Sede da embaixada dos EUA em Havana onde funcionários relataram 'mal-estar' em 2016

O portal de comunicação Buzzfeed News dos Estados Unidos publicou um documento – até aqui confidencial – do próprio Departamento de Estado no qual é descartada a teoria de que armas de micro-ondas lançadas por Cuba tivessem causado a chamada ‘síndrome de Havana’, que se manifestou na forma de tontura, visão turva, perda de memória e dificuldade de concentração.

Entre 2016 e 2018, funcionários norte-americanos e canadenses relataram de forma genérica ter sofrido lesões neurológicas na ilha, o que levou as duas embaixadas a reduzir seu pessoal. O governo de Trump responsabilizou o governo de Cuba por esses efeitos, fato que deu início a uma crise diplomática.

O Jason Group, uma organização independente de cientistas que assessora o governo dos Estados Unidos desde a Guerra Fria, realizou um estudo em 2018 que aponta insetos, particularmente os grilos, como a fonte da misteriosa síndrome. Porém, até agora os resultados da pesquisa tinham ficado sem divulgação.

O relatório, obtido pelo BuzzFeed News por meio de uma solicitação da Lei de Liberdade de Informação, foi originalmente classificado como “secreto”. Concluiu que os sons que acompanham pelo menos oito dos 21 incidentes originais da ‘síndrome de Havana’ foram “muito provavelmente” causados por insetos. Essa mesma revisão científica também considerou “altamente improvável” que micro-ondas ou feixes de ultrassom, narrativa até agora amplamente defendida por funcionários do governo dos Estados Unidos para explicar os ferimentos, estivessem envolvidos nos incidentes.

No estudo divulgado agora, os cientistas analisaram pelo menos oito “gravações de áudio e vídeo de sons de alta frequência captados pelos funcionários dos EUA”, examinando ao mesmo tempo os relatos pessoais dos diplomatas e suas informações médicas.

“Nenhuma fonte única plausível de energia [nem rádio/micro-ondas, nem sônica] pode produzir tanto os sinais de áudio/vídeo gravados quanto o efeito médico relatado. Acreditamos que os sons gravados são de origem mecânica ou biológica, em vez de eletrônica […]. A causa mais provável é o grilo de cauda curta das Índias”, afirmou a pesquisa.

A explicação que apontava os grilos como origem do problema já foi exposta em sua época, embora o governo dos Estados Unidos a tenha descartado com base em outro relatório médico encomendado pelo próprio Departamento de Estado e publicado por um painel das Academias Nacionais de Ciências que, no ano passado, apontava ainda para a teoria das armas de micro-ondas.

Há apenas algumas semanas, a Academia Cubana de Ciências apresentou um relatório técnico sobre o assunto que concluiu que esses supostos ataques sônicos eram cientificamente inaceitáveis.

“A narrativa dessa síndrome misteriosa sobreviveu devido a um uso tendencioso da ciência, em que as opiniões divergentes foram suprimidas e as ‘evidências’ publicadas foram selecionadas para reforçar uma narrativa falsa e não científica. Devemos explorar explicações mais simples e menos esotéricas para chegar à verdade”, concluiu.

Os resultados do grupo Jason são divulgados logo após a Câmara dos Deputados dos EUA ter aprovado um projeto de lei para compensar financeiramente funcionários do governo norte-americano que estejam sofrendo com esse problema.