Sánchez e Iglesias já se reuniram e pactuaram as bases do novo governo

A ascensão dos extremistas do Vox como a terceira força do parlamento -, o líder dos socialistas espanhóis Pedro Sánchez, em um recuo do hegemonismo que prevaleceu desde abril, anunciou, ao lado do líder da coalizão Unidas Podemos (UP), Pablo Iglesias, a formação de um governo das forças democráticas para “frear a extrema-direita”.

Em abril, ao vencer com 123 cadeiras, ao mesmo tempo em que a UP alcançava 42 e a direita tradicional despencava para 66, o sucesso lhe subiu à cabeça e não houve jeito de fazer Sánchez mudar de ideia, apesar de todos os esforços da UP.

Note-se que o sucesso da “geringonça” no vizinho Portugal, que permitiu uma ação concertada dos setores democráticos mais avançados, com base na superação dos aspectos mais nefastos do arrocho da Troika, constituía um alento para que algo fosse viabilizado.

Também a ascensão, por toda a parte, na Europa de partidos com tons fascistas, ao que se somava na Espanha a crise da Catalunha, desaconselhavam prepotências.

Mas Sánchez preferiu convocar novas eleições sete meses depois, o que mais tarde foi ironizado pelo líder da direita tradicional (‘populares’), Pablo Casado, como o “referendo” que “fracassou”.

Nas eleições de “10-N”, o PSOE venceu, mas basicamente se manteve aonde estava, com 120 deputados, três a menos do que na eleição de abril, e de novo sem maioria para governar sozinho.

Com um efeito colateral: no clima de enorme histeria e polarização na Espanha com relação à questão catalã e à condenação dos líderes independentistas a pesadas penas, além da xenofobia contra imigrantes que aflige a Europa inteira, o Vox inchou de 24 para 52 mandatos.

Em grande medida graças ao colapso do partido de centro-direita Cidadãos, que entrou em colapso e definhou de 57 para 10 deputados. O Partido Popular parcialmente se recuperou do vexame de abril e aumentou de 66 para 89 deputados.

Com o PSOE basicamente aplicando a política de intransigência do PP sobre a questão catalã, tratada com prisões, condenações e repressão policial, a opção de Sánchez acabou gerando um quadro muito mais complexo e tenso na Espanha, que agora busca consertar aceitando a aliança que recusou reiteradamente.

Resumo da ópera: a diferença entre os dois campos, o dos anti-franquistas e o dos herdeiros do franquismo em maior ou menor grau, em sete meses encolheu para apenas cinco cadeiras, e se tornou ainda mais dependente do apoio dos partidos autonomistas regionais.

PP e Cidadãos podem se ver tentados a dar uma fachada de legitimidade ao extremismo, chauvinismo grão espanhol e xenofobia do Vox, cujo sucesso o ‘fratello’ Matteo Salvini já festejou.

“NECESSIDADE HISTÓRICA”

Quadro que levou Iglesias a apontar, imediatamente após a apuração concluída, que “se depois de abril era uma oportunidade histórica, agora é uma necessidade histórica”.

Ao lado do líder da Esquerda Unida, Alberto Garzon, em nome da coalizão Unidas Podemos, ele conclamou Sánchez a por as diferenças de lado e conduzir à formação de um governo das forças democráticas para “frear a extrema direita”.

A UP, que é constituída pelos comunistas e aliados da Esquerda Unida, mais o Podemos, o partido que surgiu das manifestações dos “Indignados” contra o arrocho da Troika, além de ecologistas e outras pequenas agremiações, conquistou agora 35 deputados.

A radicalização da questão catalã traz embutida o estrago produzida pelo arrocho da Troika. Foi exatamente a exacerbação do neoliberalismo, assim como as manobras do PP que derrubaram na Corte Constitucional avanços já conquistados na autonomia, que acirraram o problema histórico.

A Espanha é um país multinacional, com diversos povos e idiomas, e essas questões não podem ser rebaixadas a caso de polícia ou de extradição de líderes no exílio.

Sánchez e Iglesias já se reuniram e pactuaram as bases do novo governo, que para ser formalizado precisa de 176 votos no parlamento. Trocaram cumprimentos e abraços e esboçaram dez pontos de programa visando atrair outras forças democráticas.

Antes de chegar a esse (provável) final feliz, Iglesias comentou que “35 deputados não entravam nos cálculos daqueles que convocaram as eleições. Estamos satisfeitos de seguir sendo uma força decisiva para formar um governo”.

Apesar de sugerir que as “recriminações” mútuas fossem evitadas, o dirigente da UP assinalou que as eleições de novembro “serviram para que a direita haja se reforçado e para que a Espanha tenha um dos partidos de extrema-direita mais fortes da Europa”.

Ainda, em relação à agora superada resistência de Sanchéz em aceitar ministros do Unidas Podemos em abril, ele não resistiu e cutucou: “com mais de 50 deputados do Vox, se dorme pior que com ministros do Unidas Podemos”.