Nos Estados Unidos, apesar de toda a demagogia de Donald Trump sobre o “Make America Great Again” [Fazer a América Grande de Novo], o crescimento do PIB no ano passado voltou ao patamar exibido nos anos Obama, com 2,3%, já sinalizando que a recessão estava na esquina. Parte disso foi a guerra comercial de Trump contra o resto do mundo, que internamente atingiu em cheio os agricultores.

Diga-se ainda que a produção industrial manufatureira, uma década depois do crash, ainda está 2 % abaixo do patamar pré-crise, e a produção industrial total, com o fracking, está apenas 4% acima.

O corte de juros de US$ 1,5 trilhão em dez anos para as empresas não foi usado para ampliar a produção, mas na recompra de ações [US$ 806 bilhões só em 2018] e em inflar a bolha de tudo. O salário mínimo está congelado há dez anos e o endividamento das famílias é monstruoso.

Na realidade, a “recuperação” em grande medida jamais deixou de ser o estímulo à especulação em uma escala ainda mais gigantesca, que culminou no que o NYT chamou de “bolha de tudo” – principalmente, mas não somente, a bolha das ações e a dos títulos (tem ainda a dívida estudantil, que já é maior do que a dívida do cartão de crédito). Os bancos grandes demais para falir ficaram ainda maiores; as empresas se endividaram para recomprar suas próprias ações ou se atolaram nos papeis junk.

Então, tudo já ia marchando no sentido da recessão, situação agravada pela irrupção do surto de coronavírus e consequente paralisação da economia na China, hoje a fábrica do mundo, e da qual dependem os países ricos e em especial os EUA.

No dia 1º de março, em entrevista à Fox News, o especulador e articulista Peter Schiff, observou que “a questão econômica maior não é propriamente o coronavírus”. “Se a economia dos EUA fosse fundamentalmente saudável, esse vírus não a tornaria doente”, destacou.

O problema – notou – é que o Fed manteve as taxas de juros tão baixas por tanto tempo “que inflou uma bolha gigantesca e o coronavírus pode ser o alfinete”. “Mas o problema não é o alfinete, mas a bolha que o alfinete fura”, enfatizou.

Quando a âncora apontou que o presidente Trump acha que as taxas são artificialmente altas e pede cortes, Schiff – que é republicano – não se conteve e riu. “Certamente, o presidente quer manter a bolha inflada por tempo suficiente para ser reeleito”.

Ele acrescentou que tudo o que o Fed fez desde a crise financeira de 2008 apenas exacerbou “os problemas que a criaram, e é por isso que estamos à beira de uma crise muito maior e por que furar essa bolha tornou-se tão arriscado”.

Àqueles que tentam jogar a culpa sobre a China pela escalada do coronavírus, Schiff lembrou que os EUA têm muitos problemas próprios.

“Veja, o governo chinês não é responsável por nossos enormes déficits orçamentários, nossos déficits comerciais, o fato de o Fed inflar uma bolha no mercado de ações ou uma bolha no mercado de títulos”.

Schiff acrescentou que “fomos nós que fizemos essas coisas para nós mesmos. Temos adotado essas políticas que deixaram nossa economia tão vulnerável”. “Quero dizer, não temos nada economizado para um dia chuvoso e agora, mesmo que tenhamos uma garoa, teremos um crash”, advertiu.

Embora Schiff não tenha entrado nisso, a “bolha de tudo” – é disso que se trata – só existe porque a opção diante da crise de 2008 não foi, como se diz nos EUA, pela “Main Street”, pela produção, pelo aumento de salário, mas por Wall Street, o resgate dos banksters, a transferência de trilhões do dinheiro público para a plutocracia, a exacerbação da desigualdade e da monopolização.

Há ainda a indiscutível decadência do setor produtivo norte-americano, como constatado agora, por exemplo, quando as empresas dos EUA ficam na rabeira do desenvolvimento das redes de alta velocidade 5G, o que seria impensável uma década antes. As grandes empresas industriais que encabeçavam os índices de ações de Wall Street praticamente derreteram, substituídas pelas gigantes da internet.

Chega a ser curioso que seja um jornal que é praticamente um porta-voz da City londrina, o Financial Times, que classifique em comentário da editora Rana Foroohar o coronavírus como “gatilho” para a “correção no mercado de ações” – “alfinete”, chamou Schiff.

“Os EUA estão no mais longo ciclo econômico já registrado, com montes de dívida global, queda na qualidade do crédito e décadas de baixas taxas de juros levando os preços dos ativos a níveis insustentáveis. … A verdade é que a economia dos EUA agora depende de bolhas de ativos para sobreviver”, assinalou.

Foroohar acrescentou que essa situação foi resultado de políticas que se estendem há décadas, por governos democratas e republicanos, que tornaram a economia “perigosamente dependente dos caprichos de Wall Street”.

Para o republicano – e ex-diretor de orçamento do governo Reagan – David Stockman, Trump tornou as coisas “inestimavelmente piores” para a restauração da prosperidade dos EUA com suas “quatro guerras erradas” na economia norte-americana. “Estamos nos referindo à guerra comercial contra os consumidores domésticos; guerra nas fronteiras contra o trabalho imigrante necessário; guerra política contra o Fed quando este tentava tardiamente normalizar [o balanço, entupido de títulos podres], e o que equivale a uma guerra contra a solvência do país, incorporada nas adições descontroladas de Donald à crescente dívida nacional”.

Quanto à drenagem do “pântano”, Stockman ressaltou que “nunca se deve esconder que seu fundo está no lado do Potomac do Pentágono” e no poço sem fundo das “guerras sem fim”. “O desesperadamente necessário pivô dos EUA para a sanidade fiscal e de segurança nacional foi interrompido pelo impensado aumento de US$ 140 bilhões por ano” em um orçamento do Pentágono “já excessivamente elevado e cheio de sobras”.

Ainda segundo ele, Trump também se lançou à batalha, destinada ao fracasso, por um “ciclo de negócios geriátrico” que tinha escrito na testa “recessão à frente”. “Afinal, o Donald prestou juramento durante o mês 90 do que já era a terceira maior expansão de negócios da história americana. Agora é o mês nº 126 e será o mês nº 138 quando seu primeiro mandato terminar”.

“Até o boom tecnológico da década de 1990 – anteriormente o mais longo ciclo de todos os tempos – terminou em recessão durante o mês 119, e naquela época havia muitos ventos contrários para continuar. Aqueles ventos de cauda do ano 2000, é claro, agora se tornaram ventos ferozes nos anos 2020”, concluiu.

Nem o Wall Street Journal parecia muito otimista: “a queda histórica nos rendimentos dos títulos do governo reflete uma dura nova realidade: os investidores [leia-se especuladores] acham que a economia está entrando em um grande buraco do qual será difícil de escapar”.