 leis para coibir o voto, usando esse pretexto. A reversão dessa manipulação das eleições e criação de padrões comuns ao país inteiro tornou-se inadiável, já que precisa ser feita em tempo de que esteja em vigor nas eleições intermediárias de 2022.
A dimensão dessa investida trumpista contra o processo democrático pode ser aquilatada pela revelação, pelo renomado Centro Brennan para a Justiça da Escola de Direito da Universidade de Nova York, de que nas sessões legislativas deste ano foram apresentados mais de 400 projetos de supressão de voto em 49 estados.
Antivoto
Nas assim chamadas ‘leis antivoto’, já em vigor em Estados como Flórida e Geórgia, está especialmente sob ataque a lisura do pleito – para que o legislativo usurpe a decisão das urnas nos condados, como aliás Trump tentou -, assim como o voto pelo correio e as facilitações ao voto, que foram criadas nos EUA em razão de sequer haver, como em qualquer país decente no mundo, feriado no dia da eleição, que acontece numa terça-feira, dia útil.
São impostas também novas restrições a que o cidadão se registre para exercer o voto e criadas formas de banir eleitores arbitrariamente e à revelia.
Entre os 400 projetos de leis, alguns incluem disposições abertamente inconstitucionais, como dar ao legislativo estadual o poder de ignorar o voto popular e escolher sua própria lista de integrantes do Colégio Eleitoral.
A mobilização, organizada pela coalizão Declaração pela Democracia Americana, pela Campanha do Povo Pobre e outras entidades populares, visa intensificar o esforço pela aprovação no Senado da Lei Pelo Povo, legislação que estabelece padrões de votação, normas éticas e supervisão das finanças de campanha, e inclui disposições para expandir a votação antecipada e implementar o registro eleitoral automático.
Já o cerne da Lei de Avanço dos Direitos de Voto John Lewis é restaurar os poderes de aplicação da “pré-autorização” do governo federal sob a Lei de Direitos de Voto de 1965, que foi derrubada pela Suprema Corte dos EUA em 2013. De acordo com a agora extinta Seção 5 da Lei de Direitos de Voto, quaisquer mudanças nas regras de votação propostas por ex-Estados de Jim Crow [onde vigorava o apartheid] tinham que ser pré-aprovadas pelo Departamento de Justiça.
‘Grande mentira’
É esse ataque à democracia que explica que no Texas, para impedir a aprovação no legislativo controlado pelos republicanos, 50 deputados democratas precisaram rumar para Washington, para negar quórum à votação e protestar, e o impasse se mantém.
“A Grande Mentira [de Trump] infectou quase todas as legislaturas estaduais e condados, dando origem a um ataque calculado e descarado à liberdade de voto”, afirmou o deputado estadual Trey Martinez Fischer à CNN . “O Texas sempre foi um viveiro para as piores leis antieleitorais do país, mas desta vez está pior do que nunca.”
“Viemos a Washington, para exigir ação e chamar a atenção da nação para a luta pela liberdade de voto”, acrescentou. “Agora, estamos animados em dar as boas-vindas a mais de 100 legisladores estaduais de todo o país para compartilhar
suas histórias e pedir ao Congresso que salve nosso país aprovando a Lei Pelo Povo e a Lei de Avanço dos Direitos de Voto John Lewis.”
Por sua vez, a deputada estadual Anna Eskamani disse ao Washington Post que “quero ter certeza de que eles entendam o que estamos passando na Flórida”. Ela enfatizou a necessidade de “um firewall federal para essas atividades de supressão de eleitores nos estados”.
“Se não conseguirmos que este Congresso aja, e que o governo Biden pressione pelos direitos de voto, estou muito preocupada com a capacidade dos moradores da Flórida de terem suas vozes ouvidas no processo eleitoral”, acrescentou.
Há, ainda, asseguram os defensores da Lei Pelo Povo, mecanismos contra o “dark money”, o abuso do poder econômico – embora desde que a Suprema Corte deliberou que o uso da mala cheia de dólares faz parte da ‘liberdade de expressão’ dos magnatas norte-americanos, o poder da grana se tornou ainda mais avassalador no processo político norte-americano.
Carta aberta
Já aprovada na Câmara federal, a Lei Pelo Povo está empacada no Senado devido ao sistema de maioria qualificada (filibuster), em que 60 votos são necessários para levar à votação, em um Senado dividido 50-50. Mesmo destino da Lei John Lewis de Avanço do Direito de Voto, apresentada anteriormente e também barrada no Senado.
150 entidades conclamaram o Congresso dos EUA e o presidente Biden a aprovar essa legislação pró-voto – se preciso for, anulando de vez, ou pontualmente, o ‘filibuster’.
“O Congresso tem o poder e o dever de impedir este ataque antidemocrático e discriminatório aos direitos de voto dos americanos. Na verdade, apenas a legislação federal pode garantir que nossas eleições sejam seguras e livres e protejam totalmente o voto”, afirmaram as entidades signatárias, que incluem o Centro Brennan pela Justiça, a Associação Nacional para Progresso das Pessoas de Cor (NAACP) e a central AFL-CIO.
“Não podemos permitir que uma regra de procedimento secreta do Senado atrapalhe os esforços que a maioria dos americanos apoia”, destacou a carta aberta.
A Lei de Direito de Votos foi a principal conquista do movimento pelos direitos civis encabeçado por Martin Luther King e que, com as marchas de Selma e Montgomery em 1965, arrancou o fim da segregação e da exclusão dos negros das urnas.
No mais recente episódio das revelações do esforço de Trump para fraudar o resultado das eleições, conforme notas escritas pelo procurador-geral adjunto em exercício Richard Donoghue, menos de quatro semanas antes de deixar o cargo em 20 de janeiro, o ainda presidente tentou convencer a cabeça do Departamento de Justiça a “apenas dizer que a eleição foi corrupta” e deixar o resto com ele e seus asseclas no Congresso.
De acordo com os apontamentos, quando o procurador-geral interino Rosen disse que o Departamento de Justiça “não pode + não vai estalar os dedos + mudar o resultado da eleição”, Trump retrucou dizendo querer “apenas” que ele dissesse “que a eleição foi corrupta + deixe o resto para mim e para os congressistas do Congresso.”
As notas de Donoghue foram divulgadas na sexta-feira por um comitê da Câmara, depois que o Departamento de Justiça disse não ter objeções. Como base para a ‘luz verde’, Trump insistiu com Rosen nas alegações de despejos de votos no condado de Fulton, Geórgia (Atlanta) e em Nevada, Arizona e Michigan.
Ainda segundo as anotações, Trump insinuou que poderia demitir Rosen. “Temos a obrigação de dizer às pessoas que esta foi uma eleição ilegal e corrupta”, ele disse a este. “As pessoas me dizem que Jeff Clark [um funcionário subalterno] é ótimo, eu deveria colocá-lo. As pessoas querem que eu substitua a liderança do DOJ.”
A deputada Carolyn Maloney, presidente do Comitê de Supervisão da Câmara, disse que as anotações “mostram que o presidente Trump instruiu diretamente a principal agência de aplicação da lei de nosso país a tomar medidas para derrubar uma eleição livre e justa nos dias finais de sua presidência.”