Ministro das Comunicações, Fabio Faria

O Grupo de Trabalho (GT) da Câmara dos Deputados, coordenado pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que discute a implantação da tecnologia 5G (Internet de 5ª geração) no Brasil, promoveu uma audiência pública em videoconferência, na quarta-feira (24), sobre geopolítica, segurança nacional e informação, com integrantes do governo federal e especialistas no tema.

A deputada colocou a questão para os debatedores, convidados a falar durante a audiência: “O governo federal estabeleceu como um dos compromissos no edital do leilão do 5G, a exigência de uma rede privativa para o próprio governo federal, para comunicação do governo. Os senhores concordam com essa necessidade em termos de segurança cibernética? Qual o custo estimado de implantação dessa rede privativa e quais são os requisitos necessários de segurança cibernética num país como o Brasil de hoje?”

Os debatedores foram o comandante de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército no Ministério de Defesa, general Ivan de Sousa Correa Filho; o diretor do Departamento de Segurança de Informação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Marcelo Paiva Fontenele; o diretor-presidente da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Waldemar Gonçalves Ortunho Junior; o pesquisador e professor de Geopolítica da Escola Superior de Guerra, Ronaldo Gomes Carmona.

Desde o início do governo Bolsonaro, a questão da tecnologia 5G ficou mais conhecida publicamente pela tentativa de excluir a participação da empresa chinesa Huawei. A política do governo – inclusive explicitada pelo próprio Bolsonaro – era a de conceder o monopólio dos equipamentos da 5G para empresas norte-americanas ou com influência do capital financeiro norte-americano.

Essa intenção provocou o repúdio das próprias operadoras estrangeiras de telecomunicações, pois boa parte da tecnologia atual já tem como base equipamentos produzidos por empresas chinesas. Conceder um monopólio às empresas norte-americanas (e por mera submissão a Trump) significaria jogar fora o equipamento atual para construir redes 5G a partir do zero, ou seja, sem aproveitar o que já existe, que tem origem chinesa.

Porém, após a derrota de Trump nas eleições, o governo recuou dessa intenção – agora, segundo anunciou o ministro das Comunicações, Fábio Faria, no último dia 26, o governo está querendo impedir a Huawei e outras empresas chinesas de participar da rede 5G privativa do governo, mas não da rede 5G em geral do país.

Ainda é um ato de submissão, pois isso significa conceder um monopólio, a uma única empresa ocidental, nos equipamentos da rede privativa do governo.

Assim, no momento, toda a questão sobre a tecnologia 5G no Brasil se concentra nessa divisão entre a rede privativa do governo e a rede (ou as redes) 5G no conjunto do país.

Daí a questão formulada pela deputada Perpétua Almeida.

Segurança

O Comandante de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército do Ministério de Defesa, general Ivan de Souza Correa Filho, respondendo à deputada, afirmou que “a segurança cibernética é apoiada em três pilares principais: confidencialidade, integridade e disponibilidade das informações que estejam num sistema informatizado. A confidencialidade tem muito a ver com a rede privativa do governo – e vem sendo adotada em diversos países”.

“A rede privativa, não só do 5G, não é uma boa prática somente para o governo”, afirmou. “Quando o 5G estiver efetivamente sendo implementado no país, as principais indústrias, as principais instituições, todas devem adotar redes 5G privativas, porque isso traz mais segurança”.

O general Ivan de Sousa citou a Instrução Normativa 04 do GSI [Gabinete de Segurança Institucional] para a administração pública federal, que traz normas mais rígidas de segurança. “A IN-04 traz realmente medidas mais rígidas do que vem sendo adotado no edital do 5G, na portaria do Ministério das Comunicações e na minuta do edital que a Anatel fez as normas de segurança não são tão rígidas quanto as da IN. Isso não está errado, é medida que tem que se tomar para um sistema nacional. As medidas mais rígidas de segurança têm um custo muito elevado, um sistema privativo do governo cabe adotar essas medidas mais rígidas para dar mais segurança para a rede do governo”.

“A confidencialidade e integridade são importantes, mas não são exclusividade do 5G”, disse o general. “O 5G amplifica os problemas que já existem hoje, como os casos de vazamentos de dados da população, do governo e de empresas. O 5G vai piorar a situação e exige uma atenção maior nesse ponto”.

