Estagflação assombra Europa; UE discute embargo do petróleo russo
Enquanto o índice de inflação na zona do euro batia novo recorde em março, a 7,5% em ritmo anual (a meta de inflação é de 2%), a Comissão Europeia anunciou na quarta-feira (4) seu sexto pacote de sanções contra a Rússia, cujo elemento central é o anúncio de embargo ao petróleo russo dentro de seis meses.
Os 7,5% de inflação são o maior nível já registrado pela agência europeia de estatísticas (Eurostat) desde que começou a medir os preços ao consumidor em janeiro de 1997, o que se atribui especialmente à disparada dos preços de petróleo, gás e energia. Em fevereiro, a inflação subira para 5,9%. O pacote de sanções deverá ser decidido até 9-10 de maio.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reagiu ao anúncio, advertindo que para os cidadãos europeus o custo das sanções anti-Rússia “aumentará a cada dia”.
Ele acrescentou que o Kremlin está acompanhando de perto os planos da Comissão Europeia de banir as importações de petróleo da Rússia e está preparando suas alternativas.
Sobre as sanções, ele reiterou a “americanos, europeus e outros países – esta é uma arma de dois gumes, ao tentar nos causar danos, eles também têm que pagar um alto preço”.
Alta de 44% nas tarifas de energia em março
As tarifas da energia aumentaram 44,7% em ritmo anual em março na zona do euro, após a alta de 32% em fevereiro. O aumento dos preços dos alimentos acelerou no mês passado, a 5%, contra 4,2% em fevereiro. O ministro da Economia da Alemanha, o verde Robert Haneck, chegou inclusive, diante das pressões de Washington e Bruxelas para embargar o gás russo, a advertir que “a paz social” estaria ameaçada.
“Será uma proibição completa da importação de todo o petróleo russo: fornecido por mar e oleodutos, produtos brutos e refinados. Garantiremos a eliminação gradual do petróleo russo de maneira ordenada para que nós e nossos parceiros possamos fornecer rotas alternativas de abastecimento e minimizar o impacto nos mercados globais. É por isso que, dentro de seis meses, interromperemos gradualmente o fornecimento de petróleo bruto da Rússia e antes do final do ano e produtos refinados”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
O sexto pacote também desconecta o Sberbank do sistema de pagamento global SWIFT, determina a censura a três canais russos estatais e institui sanções pessoais contra militares russos e até contra o líder da Igreja Ortodoxa Russa, patriarca Kirill.
Em 2020, a Rússia foi responsável por um quarto de todo o petróleo importado pela UE, de 3 a 3,5 milhões de barris de petróleo russo por dia. “Nosso objetivo é simples: devemos quebrar a máquina militar russa”, disse o chefe do Conselho Europeu, Charles Michel, um belga que é um entusiasta da dependência a Washington.
Desnazificação e desmilitarização
A Rússia, depois de aguardar por oito anos que Kiev cumprisse os acordos de Minsk para reintegração pacífica das repúblicas que se rebelaram contra o golpe de estado de 2014, e exigiam autonomia e direito à própria língua, o russo, inscritos na constituição, lançou uma operação militar especial para deter a iminente limpeza étnica no Donbass, após reconhecer o direito à autodeterminação dessas repúblicas.
Moscou também exigiu que a Ucrânia mantenha o status de país neutro, sem armas nucleares e sem bases estrangeiras, bem como a supressão dos nazistas instalados pelo golpe de 2014 nas entranhas das instituições ucranianas. Em dezembro a Rússia tinha dirigido propostas de restauração da segurança coletiva e indivisível na Europa, que foram ignoradas por Washington e pela OTAN.
Sem consenso
Até o dia 9, Bruxelas precisa convencer todos os 19 países da zona do euro de que podem sobreviver ao embargo ao petróleo russo, mas nem todos concordam até aqui. “Nossa posição é simples. A segurança energética da Hungria não deve ser comprometida, e ninguém pode exigir que transfiramos o custo da guerra (na Ucrânia) para os ombros dos húngaros. A economia do país não pode funcionar fisicamente sem o petróleo russo”, disse o ministro das Relações Exteriores da Hungria, Peter Szijjártó. 85% do gás e 60% do petróleo em seu país vêm da Rússia.
O ministro da Economia da Eslováquia, Richard Sulik, lembrou que a única refinaria do país foi construída especificamente para o petróleo russo, e o reequipamento tecnológico da empresa “levará anos”.
O ministro da Economia alemão, Habeck, disse que seu país estava pronto para concordar com o embargo depois de se preparar para isso. “Precisamos de semanas ou meses para fazer toda a preparação técnica. Precisamos encontrar navios que possam transportar petróleo de oeste para leste, preparar portos e oleodutos”, explicou.
