Atuais símbolos da precarização do trabalho e dos efeitos da pandemia sobre os brasileiros, entregadores de aplicativo de comida fizeram fila em doação de marmita, no último sábado (06), na Paróquia Senhor Bom Jesus dos Passos, no bairro de Pinheiros, zona oeste da capital paulista.

Mesmo debaixo de chuva e espremidos sob a marquise da igreja, eles aguardaram até as 18h30, quando as portas foram abertas e todos puderam se abrigar no edifício. Logo em seguida a comida começou a ser distribuída. A informação é do projeto Joio e o Trigo destinado a investigar as políticas alimentares e de saúde pública.

Uma pesquisa da Associação Aliança Bike publicada em 2019 aponta que 57% dos entregadores ciclistas trabalhavam os sete dias da semana. A média salarial da categoria era de R$ 992 naquela época. Com o aumento da demanda, alguns até conseguem ter melhores rendimentos, mas sempre às custas de muitas horas trabalhadas e pouco ou nenhum dia de descanso.

“A prioridade do nosso trabalho era a população de rua, pessoas que moram em cortiços e ocupações”, conta Maria Melges, coordenadora do trabalho de distribuição de alimentos. “Com a pandemia, começamos a atender também o pessoal que faz entregas”.

“A gente sabe o quanto é ruim ter fome. Eles entregam a comida, mas não recebem alimentação. E com certeza todos precisam trabalhar para levar algo para casa. Se eles param para comer com o dinheiro que ganham, o que vão levar para casa?”, diz Melges.

Frank Rocha, de 22 anos, morador do Jardim Ângela e entregador de aplicativo há 11 meses, explica que as marmitas ajudam a poupar o dinheiro recebido pelas entregas. “Como a remuneração não é muito boa, qualquer dinheiro que a gente tira para comprar comida pesa muito no orçamento”, diz Frank.

Mateus Felipe, 21 anos, também é entregador do iFood e conta que, quando não conseguem doações de alimentos em instituições de caridade ou restaurantes, ele e os colegas costumam se alimentar com bolachas e salgadinhos.

“Quando não tem marmita o jeito é ficar com fome mesmo ou comprar alguma coisa na rua”, diz. “A gente vai pela opção mais barata. Bolacha Passatempo, Traquinas, maizena. Compro várias e consigo segurar até a noite”, conta Mateus.

Lucas Pereira (21) diz que o aplicativo do iFood indica os restaurantes denominados “pontos de apoio” onde os trabalhadores podem tomar água, café, higienizar as mãos, recarregar os celulares e ir ao banheiro. Contudo, não há um auxílio para que os trabalhadores se alimentem.

“Tem alguns restaurantes em que a gente consegue pegar marmita de graça, mas aí não tem nada a ver com o iFood. É por conta do próprio estabelecimento”, diz ele.

O entregador Matheus dos Santos, 20 anos, também adquiriu o hábito de comer bolacha quando não consegue marmitas: “Eu peço doação no restaurante. Quando não consigo, tiro do pouco que eu tenho para tentar ter uma alimentação”, conta. “Compro bolacha de morango, de chocolate, wafer ou salgadinho”.

Ele mora sozinho no Grajaú e se sustenta com o dinheiro que ganha fazendo entregas para o iFood: “Trabalho 12 horas por dia, tiro uma folga por mês, no máximo duas. No mês de janeiro eu rodei 838 km e ganhei R$4.200. Por mais difícil que seja, tem muita gente numa situação pior”, declara.