“Dizem que o 4G foi uma revolução para a pessoa física, mudou a vida do cidadão, trouxe todos esses aplicativos, essas comodidades que temos na vida moderna. O 5G está sendo feito para a pessoa jurídica. Ele vai transformar a capacidade, a produtividade das empresas; é inevitável que as empresas busquem o 5G, usem o 5G, e daqui a algum tempo estejam dependentes do 5G”.

Porém, observou o general, com isso, também aumentam os riscos de segurança, por causa “da potência dos ataques que hoje já acontecem. Com o 5G nós vamos ter canais com muito mais capacidade, chegando em muito mais processadores. Então, com a Internet das coisas, hoje a televisão entra no wi-fi, o computador, a televisão, o celular, vão ter milhões e milhões de objetos, de coisas penduradas no 5G. Tradicionalmente, o pessoal que produz esses itens, por uma questão comercial, não gasta muito com segurança, então é tradicionalmente muito fácil se comprometer essas coisas que estão penduradas na Internet. Isso vai dar aos atacantes milhões de processadores para usá-los, por exemplo, num ataque de negação de serviço. Então, o 5G vai potencializar esses ataques. É o primeiro problema, e para isso temos que ter algumas proteções extras na rede 5G para esse tipo de ameaça”.

O general considerou que “o cenário mais grave, talvez mais distante ainda, mas que é possível, é o controle da rede 5G”.

“Se a nossa rede 5G vier com equipamentos, vamos considerar uma situação extrema, em que a rede 5G de um país qualquer, qualquer país, esteja dominada por um único fornecedor de equipamentos e que os equipamentos desse fornecedor venham com uma ‘bomba lógica’ de fábrica, que é tecnicamente muito difícil de ser detectada, esse fabricante poderia dar um comando, a partir do país dele, e travar toda nossa rede 5G”.

“Agora, imagine isso no momento em que toda nossa cadeia produtiva ou parte da nossa cadeia produtiva esteja dependente do 5G”.

“Considero que a rede privativa é uma boa solução, ajuda a proteger o problema da confidencialidade, mas não resolve o problema da disponibilidade da rede caso um fabricante tenha controle da nossa maior parte da rede”, enfatizou o general Ivan de Sousa Correa Filho.

Soberania

O pesquisador Ronaldo Carmona, ao iniciar sua intervenção, disse que “a questão do 5G está muito além de ser um tema essencialmente de natureza técnica, embora também o seja. Ela é uma questão que está afeita não apenas à vida econômica, à atividade social, mas também a questões ligadas ao desenvolvimento, à defesa e à segurança nacional e à própria soberania do Brasil”, afirmou. “Se nós discutirmos apenas o aspecto técnico, talvez deixássemos de considerar essa premissa”.

Para o pesquisador, “a compreensão desse debate não pode cair apenas no aspecto mercantilista. Aqui há questões de salvaguardas de interesse de Estado, que envolvem grandes questões sobre a exigência de 5G por todo território nacional, com faixas de frequência que permitam, por exemplo, faixas específicas para área de segurança nacional e de segurança pública e mesmo a salvaguarda de determinadas áreas de interesse estratégico nacional”.

Segundo o especialista, “hoje se trava uma grande disputa entre as grandes potências em torno do oferecimento desse pacote de quinta geração, e essa disputa tem a ver com o fato do 5G ser a impulsionadora da quarta revolução industrial”.

“Se observarmos as revoluções industriais anteriores, perceberemos precisamente que aquelas potências que tiveram controle dos padrões técnicos e tecnológicos, que conformaram a revolução industrial em curso, inevitavelmente tiveram uma condição diferenciada em termos de poder mundial, se estabeleceram como potências mundiais”, ressaltou, citando a Inglaterra, EUA e a China.

“Essa esfera informacional, que é potencializada pela Internet de quinta geração, trará novos aspectos de segurança, bastante relevantes para o nosso país. Portanto, nós precisamos nos preocupar de uma forma determinante de que maneira essas inovações introduzem novos riscos para a própria estabilidade do poder nacional e para o desenvolvimento brasileiro”, enfatizou Carmona.

“Afinal de contas, a informação é poder. E, certamente, as potências buscam dominar o fluxo de informações para fins do seu próprio poder nacional”.

Para Carmona, é preciso recuperar o tempo perdido e evitar o monopólio.

