Uma voz sensata na disputa sobre o papel que o Estado precisa cumprir no enfrentamento da crise, a economista Monica De Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional e professora da Universidade John Hopkins, elevou o tom diante da inércia do governo brasileiro que, segundo ela, se mantém preso a dogmas ideológicos para tomar decisões que afetam quem já está passando fome frente à pandemia do coronavírus.
“Hoje, dane-se o Estado mínimo, você precisa gastar. É preciso é errar pelo lado do excesso não para o lado da cautela numa crise desse tipo”, afirmou ao El País.
Pouco antes da entrevista, o Senado havia aprovado o projeto de auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais – agora já sancionado por Bolsonaro, embora não exista detalhamento ou prazo para o dinheiro chegar à população.  “Tenho algumas críticas, mas isso é menos importante, porque o principal é que saia o pagamento”, afirmou De Bolle. “No entanto, acredito que seja necessário um projeto de lei complementar a esse, ajustando a cobertura do benefício para contemplar mais pessoas e não apenas os trabalhadores informais. No Brasil, há uma quantidade grande de trabalhadores formais cuja a situação é muito precária”, opinou.
Para a economista, a insistência do governo em estipular três meses prorrogáveis de pagamento representa a resistência em reconhecer que a crise vai ser mais longa: “Jair Bolsonaro resiste em reconhecer que a crise vai ser mais longa do que três meses, porque isso vai de encontro com a narrativa a que ele se agarrou de que isso é uma crise de curto prazo, que vai acabar logo. Mas todo mundo já sabe que ela será mais longa, então é uma postura anacrônica”.
“Para esses microempresários, é necessária uma ação parecida com a renda mínima. O Tesouro dá dinheiro diretamente para essas empresas com uma contrapartida de manutenção de emprego, dá para monitorar. Além disso, o microempresário muitas vezes é uma pessoa só, não é questão de manutenção de emprego é de sobrevivência dessas pessoas”, enfatizou.
“O Paulo Guedes está completamente despreparado neste momento para enfrentar essa crise. A letargia e a inércia já demonstram isso. A incapacidade de largar os dogmas ideológicos que ele tem, como o Estado mínimo, o Estado que não pode gastar, é completamente inapropriada para esse momento”, criticou a economista, que insistiu no despreparo do ministro ao ser perguntada sobre a live em que o ministro da Economia aparece tranquilizando o mercado.
“O mercado tem o auxílio do Banco Central, não é hora do ministro da Economia ficar falando com o mercado, fazendo live para o mercado. O que que é isso? Ele deveria estar pensando em como implementar a renda mínima, como fará a distribuição dos 600 reais para as pessoas elegíveis a receber. Como ele vai fazer para lidar com as diferentes áreas de atuação e planos de ação para as empresas e os planos de manutenção de empregos. Quanto realmente ele vai destinar para o Sistema Único de Saúde (SUS). A calamidade está decretada. A lei de responsabilidade já dá a flexibilidade necessária. Ele já tem tudo que precisa para agir, ele não precisa de mais nada, precisa de agir, mas perde tempo com o mercado fazendo conferência, numa situação de absoluta emergência onde as ações são necessárias para ontem”.
De Bolle, assim como outros economistas – incluindo os mais liberais – afirma que o modelo a ser seguido é o de outros países, que estão desembolsando em média 20% do valor de seus PIBs (Produto Interno Bruto) para enfrentar a pandemia. “Este momento é de emitir dívida”.
“Acho que há um consenso de alguns pilares. É preciso dinheiro para o SUS; verbas para as micro e pequenas empresas no esquema de renda mínima, onde você tem como contrapartida não demitir funcionários. Eu calculei 30 bilhões de reais. Renda mínima para os 77 milhões do cadastro único com o esforço de recadastramento para alcançar umas 100 milhões de pessoas, já que sabemos que atualmente temos cerca de 50% a 60% da população em situação de vulnerabilidade. Quarto pilar, a proposta do Armínio Fraga [economista e ex-presidente do Banco Central] para empresas de maior porte que poderiam receber recursos de bancos públicos, onde o crédito está atrelado à manutenção do emprego”.