“Os relatos sobre as ‘garantias dos EUA’ são enganosos", diz Stella Morris, esposa de Assange

Stella Morris, a advogada e companheira do jornalista Julian Assange e mãe de seus dois filhos pequenos, rechaçou a decisão da Suprema Corte britânica de dar aval ao governo Biden para prosseguir com o pedido de extradição, após vagas promessas de Washington. O que os EUA está propondo “é uma fórmula para mantê-lo na prisão pelo resto da vida”, denunciou.

Em janeiro, a juíza do caso, Vanessa Baraitser, apesar de em larga medida acolher as acusações norte-americanas, havia decidido que o fundador do WikiLeaks não pode ser extraditado por motivos de saúde mental, com risco de vida.

Pedido de extradição sob acusação de ‘espionagem’ e hackeamento, que foi apresentado pelo governo Trump, ameaçando Assange com 175 anos de cárcere nos porões da CIA, foi mantido por Biden.

Conforme The Wall Street Journal registrou, a tática agora de Washington foi prometer não colocar Assange em regime de solitária e até, caso este quisesse, o cumprimento da pena poderia ser na Austrália, embora deixando subtendido o descumprimento.

“Os relatos sobre as ‘garantias dos EUA’ são enganosos e preocupantemente acríticos”, assinalou Stella, acrescentando que não se pode esquecer do que se trata: “jornalismo NÃO é crime!”

“Assange não deveria estar na prisão por um dia sequer, não na Inglaterra, não nos Estados Unidos, não na Austrália”, enfatizou.

A companheira de Assange relembrou que 80.000 prisioneiros nas prisões dos EUA são mantidos em confinamento solitário em qualquer dia e apenas um punhado é mantido nas condições especificamente mencionadas nas ‘garantias’.

“O governo dos EUA também diz que pode mudar de ideia se o chefe da CIA o aconselhar a fazer isso assim que Julian Assange estiver sob custódia dos EUA”, advertiu, sobre a seriedade da ‘garantia’.

Quanto à possibilidade de Assange cumprir a pena na Austrália, Stella disse que tais transferências são elegíveis “somente depois que todos os recursos tenham sido esgotados”. “Para que o caso chegue à Suprema Corte dos Estados Unidos, pode facilmente levar uma década, até duas”, denunciou.

“Parece inconcebível que o presidente Biden queira continuar com este caso – porque a liberdade de Julian está associada a todas as nossas liberdades, e nenhuma sociedade democrática pode jamais tornar o jornalismo um crime”, acrescentou a companheira do jornalista que é o preso político mais famoso do mundo na atualidade.

“Se o governo Biden não acabar com isso agora, o caso vai se arrastar nos tribunais enquanto Julian permanece na prisão indefinidamente, não condenado, sofrendo e isolado, enquanto nossos filhos não têm seu pai.”

“O governo dos Estados Unidos deveria ter aceitado a decisão do tribunal de magistrados. Em vez disso, mantém o caso em andamento”, destacou.

Stella acrescentou que o caso está desmoronando porque a principal testemunha do Departamento de Justiça dos EUA, Siggi Thordarson, admitiu que “mentiu em troca de imunidade dos promotores dos EUA”.

“As novas revelações sobre a principal testemunha da acusação confirmam o que todos nós sabemos: que o caso contra Julian foi construído com mentiras”.

Quanto a confiar no apreço de Washington pelo devido processo, isso é contradito por tudo que aconteceu até aqui. “Os advogados de Julian foram espionados. Seus escritórios foram invadidos. Até mesmo nosso filho de seis meses foi visado enquanto estava na embaixada [do Equador], e agora a Suprema Corte limitou os motivos pelos quais eles podem apelar”, acrescentou Stella.

Para ela, o procurador-geral Merrick Garland, que representa Washington, “está com raiva por causa da decisão de usar uma testemunha que cometeu perjúrio para tentar prender Julian e mantê-lo preso.”

Indagada por jornalistas sobre a condição de Assange, que visitara na prisão antes da audiência, Stella disse ele está “muito mal” e descreveu Belmarsh como um lugar horrível. Recentemente, outro preso cometeu suicídio. “É uma luta diária. Ele ganhou o caso em janeiro. Por que ele está na prisão? Por que ele está sendo processado? Não há nenhum processo legal contra ele”, concluiu.

A decisão da Suprema Corte não permite, no entanto, como queria a promotoria e Washington, o questionamento da avaliação médica sobre a situação de Assange.

Desde que, como editor do WikiLeaks, ele revelou em 2010 ao mundo os arquivos dos crimes de guerra dos EUA no Iraque e Afeganistão, o jornalista foi vítima de uma operação de ‘assassinato de reputação’ e perseguido implacavelmente. Precisou pedir asilo à Embaixada do Equador em Londres, foi arrancado de lá e levado para a assim chamada ‘Guantánamo britânica’. Onde se encontra até hoje, depois de anos caracterizados por relatores de direitos da ONU como “equivalentes à tortura”.

Nenhuma data foi imediatamente marcada para uma audiência sobre o recurso, e não estava claro se a Suprema Corte havia considerado o pedido da equipe jurídica de Assange para um recurso cruzado.

Pelo Twitter, o escritor e cineaste John Pilger, repercutiu as declarações de Stella e salientou que os EUA está “claramente ansioso de que poderá não conseguir colocar suas mãos sobre Julian”. Pilger acrescentou que “suas ‘garantias’ provêm de uma máquina de mentiras que dirige um sistema de encarceramento bárbaro e orwelliano”.

CRESCE O CLAMOR POR ASSANGE

A organização Repórteres Sem Fronteiras também exigiu do governo Biden o fim da perseguição a Assange. “Apelamos novamente ao governo Biden para que retire o recurso e feche o caso, e ao Reino Unido para que liberte imediatamente da prisão Assange, cuja sua saúde física e mental permanece em alto risco”, afirmou a diretora de Campanhas Internacionais da RFS, Rebecca Vincent.

“Não é nenhuma surpresa que o Supremo Tribunal do Reino Unido vá considerar o recurso do governo dos Estados Unidos, mas Julian Assange não deveria estar nesta posição em primeiro lugar”, acrescentou Vincent.

“Ele foi alvo de suas contribuições para reportagens de interesse público e sua acusação nos Estados Unidos terá implicações graves e duradouras para o jornalismo e a liberdade de imprensa em todo o mundo”, sublinhou.

Um grupo de médicos que representa mais de 250 profissionais médicos de 35 países escreveu ao presidente Biden, na quarta-feira, instando-o a retirar as acusações contra Assange sob a Lei de Espionagem.

O mesmo pedido foi feito a Biden em carta assinada por 95 deputados gregos, por iniciativa do ex-ministro Yanis Yaroufakis. A carta lembra ao presidente dos EUA que, como vice de Obama, ele decidiu não processar Julian e reitera o pedido de que cesse a perseguição a Assange