Quando o saudoso camarada João Amazonas sustentou que estávamos numa encruzilhada e que a nossa opção seria socialismo ou barbárie, seu pensamento estratégico certamente não foi alcançado na sua plenitude, eu ousaria dizer que nem mesmo entre os “iniciados”.

Por Eron Bezerra*

Alguns, talvez, vissem exagerado ufanismo e outros certo catastrofismo. Afinal, falar da opção socialista em plena efervescência do neoliberalismo e, portanto, da exacerbação do individualismo, não parecia algo factível. E a barbárie – sociedade de ideias obscurantistas comandada por gestores truculentos com reduzida capacidade gerencial – igualmente, não parecia o cenário mais provável num país então governado por intelectuais tucanos.

Mas João Amazonas estava vendo além. Tendo presente que “o novo nega o velho e o velho nega o novo” via, com clareza, o eminente fracasso do neoliberalismo, como de fato aconteceu mundo afora e não apenas no Brasil, assim como a reação que a classe dominante comandaria contra qualquer mudança, por mais simplória que fosse.

Dessa forma, medidas implantadas por Lula e Dilma, como valorização do salário mínimo, bolsa família, prouni, minha casa minha vida, luz pra todos, expansão do ensino superior, ciência sem fronteiras e obras seculares como a transposição das águas do São Francisco, por mais justas e necessárias que fossem, certamente provocaria reações tresloucadas de uma elite altamente conservadora e, em boa medida, com pensamento ainda escravocrata, feudal.

Assim, qualquer mudança que alterasse esse realidade teria que adotar, igualmente, um conjunto de medidas que pudesse assegurar a manutenção do governo e das eventuais conquistas celebradas. Não havia espaço para experiências “possibilitas”. A radicalização já era imensa e só tem se agravado nos últimos tempos. Ou seja, se não avançasse em direção ao socialismo haveria sério risco de uma inflexão. Aconteceu! A vitória de Bolsonaro e o serpentário que ele estimulou a sair das tocas – muito dos quais “aliados” dos governos petistas – não permitem dúvidas.

Como estabelecer um contraponto aos ataques e fake news da extrema direita?

Recebi um vídeo de um leitor no qual uma senhora caucasiana dizia horrores dos comunistas e concluía perguntando, em cada ataque, qual era o tipo de comunista que “você prefere?”.

Como regra desprezo esse tipo de estupidez primária, na medida em que só pode “convencer” alguém já suficientemente reacionário e idiotizado ou por demais simplório para aceitar versões grosseiramente falsas e manipuladas, como aquelas expressas no vídeo que me fora enviado.

Mas, ao refletir que uma boa parcela da sociedade não dispõe de informações isentas para formar as suas próprias convicções – sendo admirável que, mesmo assim, uma boa parte não se deixe manipular cegamente – resolvi responder ao leitor e estender a base dessas respostas aos demais leitores para ajudar a desmascarar essa rede de notícias falsas.

De que parte dos comunistas você gosta, perguntava a caucasiana, enquanto vomitava ataques contra a União Soviética, Cuba e China.

Pacientemente respondi que da parte que as pessoas não se deixam enganar por vigaristas. E esse debate precisa ser aberto com a sociedade, mesmo tento presente as dificuldades. É preciso debater, de forma direta, qual é o tipo de sociedade que nós queremos.

O socialismo é uma sociedade que luta para assegurar bem-estar social, riqueza e prosperidade para o conjunto da sociedade, para dotar as nações de infraestrutura estratégica, desenvolver grande capacidade cientifica e intelectual, garantir saúde, educação, habitação e alimento para o conjunto das pessoas, e que tem como premissa essencial a defesa de sua soberania.

O capitalismo é uma sociedade que tem como premissa o individualismo e a concentração de renda nas mãos de poucos, além da agressividade contra as nações mais simples, regularmente invadidas e humilhadas, especialmente pelos Estados Unidos. A miséria é a consequência natural para a maioria ou expressiva parcela da população, como acaba de ser demonstrado no Brasil quando mais de 100 milhões de pessoas recorreram ao apoio emergencial porque não dispõem de renda mínima para sobreviver. Fenômeno, aliás, repetido até em países ricos, como os Estados Unidos, onde não há saúde pública e mais de 30 milhões de pessoas são miseráveis. Isso é o capitalismo. Não creio que seja exemplo a ser seguido por ninguém, salvo para regredir à barbárie.

Os fatos demonstram que mesmo os países capitalistas – ao menos os mais “civilizados” – recorrem a práticas socialistas para assegurar apoio à sua população na área da saúde, educação, transporte, etc., como se pode constatar na Alemanha, Dinamarca, Finlândia, França, Inglaterra, Itália, Noruega, Suécia, Suíça, dentre outros. Esse “estado de bem-estar social” foi criado nesses países exatamente para se assemelhar ao que era praticado na então socialista União Soviética, e ainda continua vigorando embora bastante reduzido pelas investidas do neoliberalismo.

O caos que a pandemia do coronavírus impôs ao mundo revelou, sem meios termos e sem margem para discussões estéreis, que onde a saúde pública existe a situação foi menos grave e a dor e o sofrimento da população foi menor. E onde a saúde pública inexiste, como nos Estados Unidos, ou foi sabotada pelo próprio governo, como no Brasil, o caos foi ainda mais trágico. Não por acaso EUA e Brasil são, hoje, os países com maior número de casos e de mortes de todo o planeta.

Ademais, sempre é bom relembrar os avanços extraordinários experimentados nos países que lutam para construir o socialismo, sem eliminar ou secundarizar suas insuficiências e mesmo equívocos, que podem perfeitamente ser atribuídas ao ineditismo experimental, na medida em que são todas recentes. Nesse curto período, que vai de 1917 a 2021, a União Soviética (1917-1991), China (1949), Cuba (1959), Coreia (1953) e Vietnã (1973) patrocinaram conquistas invejáveis as quais, não restam dúvidas, decorreram exatamente da orientação socialista.

Que tal comparar a União Soviética da época dos czares (um país feudal) e depois do socialismo, dirigida pelos comunistas, que se transformou numa potência econômica, científica – primeiro cosmonauta no espaço – e militar – que derrotou os nazistas e salvou a humanidade de uma besta fera tipo Hitler; Cuba, um país pequeno e de economia modesta onde todos tem educação, saúde e habitação assegurada; ou a China, um país que há décadas cresce continuamente – hoje já é a maior economia do planeta – e que tem feito os americanos se borrarem de medo; e que tal falar da República Popular da Coréia, que apesar das dificuldades, fez uma opção de não ser humilhada e hoje tem sua soberania respeitada; sem falar no Vietnã, igualmente com crescimento econômico regular e eliminação de desigualdades sociais.

São todos (exceto Rússia) dirigidos por Partidos Comunistas, embora nenhum seja um “país comunista”, pois o comunismo é uma sociedade quase perfeita e ainda distante do nosso nível de compreensão. São países que experimentam a construção do socialismo e, numa análise séria e sem fake news, é onde as coisas acontecem, por isso é compreensível a quantidade de mentiras e provocações que esses países sofrem diariamente.

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Eron Bezerra* é professor da UFAM, doutor em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, coordenador nacional da Questão Amazônica e Indígena do comitê central do PCdoB.

 

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