Os trabalhadores do setor portuário se manifestaram contra o governo da França depois que o presidente Emmanuel Macron impôs a primeira aprovação da reforma da Previdência através de um decreto draconiano – com base no artigo 49.3 da Constituição do país –, que permite declarar aprovado um projeto de lei, depois de autorizado pelo conselho de ministros, sem votação no parlamento, desde que não seja barrado por uma moção de censura. Ou seja, sem considerar as emendas apresentadas pela oposição, sem qualquer discussão, e contra a opinião majoritária da população.

Estivadores e agentes portuários entraram em greve na quarta-feira, 4, nos portos de Nantes, Rouen, Marselha, Le Havre e La Rochelle, sob direção da Federação Nacional de Portos e Cais e da Confederação Geral do Trabalho, CGT. “Consideramos que este é um projeto de lei que só resultará em mais horas de trabalho para nós e pensões mais baixas”, assinalou o Secretário Geral da CGT, Serge Coutouris. Toneladas de mercadorias ficaram paradas causando problemas em vários setores. “Estamos prontos para continuar parados durante vários meses”, disse o sindicalista expressando a determinação dos trabalhadores e adiantando que se avizinham novos atos de protesto em toda a França.

Aplicando o polêmico artigo constitucional com o qual conseguiu evitar o debate, o governo conseguiu que passasse o projeto na Assembleia Nacional após sobreviver a duas moções de censura. Agora a lei precisa ser aprovada em segunda instancia na Câmara dos Deputados e, depois, irá para o Senado. O projeto pretende substituir os 42 regimes especiais existentes por um sistema de aposentadoria universal por pontos que tenta impor pensões menores e aumentar a idade da aposentadoria para 65 anos ou mais, impondo uma idade que tanto vale para um servidor que trabalha em um escritório como para os do corpo de baile do Opera de Paris ou para os que trabalham em processos de níveis elevados de poluição ou periculosidade.

O primeiro ministro Edouard Philippe usou uma reunião de emergência pela propagação do coronavírus para anunciar que o gabinete tinha decidido o uso do artigo constitucional 49-3. E justificou a utilização dessa regra dizendo que havia “obstrução da esquerda radical”, que tinha apresentado milhares de emendas para retardar o processo.

A França está convulsionada há cerca de três meses pelos cortes que Macron pretende impor e chama de “reforma” da Previdência para beneficiar bancos e filiais seguradoras, com as centrais e entidades advertindo que não desistirão até que o governo retire seu projeto.  72% da população é contra, de acordo com a pesquisa de opinião BVA, que obteve resultado semelhante a diversas outras empresas de pesquisa e estatística.

Na madrugada de quarta-feira, antes que se realizassem as votações, a Assembleia foi uma batalha campal, denunciou o deputado e líder do movimento França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon. Houve fortes discussões e acusações cruzadas entre defensores e críticos do projeto em torno da validade ou não da aplicação do artigo 49-3.

Sindicatos de outras categorias também prometeram somar-se ao plano de luta dos portuários. Desta maneira, as greves que começaram em dezembro último serão retomadas. No fim de ano, a reforma da Previdência, uma das medidas importantes do programa eleitoral de Macron – prometendo melhorias, claro -, provocou a greve mais longa da história recente da França. No momento chave da mobilização, houve até 1,8 milhões de manifestantes nas ruas, segundo informações da CGT. Para os sindicatos a nova lei para a aposentadoria significará a perda de direitos adquiridos. Já o governo diz que o novo sistema será “mais justo e mais simples”.