Escândalo da Covaxin: dono da Precisa escamoteia e falsifica dados
Francisco Maximiano, o dono da Precisa, a empresa que, segundo o servidor Luis Ricardo Miranda, responsável pelas importações do Ministério da Saúde, intermediou a compra fraudulenta da vacina indiana Covaxin, da Barath Biotech, não quis falar à CPI da Pandemia, preferiu pedir um Habeas Corpus junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ficar calado no depoimento.
Luis Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado Luis Miranda (DEM/DF), denunciaram um esquema de corrupção dentro do Ministério da Saúde (MS) envolvendo a Precisa e agentes públicos no contrato de compra da vacina. O governo assinou contrato com a empresa para aquisição de 20 milhões de doses a R$ 1,6 bilhão. A Covaxin é a vacina mais cara de todas, sendo vendida ao governo por US$ 15 a dose, quatro vezes o valor da vacina da AstraZeneca. O que chamou a atenção de todos é que, diferente da negociação com a Pfizer, as tratativas da Covaxin foram feitas em tempo recorde, menos de três meses. Já a Pfizer levou quase um ano.
O servidor mostrou aos senadores em seu depoimento o invoice, ou seja a nota de importação, com as irregularidades, entre elas o pagamento adiantado – fora do contrato – de US$ 45 milhões para uma empresa com sede num paraíso fiscal, além dos quantitativos não baterem com o contrato. Luis Ricardo relatou que sofreu pressões de seus superiores para assinar o documento. “Até nos finais de semana ou tarde da noite eles me ligavam para pressionar pela liberação da compra”, disse o servidor.
Ele mostrou as notas à CPI e disse que foi ao presidente da República, junto com seu irmão, no dia 20 de fevereiro, para, segundo eles, alertarem o presidente sobre o esquema criminoso no MS. Luis Ricardo e o deputado disseram que Bolsonaro viu os documentos, achou que eram graves, chegou mesmo a apontar o deputado Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, como responsável pela roubalheira, e disse que levaria tudo para a direção geral da Polícia Federal.
Bolsonaro não fez nada do que prometeu aos denunciantes. Ao contrário, dias depois da denúncia ele presenteou Ricardo Barros nomeando sua mulher, Maria Aparecida Borghetti, para um cargo no Conselho da Itaipu Binacional, uma das boquinhas mais cobiçadas nas hostes governistas, com um salário de R$ 27 mil por mês para comparecer a uma reunião a cada dois meses. Além disso, não pediu abertura de inquérito, ou seja prevaricou, e iniciou uma perseguição implacável aos dois denunciantes. Na véspera do depoimento dos irmãos Miranda à CPI, o secretário-geral da Presidência, Onyx Loranzoni, chegou a fazer ameaças públicas aos dois em entrevista coletiva.
A Precisa é do mesmo dono da Global, empresa que fez um contrato de entrega de medicamentos de alto custo, no valor total de R$ 20 milhões, com o governo em 2017, quando Ricardo Barros era Ministro da Saúde. A empresa não entregou nenhuma das medicações contratadas. Agora, essa mesma empresa está novamente envolta em negócios obscuros com o governo federal. Coincidentemente, em outubro do ano passado, o senador Flávio Bolsonaro intermediou uma reunião de Francisco Maximiano com o presidente do BNDES na busca de financiamentos subsidiados.
Em sua ‘apresentação’ em vídeo, Maximiano alega que os depoentes mentiram, inclusive sobre a data em que foi enviado o invoice, a nota fiscal de importação, para o ministério. O servidor, que é responsável pelo setor de importações do órgão, garante e apresenta provas de que recebeu o documento em 18 de março, enquanto o dono da Precisa afirma que o envio do documento só se deu em 22 de março, dois dias depois do
encontro presidencial. No entanto, o próprio governo, em pronunciamento à imprensa, desmentiu a alegação falsa do empresário.
O ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, confirmou que o referido documento chegou na data informada por Luís Ricardo Miranda, ou seja, 18 de fevereiro. “Ele foi recebido pelo Ministério da Saúde em 18 de março e previa o pagamento antecipado e três milhões de doses”, disse Franco. Portanto, o principal “desmentido” de Maximiano caiu por terra pelas palavras do próprio governo. Se só tivesse chegado ao Ministério no dia 22, como alega o empresário, Bolsonaro não poderia tê-lo visto no dia 20 e considerado um documento “grave”?
Diante do desmentido, a narrativa arranjada por Maximiano mudou novamente. Ele disse que não houve envio de um “invoice”, mas sim um outro documento chamado de “proforma invoice”. A diferença, segundo o atravessador, é que a segunda opção “é similar à fatura comercial definitiva, porém com características de um orçamento”. “Ou seja, não geraria a obrigação de pagamento por parte do comprador”, afirmou, completando que “o que foi enviado ao departamento de importação dias depois da reunião com o presidente foi o proforma”. Mas, era a tal “proforma”, cheia das maracutaias, que eles queriam que Luís Ricardo assinasse rapidamente para liberar a importação fraudada.
Inclusive, na CPI, o servidor Luis Ricardo Miranda narra ter recebido da Precisa o pedido de início do processo de importação em 16 de março. “No dia 18, o setor de importação recebe um link do site Dropbox contendo todos os documentos, inclusive a primeira invoice”, disse o técnico aos senadores, em 25 de junho. Diferente da forma como agiu com as outras vacinas, o empenho de R$ 1,6 bilhão foi assinado às pressas, antes mesmo da aprovação da vacina. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, e o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), estão convencidos de que o governo retardou a aquisição de vacinas até conseguir montar um esquema de propina.
Maximiano não quis falar aos senadores e agora manipula a data de um documento que foi enviado ao ministério. Ele até admite que continha “erros”. “Nesse primeiro pedido de correção, enviado em 23 de março, nem sequer são mencionados problemas como a indicação equivocada sobre pagamento antecipado”, disse.
Achando que os senadores são idiotas, o sócio da Precisa disse que esses erros “inocentes” – que significariam um golpe de US$ 45 milhões nos cofres públicos – foram constatados não pelo servidor pressionado a assinar, mas pela própria empresa, como se isso pudesse colar. Se a recusa do servidor em endossar a importação criminosa não tivesse se mantido, a propina certamente teria sido depositada no paraíso fiscal. Por isso, a ira com os irmãos Miranda.