Lavrov: Moscou está pronta para 2ª rodada de negociações, mas Kiev ganha tempo e se orienta com EUA

As medidas tentam atingir aliados políticos e econômicos, as medidas afetam setores civis para gerar instabilidade contra Putin e a Ucrânia aceita o jogo de Biden de não entrar em acordo de cessar-fogo com a Rússia.

O conflito entre Rússia e Ucrânia é o primeiro com repercussões europeias em que os EUA e as potências ocidentais utilizam todos os seus recursos não bélicos para sufocar um país que tenta se defender de agressões imperialistas. O objetivo parece ser mostrar que não há espaço na atual ordem globalizada para decisões militares não alinhadas com os interesses dos EUA. A evolução do conflito mostrará se os mecanismos utilizados serão eficazes contra uma potência militar e econômica como a Rússia.

Em meio às diversas medidas restritivas que o Ocidente tem aplicado à Rússia após a ofensiva do país contra a Ucrânia, o presidente norte-americano Joe Biden declarou que a Rússia estaria “isolada do mundo mais do que nunca”. Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov afirmou que “a Rússia tem muitos amigos e não pode ser isolada”.

Amigos e colegas

A Rússia conseguiu mobilizar quatro países, enquanto 35 se abstiveram — entre eles a China e o Vietnã, contra a resolução que condenou a invasão da Ucrânia, aprovada pela Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) na tarde de hoje (2). Fora isso, vários outros ajudaram aprovar a resolução evitado críticas a Vladimir Putin, como foi o caso do Brasil.

Além da própria Rússia e de Belarus, reprovaram a resolução Coreia do Norte, Eritreia e a Síria, países que estão frequentemente se defendendo de ameaças ocidentais a seus territórios e governos. Entre os países que se abstiveram se destaca diversas ex-repúblicas soviéticas, como Cazaquistão, Quirquistão e Tadjiquistão.

Aliados russos na América Latina, Cuba e Nicarágua também se abstiveram, assim como Bolívia e El Salvador, enquanto a Venezuela não votou. A Índia e o Paquistão também preferiram a abstenção, junto com 17 nações africanas. A votação de 141 países favoráveis à resolução, demonstra, portanto, um alinhamento ocidental que não agrada grande parte da Ásia.

Sanções contra a elite russa

As medidas visam também colocar o mercado russo e as elites econômicas do país contra o presidente Putin. Especialistas apontam que as sanções têm sido ineficazes, pois o país vem se preparando para elas há cerca de dez anos, quando iniciaram-se os conflitos com a Ucrânia. O governo investe em estratégias para se tornar auto-suficiente em termos econômicos, industriais, comerciais, comunicacionais e tecnológicos.

Os Estados Unidos anunciaram nesta quarta-feira (2) uma ampliação das sanções contra a Rússia pela invasão da Ucrânia. Desta vez, as medidas devem afetar empresas que atuam no setor de Defesa do país euroasiático. Além disso, serão impostas restrições às importações de bens tecnológicos do principal aliado russo, a Bielorrússia, cujo território tem sido usado pelas Forças Armadas da Rússia em ataques contra alvos ucranianos.

Além disso, Lavrov, afirmou nesta quarta-feira (2) que Kiev está adiando as negociações entre as delegações russa e ucraniana por ordem de Washington. O chanceler também disse que o Ocidente se recusou a cumprir as demandas da Rússia na construção da agenda de segurança europeia. Em entrevista à Al Jazeera, o chanceler enfatizou que seu país está pronto para a segunda rodada de diálogos entre as delegações, mas que “o lado ucraniano está atrasando as negociações seguindo as instruções dos EUA”.

“Os Estados Unidos tomarão medidas para responsabilizar a Bielorrússia por permitir a invasão da Ucrânia por Putin, enfraquecer o setor de defesa russo e seu poder militar nos próximos anos, atacar as fontes mais importantes de riqueza da Rússia e banir as companhias aéreas russas do espaço aéreo dos EUA”, informou a Casa Branca, em comunicado oficial.

Lavrov, por outro lado, afirmou que Moscou estava preparada para as sanções econômicas ocidentais, mas que, ficaram surpresos com as sanções atingindo o esporte, a cultura, a mídia e a intelectualidade russa, num tipo de ataque que parece mais com xenofobia e censura, ao restringir o acesso de cidadãos de todo o mundo a informações internas da Rússia.

