Escândalo Itaipu: trama de governo Bolsonaro e presidente pararaguaio
Mais mensagens divulgadas por jornais paraguaios – dessa vez elas partiram do próprio presidente do Paraguai, Abdo Benítez – expressam a pressão do governo brasileiro para que fosse firmada, por Brasil e Paraguai, uma ata secreta tratando de elevação dos pagamentos pelo Paraguai à Itaipu Binacional e, pela qual, uma empresa brasileira denunciada como vinculada família Bolsonaro teria primazia na intermediação da venda de energia elétrica excedente pelo Paraguai no mercado brasileiro.
No dia 16 de fevereiro, Abdo Benítez escreveu via WhatsApp ao presidente da ‘Administración Nacional de Electricidad’ (ANDE), Pedro Ferreira, citando as pressões que vinham ocorrendo: “O Brasil quer desconhecer um benefício ao Paraguai. Me preocupa. Isto afeta nosso governo. E muito. Aqui ninguém vai ganhar se o governo se debilita. E se chegamos a um ponto em que a negociação acontece sob pressão aparente. Isso precisa ser resolvido o quanto antes possível”.
Sacrificando princípios
Como se pode ver, dessa e das demais mensagens, fica difícil ao presidente sustentar a sua versão atual de que não sabia dos termos do acordo que o governo brasileiro queria impor.
Alguns minutos depois, em nova mensagem, ele agrega: “Aqui temos que negociar. E ao negociar se sacrifica posições até, algumas vezes princípios, mas é a responsabilidade que temos hoje. Não acredito que o faço tudo que quero. Todos os dias tenho que digerir tragos amargos, mas hoje o país está em nossas mãos e creio que nas melhores mãos. Força”.
Alguns dias depois, 5 de março, possivelmente já sentindo as resistências por parte do corpo técnico da ANDES para aprovar o acordo que traria uma despesa de, no mínimo, US$ 200 milhões, ao Paraguai, Benitez volta à carga com Ferreira: “PEDRO, apresse a solução ANDE-Eletrobrás. Está tudo parado. Temos que mover a economia, Itaipu é uma ferramenta. Não se pode ganhar em tudo em uma negociação”.
Ferreira insiste que “o que estão nos pedindo hoje é 18% de crescimento anual”, e adverte: “Foi impossível. Isto vai nos queimar publicamente”.
Convergências do dia 23 de maio, véspera da ata sob investigação
“O dia 23 de maio é uma data significativa”, afirma em sua matéria, “El Presidente sabía todo sobre Acuerdo secreto”, a jornalista Mabel Rehnfeldt, que o jornal paraguaio, ABC Color, publicou no dia 6 dia agosto.
“Nesse dia, técnicos da ANDE se dão conta de que em 24 horas se definiria o acordo bilateral sem eles”, prossegue Mabel, e, mais adiante: “Nesse mesmo dia pela noite, Joselo Rodríguez envia um WhatsApp dizendo que não havia que excluir um dos pontos porque isso ‘não seria conveniente para as operações em marcha’. E invoca ao presidente da República, Mario Abdo Benítez e o vice-presidente Hugo Velázquez”. (Joselo é o lobista paraguaio que se apresentou a Ferreira com representante do vice-presidente Hugo Velázquez, para conduzir as negociações e o “ponto” é o item 6, cuja exclusão iria permitir a primazia da Léros na venda de energia excedente do Paraguai no Brasil).
É em torno do dia 23 que surgem novas denúncias. Neste dia teria havido uma reunião também secreta (assim como a ata que seria firmada no dia seguinte), na embaixada do Paraguai em Brasília, com a presença do ministro da Fazenda do Paraguai, Benigno López, irmão do presidente, do suplente de senador por São Paulo, Alexandre Giordano, que intercedia (inclusive com viagens à paraguaia Ciudad del Este), em favor da empresa brasileira Léros e ainda o filho do presidente brasileiro, Eduardo Bolsonaro.
Diante dessas denúncias, o ministro da Fazenda, em depoimentos na Procuradoria do seu país, disse, neste dia 7 de agosto, que não esteve nessa reunião e que suas quatro viagens recentes ao Brasil, que não pôde negar, eram “para tratar de atrair investidores” e ainda que “denunciar agora é moda”.
Mas a procuradora que comanda a equipe indicada para cuidar do caso, Lilian Alcaraz, imediatamente declarou que “há contradições entre os depoimentos” de López e o do presidente da ANDE, Pedro Ferreira, o mesmo que ao final das negociações, pediu demissão declarando-as “traição à pátria” e “extorsão financeira”.
“No dia 24 de maio”, acrescenta Mabel em sua matéria, “viajou somente o gerente técnico Fabián Cáceres, que confirmou que só o fizeram entrar por, no máximo, 10 minutos na reunião em Brasília. Dentro, na sala de reuniões, estavam Sánchez Tilería (ex-diretor técnico de Itaipu), Alcides Jiménez (na qualidade de assessor técnico da ANDES, que também acabou por se demitir) e o embaixador, Hugo Saguier (que também renunciou)”.
A ata, teve entre os questionamentos que agora colocam em risco o mandato de Abdo Benitez, como já vimos, a exclusão do item 6, o que permitiria a jogada de entregar a primazia da venda de energia excedente do Paraguai ao Brasil, à Léros, diversas vezes citadas, nas mensagens que estão vindo à tona, como empresa ligada “à família Bolsonaro”.
No dia 7, manifestantes se dirigiram ao Congresso Nacional pedindo o impeachment do presidente Benítez e de seu vice, Velázquez, com cartazes proclamando “Basta dos vende-pátria”.
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