Esse amor louco por Maradona
Os filhos que deixou pelo mundo e os que tem aqui mas não podem ser vistos pelos enredos que o ídolo monta podem ser a característica mais marcante do amor feminista, embora não seja a única. Mas a paixão não acaba e a polêmica se coloca aqui: é preciso perfeição para se apaixonar?
Por Natu Maderna (*)
“Com um chute, fui do Fiorito para o topo do mundo e lá tive que consertar sozinho”, declarou Diego Armando Maradona há 20 anos. Hoje, quarta-feira, 25 de novembro, ele morreu aos 60 anos.
Há quase um mês, em seu aniversário, Natu Maderna se perguntava por quanto tempo nós feministas vamos continuar driblando o debate sobre Maradona?
Por que é tão difícil para nós analisar um dos maiores ícones populares argentino, como Diego? Onde está o problema? Onde a discussão está ancorada?
Nos últimos 5 anos, em várias ocasiões, tentei levantar o debate entre colegas feministas e algumas delas, também jogadoras de futebol. Não consegui.
Uma das questões desencadeadoras poderia ser: você pode ser feminista e uma maradonista?
Há muito “endurecido” dentro dos feminismos para abrir o debate? Como ativista feminista, sou a favor de dar todas as discussões para nos enriquecermos a partir do debate de ideias, da circulação de opiniões. Nos enriqueceria muito pensar em feminismos que também são maradonistas. Eu me pergunto, o debate é uma dívida dos feminismos do futebol? Ou simplesmente não estamos interessados? Alguns também podem pensar que certas discussões não importam.
Qual é o papel da “moralidade” ao levantar o debate dos feminismos e do “El 10”?
Com o Diego tem de tudo, sempre: classismo, racismo, “o argentino ao pau”, um monte de contradições. Diego é uma de nossas contradições favoritas? Ou uma de nossas contradições permitidas? Maradona é permitido para feministas do futebol?
O lugar a partir do qual escolhemos parar para pensar sobre nós mesmos também é fundamental. Se somos mulheres que gostam e são desafiadas pelo esporte em geral e pelo futebol em particular, o leque de emoções que se colocam em jogo é diferente se “a dinâmica do impensável” não a fizer se apaixonar. Porque obviamente existem mulheres feministas que não são jogadoras de futebol, e aí o debate (e as emoções) não vão querer entender Diego Armando, ícone popular, Diego Armando de alegrias inesquecíveis. Daí a distinção de “feministas do futebol”.
Se focarmos no “classismo”, Diego tem muito a ver com ódio de classe, aquele ícone do autoaperfeiçoamento através do esporte que nunca esqueceu seus fundamentos, suas raízes. Acredito que Maradona nos convida por um lado a aceitar e assumir nossas contradições, mas sem procurar justificá-las. Maradona nunca se esquece de quem era e de como se tornou quem é. Ele nunca negou suas origens, ao contrário. Essa questão popular de classe, não é feminista?
Mónica Santino é ex-jogadora de futebol, ativista feminista com o futebol como bandeira e há mais de 10 anos, junto com Juliana Román Lozano, treinadora do La Nuestra Fútbol Feminista da Villa 31. Mónica se percebe como feminista e maradonista: “ Diego é um dedo na ferida que pode gerar esse amor que muitos de nós sentimos e parece que se você fala bem de Diego justifica sua violência e seu machismo. Não gosto do feminismo que me diz como me comportar, nem o que é punitivo, nem o que pune. Não somos um movimento romântico e existem tensões”.
Você já se perguntou o que aconteceria se Diego cruzasse caminho com feministas e elas pudessem trocar ideias? Eu me inscrevo.
Maradona mudou uma cidade inteira, por que o feminismo vai se afastar de um fenômeno que conseguiu igualar os argentinos em felicidade incomensurável? Eu sou uma feminista, não procuro ser perfeitamente feminista. Não existe feminismo perfeito porque não existe perfeição. El Diego não só não é perfeito, mas Diego é sinônimo de popular. Porque “Diego” é popular. E como é o feminismo ou os feminismos que militamos? Que feminismos queremos? Não é o popular? Não é o dos territórios? Luto por um feminismo sempre próximo aos fenômenos populares.
O que acontece conosco com Diego, pelo menos com as feministas do futebol, é a própria vida. Maradona supera o futebol. Maradona e a seu modo, muito característico mesmo, e com todas as suas contradições, continua a enfrentar os poderosos que desafiam e atacam a maioria dos vilões sem mais armas na mão do que um “dez” na camisa. Maradona é reivindicar, a todo o tempo, o que significa ser jogador de futebol, além do gênero.
Diego assume o cargo de técnico de ginástica em setembro de 2019. Em El Lobo, como em muitos outros clubes (e há cada vez mais), há jogadoras feministas e organizadas que atuam no futebol profissional, dissidente, feminista e federal feminino. As meninas que integram o coletivo Gimnasia es Pueblo também vivenciaram essas contradições: “Não queríamos nos responsabilizar pelas contradições, sempre pedíamos desculpas. O que não queremos assumir? Maradona é um monte de coisas que não gostamos … que não gostamos nele e em muitos outros homens. Problematizar só nele não faz sentido. A batalha está em outro lugar e nós estamos lutando ”.
Quando escrevi para muitas feministas e futebolistas para me ajudar a pensar sobre nosso relacionamento com Diego, a resposta foi “Não tenho pensado muito nisso …” Essa é a ideia, amiga! Vamos começar a pensar nisso! Não é muito confortável driblar a discussão e sair pela tangente?
Estamos com medo? medo de que? Medo do feministômetro? Medo de aumentá-lo? Para ser uma maradonista e uma feminista? Medo de não entrar em uma zona desconfortável de pensamento? Isso seria uma tragédia política! Existem questões ou debates que os feminismos não podem nos entregar? Lamento informar que isso transcende Maradona.
Minha conclusão é que ser maradonista não é trair o feminismo. Eu sou feminista e sou maradonista porque uma coisa não tira a outra. Quase acredito, nesta fase do jogo, que pelo contrário, que ser uma coisa, me faz ser a outra e eles se retroalimentam o tempo todo.
E na dúvida, veja quem são os inimigos de Maradona. Porque quando você vê quem são, eu pelo menos me convenço a cada dia, um pouco mais.
(*) Este artigo foi publicado originalmente em 30 de outubro de 2020, nos 60 anos de Maradona).
Fonte: “Pagina12″; tradução: José Carlos Ruy
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