O fechamento do espaço aéreo do EUA para aeronaves russas já havia sido anunciado na noite de terça-feira (1) pelo presidente Joe Biden, durante discurso no Capitólio (sede do Congresso estadunidense). Com isso, os EUA se somam a mais de 30 países, incluindo a União Europeia, que já fecharam o espaço aéreo para os russos.

As novas sanções anunciadas incluem o bloqueio de 22 empresas e entidades russas do setor de Defesa, incluindo fabricantes de aeronaves de combate, veículos de combate de infantaria, sistemas de guerra eletrônica, mísseis e veículos aéreos não tripulados.

Por meio de controles de exportação de equipamentos de extração de petróleo e gás, o Departamento de Comércio dos EUA vai impor restrições às exportações de tecnologia que apoiariam a capacidade de refino da Rússia a longo prazo.

“Os Estados Unidos e nossos aliados e parceiros não têm interesse estratégico em reduzir o fornecimento global de energia – e é por isso que reduzimos os pagamentos de energia de nossas sanções financeiras. Mas nós e nossos aliados e parceiros compartilhamos um forte interesse em degradar o status da Rússia como principal fornecedor de energia ao longo do tempo”, informou o governo norte-americano.

Em relação à Bielorússia, as restrições anunciadas prometem “sufocar” a importação de bens tecnológicos. Na prática, o Departamento de Comércio dos EUA estenderá as rigorosas políticas de controle de exportação implementadas para a Rússia para a Bielorrússia.

“Essa ação ajudará a evitar o desvio de itens, tecnologias e software da Bielorrússia para a Rússia e degradará significativamente a capacidade de ambos os países de sustentar sua agressão militar e projeto de poder”, destacou a Casa Branca.

Isolamento político e financeiro

Mais cedo, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução que condena a invasão russa, durante sessão extraordinária da assembleia-geral, em Nova York. A resolução, que não tem poder legal, pede que a Rússia retire suas tropas. Apesar de não ser uma medida concreta, a decisão tem um poder político muito grande e evidencia o isolamento russo no Ocidente.

No último sábado (26), países ocidentais já haviam anunciado o congelamento de reservas internacionais da Rússia. Além disso, bancos russos estão sendo desligados da plataforma Swift, um sistema de pagamentos entre instituições financeiras de mais de 200 países, coordenados pelos bancos centrais das dez maiores economias do mundo. Essa medida complica ainda mais o funcionamento do sistema financeiro russo, ao atrasar o pagamento de transações comerciais e financeiras.

A nova sanção anunciada pela União Europeia impede os bancos russos de transferir fundos para outras instituições financeiras em todo o mundo. A decisão tomada pela UE remove os seguintes bancos russos do sistema de pagamentos SWIFT: VTB, Banco Otkrytie, Novikombank, Promsvyazbank, Banco Rossiya, Sovcombank e VEB.

Um porta-voz do banco VTB, a maior instituição entre as sete, disse que a sanção não vai afetar as operações dentro do território russo, pois o país já vem se preparado para esse tipo de eventualidade desde 2014. O Sistema de Transmissão de Mensagens Financeiras do Banco da Rússia e o Sistema Nacional de Cartões de Pagamento, lançados na Rússia após as sanções de 2014 impostas pelas nações ocidentais contra o país, vão garantir o funcionamento das transações bancárias na Rússia.

Embora a sanção anunciada aos sete bancos russos cancele a operação das instituições nos Estados Unidos, União Europeia, Canadá e Reino Unido, ainda é possível a realização de determinadas transações internacionais.

Os bancos removidos do sistema SWIFT ainda podem transferir dinheiro em nome de seus clientes para outros bancos em países que não impuseram sanções contra eles, mas o processo pode demorar muito tempo.

Bloqueio digital

Como havia sido anunciado pela UE na terça-feira (1º), entrou em vigor nesta quarta-feira (2) o bloqueio dos conteúdos divulgados pelas mídias russas RT e Sputnik em território europeu.

“Hoje, estamos dando um passo importante contra a operação de manipulação [na Ucrânia] do [presidente russo Vladimir] Putin e fechando a torneira para a mídia estatal russa na UE”, afirmou o chefe de política externa da UE, Josep Borrell, em comunicado divulgado nesta quarta-feira (2).

O grupo de mídia Rossiya Segodnya, que inclui a Sputnik, também informou que os serviços do Google começaram a banir seus aplicativos em sua loja on-line oficial e a restringir acesso a publicações, medidas classificadas pela agência russa de “censura”. Também nesta semana, os canais da RT e da Sputnik foram bloqueados no YouTube.

Cezar Xavier com informações das agências internacionais