Ainda mais direto, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, em uma carta a von der Leyen, reiterou que “nem a Hungria nem a UE como um todo estão prontas para aceitar e implementar as medidas propostas pela comissão. As sanções devem ser adotadas em um momento em que todas as pré-condições necessárias sejam cumpridas em todos os países membros”, segundo o jornal Financial Times.
Entre os países que estão pleiteando mais tempo, estão, segundo a mídia, também a República Checa e a Bulgária.
Opep: impossível substituir
Para o secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Mohamed Barkindo, é impossível substituir o petróleo russo. “Obviamente, a exportação de petróleo e derivados russos no total de mais de 7 milhões de barris por dia não pode ser tirada de outro lugar, simplesmente não há capacidade livre. Sua perda potencial devido a sanções ou restrições voluntárias será definitivamente sentida pelo mercado de energia”.
Industrialistas alemães – no que são apoiados pelos sindicatos – alertam que boicotar o petróleo russo será um tiro no pé para a competitividade alemã; o embargo ao gás russo seria um tiro na cabeça. O próprio primeiro-ministro Olaf Scholz alertou sobre “milhões de desempregados e milhares de fábricas fechando”.
Mas são autoridades de seu governo que asseveraram que, em poucos meses, conseguiram reduzir a participação do petróleo russo em seu consumo de 35% para 12% (de 53% para 35% no caso do gás), mas quanto tem no real em matéria de petróleo russo recém batizado ainda está para ser entendido.
A Rússia está rapidamente aprendendo os meandros da ‘via iraniana’ de exportação de petróleo e já estabeleceu sigilo de todos os dados possíveis sobre produção e exportação de petróleo e petroleiros russos vêm regularmente desligando transponders e, portando, ficando ‘invisíveis’ ao monitoramento.
Segundo o jornal russo Vzglyad, está se formando um mercado opaco: o petróleo está deixando cada vez mais os portos russos sem especificar um destino específico. Mais de 11,1 milhões de barris foram carregados em navios-tanque não roteados em abril, mais do que qualquer outro país, observa o WSJ. Assim, cerca de 40% do fornecimento de petróleo russo em abril foi para “destinos desconhecidos”, registra o jornal.
Dois esquemas “cinzas” estão sendo praticados para entregar petróleo russo a compradores europeus, afirma Igor Yushkov, especialista do Fundo Nacional de Segurança Energética. O primeiro: um navio-tanque no Mar Báltico desliga o transponder e vai para o porto russo de Ust-Luga ou Primorsk. Ele carrega petróleo russo lá e vai para o mar, onde um navio-tanque maior o espera, onde o petróleo russo é recarregado. Em seguida, o navio-tanque retorna ao seu ponto original e liga o transponder, ou seja, reaparece no radar.
“Oficialmente, o navio-tanque, como estava no meio do Mar Báltico, permaneceu lá, apenas desligou temporariamente o transponder. Mas, na verdade, ele fez uma viagem para buscar petróleo em um porto russo”, diz Yushkov.
O segundo esquema, diz o especialista, é semelhante. Neste caso, o petroleiro não se esconde quando entra no porto russo e sai (já com petróleo russo). Ele faz isso com o transponder ligado, seus movimentos podem ser rastreados em sites especializados. Mas este petroleiro simplesmente não sinaliza um destino específico. Em alto mar, ele desliga o transponder, se aproxima secretamente de um navio-tanque maior, no qual recarrega o petróleo russo. Que dali segue para os portos europeus.
Para o especialista russo, o dano do embargo será “desagradável, mas não letal”. Na verdade – assinala -, não se trata de uma redução nas exportações russas de petróleo, mas de uma redistribuição global do mercado mundial de petróleo lançada pela Europa.
“De fato, haverá uma troca de mercados de vendas entre a Rússia e outros fabricantes, em particular os países do Oriente Médio (Arábia Saudita, Iraque e outros). Iremos para os mercados asiáticos e, em vez de nós, os fornecedores do Oriente Médio virão para a Europa”, explica Yushkov. É o que já está se vendo, por exemplo, em relação à Índia.
Há também a questão tecnológica. Várias refinarias europeias foram erguidas para usar petróleo russo. Claro que, teoricamente, a Europa pode encontrar petróleo da mesma qualidade e estrutura de outro país e nos mesmos volumes, mas na prática isso é impossível – simplesmente não há no mercado.
Portanto, a UE terá duas opções. “A primeira é comprar imediatamente produtos petrolíferos acabados da mesma Índia ou China (produzidos a partir do petróleo russo). A segunda é importar petróleo russo na forma de misturas (onde sua participação será condicionalmente de 49%, após o que não será mais formalmente considerado russo)”.