“O Brasil é um dos maiores países do mundo em termos de capacidade de poder nacional e, portanto, nós precisamos nos preocupar, de uma forma determinante, de que maneira essas inovações introduzem novos riscos para a própria estabilidade do poder nacional e para o desenvolvimento brasileiro. Porque me parece que nós precisaremos recuperar um certo tempo perdido no que diz respeito à nossa capacidade tecnológica de domínio dessas grandes inovações, que estão empacotadas em torno da ideia da quarta revolução industrial. Afinal de contas, hoje o país, basicamente, está dependente da compra de um pacote tecnológico de potências estrangeiras, devido à nossa incapacidade, digamos assim, de desenvolvimento autóctone, e, portanto, nós precisamos, em primeiro lugar, conceder um conjunto de instrumentos que mitiguem essas possíveis intrusões em sistemas de equipamentos a serem adquiridos, venham dos países que vierem”, destacou.

“Nós não podemos correr o risco de cair, digamos assim, nas mãos de um único fornecedor, devido a essa nossa incapacidade de prover a própria evolução tecnológica. Nós precisamos então mitigar essas vulnerabilidades que serão crescentes e impactarão sobre a vida econômica, sobre a atividade humana e sobre a própria soberania nacional”, enfatizou.

Para Carmona, “o aparecimento da rede 5G permitirá uma grande transformação na vida humana, com uma série de inovações para a atividade humana, para a atividade econômica”; mas alertou que a tecnologia traz duplo sentido, citando o lado positivo que a digitalização trouxe para a humanidade no caso da pandemia da Covid-19 e que, por outro lado, trouxe uma série de vulnerabilidades, até para a defesa nacional.

“É importante nós termos consciência de que cada vez mais essa esfera informacional, que é potencializada pela Internet de quinta geração, trará novos aspectos de segurança bastante relevantes para o nosso país. Nós temos visto no ambiente internacional o uso crescente desta massa de dados com fins geopolíticos e geoestratégicos. Eles têm levado desde situações de acusação de manipulações de vontades em torno de situações eleitorais, como de ações em torno da manipulação e da quebra da coesão nacional de muitos grandes países”, lembrou o professor.

Para Ronaldo Gomes Carmona, “a mitigação de vulnerabilidades é prever um conjunto bastante forte,

inclusive no edital deste 5G, de regras anti-monopólio, para buscar estimular – como prevê, inclusive muito positiva a instrução normativa do GSI – que haja uma obrigação dos equipamentos se comunicarem entre si, para que haja redundância de rede”.

“O Brasil também vai precisar tirar proveito do seu mercado interno de 200 milhões de habitantes para desenvolver capacidade própria. Estamos para ingressar na sexta geração e temos que nos antecipar a essa geração”, completou.

Vulnerabilidades

O diretor do Departamento de Segurança de Informação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Marcelo Paiva Fontenele, expôs as competências do GSI, corroborando a preocupação do general Correa Filho com o fluxo de dados nas redes 5G e a segurança da informação.

“Não podemos admitir algum tipo de vulnerabilidade, deliberada ou não, nessa rede 5G que vai estar afetando serviços essenciais à população e também para a sociedade como um todo”, disse Fontenele.

VAZAMENTOS

O diretor-presidente da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Waldemar Gonçalves Ortunho Junior, ressaltou que o evento era “uma oportunidade de refletirmos sobre o 5G e as suas implicações nas diferentes esferas da vida do cidadão e na dinâmica do Estado brasileiro”. Ele citou os grandes vazamentos de dados no Brasil, recentemente, envolvendo praticamente toda a população, o primeiro de 223 milhões, o segundo de 100 milhões das empresas de telefonia.

“A Autoridade vê com uma grande preocupação pela facilidade, pela velocidade de que a rede 5G vai proporcionar a todos. Tem o lado bom, a internet das coisas, mas só nós olharmos pelo lado de um hacker, por exemplo, as suas invasões serão muito produtivas”, disse o dirigente da ANPD. “Com o 5G, a coleta e tratamento de dados vão crescer de forma exponencial para o lado bom, mas também exponencialmente para o lado ruim, até criminoso, como invasões de hackers”.

Ortunho defendeu que as empresas façam um plano de proteção de dados, “independente de quem for o fabricante ou qual componente” e disse que os dados pessoais são de quem o coletou, o vazamento será responsabilidade da empresa e será fiscalizada. “O lado mais fraco é o detentor dos dados e é quem a Autoridade vai proteger, baseada na Lei Geral de Proteção de Dados”.