Estudo na UERJ antecipou análise do Le Monde com conexão EUA-Lava Jato
Pesquisa de Pedro Fernandes apresentada em dezembro analisou a estratégia do governo americano para resolver problemas de concorrência internacional de empresas americanas e brasileiras usando práticas de combate à corrupção em conluio com Sérgio Moro e o Ministério Público.
No dia 11 de abril, o jornal francês Le Monde teve acessos a documentos que revelam a conexão direta entre a Operação Lava Jato o Departamento de Estado dos Estados Unidos, com o objetivo de reduzir a importância de grandes empresas brasileiras na competição com os players americanos. A reportagem confirmou a hipótese levantada por observadores da “maior operação contra a corrupção do mundo”.
Já em dezembro, durante o 44º. Encontro da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), o doutorando em Ciência Política, Pedro de Araújo Fernandes (IESP-UERJ), também apresentava os elementos que relacionam os resultados drásticos para as empresas brasileiras, a trocas de informações entre Brasil e EUA. Os dados crescentes de influência de empresas nacionais como a empreiteira Odebrecht ou a Petrobras, e queda acentuada da inserção internacional de empresas americanas, com subsequente inversão de curva após a operação policial e judicial brasileira, também ajudam a compreender o fenômeno.
Fernandes já vinha estudando a judicialização da política em seu mestrado em Direito pela PUC-RJ, em 2017, quando analisou o protagonismo do STF no Impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Atualmente é doutorando em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e integrante do Núcleo de Pesquisas em Direito e Ciências Sociais – Deciso e do Grupo de Estudos de Economia e Política – GEEP. Ainda em 2018, o pesquisador lançou o livro “A toga contra o voto – O STF no impeachment da presidente Dilma”, pela editora Appris.
Na pesquisa apresentada no final do ano passado, a combinação entre geopolítica internacional e a análise jurídica se articulam para mostrar que a transição entre o fim da chamada “onda rosa” de governos progressistas que tomou a América Latina, no final dos anos 1990 e início do século XXI, e os “neogolpes” que se espalharam pelo continente têm como intermediária operações anticorrupção e judicialização política. Esta por sua vez, revela indícios claros de participação do governo americano para garantir resultados favoráveis a suas empresas, como revela a reportagem do Le Monde sobre o caso brasileiro.
Pedro argumenta que a Lava-Jato é produto do cruzamento entre uma trajetória global de formação de um sistema internacional anticorrupção com uma trajetória doméstica de autonomização e politização das instituições judiciais de controle, em especial do Ministério Público. Ele demonstra que a estruturação deste regime está ligada a considerações de ordem comerciais e geopolíticas por parte dos Estados Unidos e que isso se conecta a efeitos políticos e econômicos da Operação no continente.
A pesquisa levantou hipóteses que relacionam o uso político do direito em países sul-americanos com uma estratégia de reafirmação da hegemonia dos EUA na região, sem que fosse preciso recorrer a um conflito aberto ou ao apoio a regimes explicitamente autoritários.
O texto apresentado em Congresso começa mostrando como a “onda rosa” cobriu grande parte do continente por meio de eleições que escolheram partidos de esquerda ou progressistas, que inverteram o jogo econômico neoliberal que tentava se impor, e criaram uma contra-hegemonia dos EUA na região. O movimento coincide com a operação americana de combate ao terrorismo e a profunda crise em que entravam as empresas americanas no período. Com isso, a articulação internacional de operações anticorrupção é feita sob a sutil coordenação americana do combate ao terrorismo, como revelam as frequentes reuniões do juiz Sergio Moro com o Departamento de Estado dos EUA.
A Foreign Corruption Practice Act (FCPA) nos EUA passou a punir tanto ou mais empresas estrangeiras que americanas, sendo que as sanções na casa dos milhares de dólares, sobem aos milhões, conforme entram como réus Odebrecht e Petrobras. O modelo de combate à corrupção adotado no Brasil foi estruturado em torno de institutos como a “colaboração premiada”, “responsabilização da pessoa jurídica”, o “compliance” e o “acordo de leniência”, previstos em normas estabelecidas em convenções internacionais no âmbito da OCDE, ONU e OEA e inspiradas no padrão americano.
O dilema era que as empresas americanas de defesa, aeroespacial e infraestrutura estavam submetidas a esses padrões rigorosos de vigilância sobre pagamento de propinas, e perdiam concorrência para países que não adotam o mesmo rigor. Think tanks americanos, centros de pensamento estratégico, passaram a financiar eventos e agentes jurídicos brasileiros, como o juiz Sérgio Moro, assim como Ongs de combate à corrupção, contribuindo para a proliferação de práticas e mobilização anticorrupção em países latino-americanos.
Os procuradores Deltan Dallagnol e Carlos Fernando Lima cursaram mestrado em Harvard e Cornell, o primeiro com pesquisa sobre provas circunstanciais no processo penal, e o segundo com pesquisa sobre crimes financeiros. Sergio Moro cursou o programa de instrução de advogados da Harvard e integrou um programa de treinamento de combate à lavagem de dinheiro coordenado pelo US Department of State (DoS) chamado “Bridge Projects”. De acordo com um documento interno do governo norte-americano vazado no Wikileaks, este programa, que contou com a presença de membros da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário, era parte de uma estratégia para o combate ao terrorismo no Brasil. Sergio Moro é o único participante nominalmente citado no documento.
Abaixo, tabela com punições americanas a empresas estrangeiras sob a acusação de pagamento de propinas:
A internacionalização dos mecanismos anticorrupção americanos passa a ser implantada por meio de operações como a Lava Jato, com o agravante do clima persecutório, politicamente polarizado e em benefício de empresas dos EUA. A sanção econômica e a prisão de agentes diretos de corrupção são insuficientes no Brasil, resultando em condenações que impedem a atuação das empresas, levando-as à bancarrota.
(Por Cezar Xavier)