A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, conclamou à chamada de volta do parlamento britânico

O fechamento do parlamento britânico por cinco cruciais semanas na reta final do Brexit foi considerado “ilegal”, “nulo” e “sem efeito” pelo Supremo Tribunal Civil da Escócia na quarta-feira (11), aumentando a pressão sobre o governo de Boris Johnson, que suspendeu os trabalhos legislativos até 14 de outubro sob protestos da oposição, culminando uma semana só de derrotas (seis), perda da maioria e até expulsão de 21 deputados do partido governista.

A decisão, sobre a qual ainda há recurso, levou a oposição a exigir a imediata reabertura do parlamento britânico e a renúncia do primeiro-ministro por “enganar a rainha”. A questão agora irá ao Supremo Tribunal do Reino Unido, na terça-feira (17). 30 deputados se reuniram diante do parlamento em Londres para exigir que o legislativo volte a atuar já: “estamos aqui, estamos prontos para trabalhar”. Adeptos do Brexit sem acordo – que sem a menor cerimônia tem se revelado um ‘Brexit para o colo de Trump’ – ficaram possessos com a sentença.

Impetrada por 78 deputados, a ação denunciou que o verdadeiro objetivo do inusitado fechamento do parlamento no momento da maior crise do país em décadas foi de impedir a atuação dos deputados para barrar um ‘Brexit sem acordo’ e evitar prestar contas ao legislativo sobre as negociações com Bruxelas, ao contrário da cínica ‘justificativa’ dada por Johnson.

A denúncia foi acolhida por unanimidade, com os três juízes, encabeçados por Lorde Carloway, decidindo que a prorrogação [termo legal para o fechamento temporário] foi imposta para “prevenir ou impedir o parlamento de legislar sobre o Brexit” e para “permitir ao executivo seguir uma política de Sem Acordo, sem qualquer interferência parlamentar”, revogando sentença preliminar, em instância inferior, que dizia que não cabia ao judiciário se manifestar.

Como assinalou Carloway, embora em situação de rotina essa questão não seria apreciada por uma corte, passa a ser quando as circunstâncias e os documentos apresentados demonstram o propósito do governo de “bloquear o escrutínio do executivo pelo parlamento, que é o pilar da democracia e do estado de direito” e ser essa “a verdadeira razão para a prorrogação”.

Documentos apresentados demonstraram que Johnson discutiu a suspensão do parlamento semanas antes de formalmente pedir isso à rainha.

Trata-se de “um caso flagrante de uma clara falha no cumprimento de padrões geralmente aceitos de comportamento das autoridades públicas”, assinalou o juiz Philip Brodie. “A única inferência que pode ser feita é que o governo do Reino Unido e o primeiro-ministro desejavam restringir o Parlamento”, acrescentou.

Por determinação do juiz James Drummond Young, a corte declarou que “o conselho do Primeiro Ministro a HM (Sua Majestade) a Rainha e a prorrogação que se seguiu foram ilegais e, portanto, nulas e sem efeito”.

Quanto às circunstâncias, é o que não falta: colapso do governo, com o partido desidratado; fechamento, com discurso real, implicando em que o parlamento só voltaria a discutir o acordo de Brexit após a cúpula da União Europeia que decidirá, pelo lado europeu, a questão, já que volta no dia 14, discute discurso por mais seis dias, aí já é dia 20, e a cúpula foi 17-18 de outubro. Um governo de minoria decide, sozinho, a questão mais divisiva da sociedade britânica em décadas.

A sentença também deixa implícita a má-fé de Boris Johnson, cujo conselho à rainha para que assinasse a suspensão do parlamento por cinco semanas foi visto como uma violação “do princípio da boa governança, consagrado na Constituição, que se segue do princípio da democracia e da regra da lei”.

“Você não pode infringir a lei com impunidade, Boris Johnson”, disse Joanna Cherry, parlamentar do Partido Nacional Escocês que encabeçou o questionamento legal. “Estamos pedindo que o parlamento seja convocado imediatamente”, disse ela à Sky News após o veredicto.

Em nome dos trabalhistas, o deputado Keir Starmer, secretário do partido para as questões do Brexit, instou o governo Johnson a convocar “imediatamente” os deputados a Westminster “para poderem decidir o que fazer”.

Aplaudindo a sentença, Starmer acrescentou que “era óbvio para todos que a suspensão do parlamento neste momento crucial era uma decisão errada” e que o primeiro-ministro “não estava falando a verdade sobre o porquê do que estava fazendo”. “A ideia de suspender o parlamento ofendeu todos no país inteiro”, reiterou.

O ex-ministro da Justiça, o conservador Dominic Grieve, exigiu que Boris Johnson se demita por ter enganado a rainha ao pedir a suspensão do parlamento britânico. Expulso do partido por ordem de Johnson, por ter votado contra ele, Grieve disse que a situação do primeiro-ministro está se tornando insustentável. “Qualquer membro que acredita na nossa Constituição diria simplesmente ‘acabou’”, afirmou. Para ele, o parlamento deve regressar imediatamente para retomar os trabalhos nas próximas 24 horas.

Mesma posição da primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, que conclamou à chamada de volta do parlamento britânico de pronto, “para permitir que o trabalho essencial de escrutínio [do executivo] continue”.

O questionamento da isenção dos juízes escoceses no julgamento, de setores do governo Johnson ou porta-vozes informais, foi repudiado por ela como “lamentável, patético e desesperado”.

Por sua vez os liberal-democráticos, partido pró-União Europeia e anti-Brexit, consideraram “vergonhoso” o comportamento de Johnson ao longo de todo o processo. Para o deputado Ed Davey, caso se comprove que o primeiro-ministro enganou a rainha, “toda a nação ficará chocada e alarmada”.

Também os nacionalistas escoceses (SNP) defenderam o regresso imediato do parlamento, sem que seja preciso esperar o julgamento do Supremo. Segundo o líder do partido em Westminster, Ian Blackford, Johnson está jogando a democracia ladeira abaixo.

Um dos deputados signatários da ação contra Johnson já tinha sublinhado que “hoje devia estar no parlamento” e não no tribunal à espera da decisão. Há outros dois processos contra a suspensão do parlamento, um, em Londres, que foi recusado, e outro em Belfast, sobre os riscos que acarreta para o Acordo de Sexta Feira Santa, que pacificou a Irlanda.