Jeremy Corbin, líder trabalhista inglês (acima) repudiou o recuo da Corte Superior inglesa.

Anistia Internacional, Repórteres Sem Fronteiras, Federação Internacional de Jornalistas, Pen Club International, Comitê para Proteção dos Jornalistas e personalidades como Jeremy Corbin e John Pilger repudiaram a decisão do Tribunal Superior do Reino Unido que deu sinal verde ao governo Biden para prosseguir com a extradição de Julian Assange, ao permitir que até mesmo o testemunho que serviu de base para a recusa da juíza Vanessa Baraitser à entrega do jornalista a Washington, o parecer do neuropsiquiatra Michael Kopelman, seja questionado, revertendo “de forma incomum” o que decidira há um mês.

Audiência anterior aceitara três questionamentos da acusação quanto à sentença de Baraitser, mas mantivera a porta fechada quanto à essência dela, de que a extradição “seria opressiva em razão da saúde mental de Assange” e risco de suicídio.

Após expor ao mundo há uma década os crimes de guerra dos EUA no Afeganistão e no Iraque, bem como a tortura em Guantánamo e a corrupção e intervenção em toda a parte, Assange foi submetido a uma perseguição feroz até ser jogado em um cárcere inglês, onde está há dois anos.

É hoje o mais importante prisioneiro político do mundo, e está ameaçado de passar o resto de seus dias em um calabouço norte-americano, por “espionagem” e “invasão de computadores”, para servir de exemplo a qualquer um que queira se levantar contra a injustiça e pela verdade.

O advogado de defesa Fitzgerald enfatizou que a conclusão da juíza Baraitser sobre o risco substancial de suicídio de Assange expressava um raciocínio “claro, abrangente e, diríamos, inatacável”. Ele denunciou que a alegação dos advogados de Washington equivalia à exigência descarada de que o tribunal de apelação “reavalie a coisa toda e chegue a uma conclusão diferente da pessoa que ouviu todas as evidências”.

Uma pequena multidão se concentrou diante do tribunal, a quem o ex-líder trabalhista Corbin disse que “estamos aqui para apoiar Julian Assange e exigir sua liberdade”. Corbin, que foi um dos organizadores dos grandes protestos na Inglaterra contra a invasão do Iraque, enfatizou que Assange “segue aquela grande tradição de grandes e destemidos jornalistas”.

O premiado cineasta Pilger, que estava ao lado da companheira de Assange, Stella Morris, na audiência, denunciou, sobre a decisão da apelação em favor de Washington, que a “Justiça britânica está em julgamento na terra da Carta Magna”.

A Anistia Internacional, através de seu diretor europeu, Nils Muižnieks, exigiu do governo Biden que pare com os “truques legais” e retire “essas acusações motivadas politicamente que colocaram a liberdade da mídia e de expressão no banco dos réus”.

“O presidente Obama abriu a investigação sobre Julian Assange. O presidente Trump apresentou as acusações contra ele. Agora é a hora do presidente Biden fazer a coisa certa e ajudar a acabar com essa acusação ridícula que nunca deveria ter sido instaurada”, acrescentou.

Também o Comitê para a Proteção de Jornalistas voltou a advertiu que “o esforço contínuo dos Estados Unidos para extraditar Julian Assange e processá-lo sob a Lei de Espionagem mina a liberdade de imprensa globalmente” e rechaçou a decisão do juiz Holroyde.

A diretora da Repórteres Sem Fronteiras, Rebbeca Vincent, que repudiou a perseguição incansável de Washington a Assange, também denunciou o tratamento que o jornalista tem recebido das autoridades britânicas. Apesar de ter solicitado, não permitiram que ele participasse em pessoa da audiência. “Antes, ele era mantido na corte em uma jaula de vidro como um terrorista. Agora é forçado a observar remotamente da prisão como se tudo isso não tivesse nada a ver com ele. É o resto da vida dele que está em jogo. É cruel”.

O editor-chefe do WikiLeaks, Kristin Hrafnsson, condenou a caça às bruxas contra Assange e a tentativa de calar a verdade, destacando que as declarações do governo britânico sobre “liberdade de expressão” não passam de uma casca vazia, quando mantém um editor em “uma prisão de segurança máxima”.

O Reino Unido – acrescentou – “não tem a mínima moral para criticar outros governos por atacarem a liberdade de imprensa, os EUA não têm qualquer base para criticar a falta de direitos humanos”.

Morning Star

Como observou o jornal progressista inglês Morning Star, essa discussão sobre “se Assange está suficientemente doente para que seu suicídio seja provável, caso ele seja extraditado para os Estados Unidos, decorre de problemas com o veredicto original de janeiro”.

Que a juíza Baraitser “rejeitou todos os argumentos substantivos contra a extradição de Assange, exceto um, que se baseava no risco de suicídio”. Argumentos que se referem a que a publicação dos cabogramas sobre crimes de guerra “é uma questão política e, portanto, pela lei inglesa, não admite extradição”.

“No entanto, o mundo sabe que este é um caso político. Assange não é e nunca foi funcionário do governo dos Estados Unidos. Ele não vazou material classificado. Ele publicou material divulgado a ele. O termo para o que ele fez é jornalismo”.

O jornal repudiou a “cumplicidade” do Reino Unido e chamou a uma ampla mobilização: “a perseguição de Assange é política. Extraditá-lo deve ser politicamente impossível para nosso governo”.

Segundo Pilger, o que o juiz Holoyder fez foi jogar “um bote salva-vidas à gangue de promotores do Departamento de Justiça de Washington”, cujo caso “podre e corrupto” contra um jornalista de princípios estava tão afundado “quanto o Titanic”.

O expediente usado foi buscar desclassificar o fundamental testemunho do perito neuropsiquiatra Kopelman, sob a alegação de que ele teria “escondido” a relação de Assange e Stella e seus dois filhos no parecer preliminar.

Questão que já estava resolvida, pela juíza Baraitser, que havia sido informada da questão pelo próprio Kopelman, que agira assim para proteger a privacidade de Stella e das crianças, em um país conhecido pela ferocidade dos seus tablóides marrons, e diante de repetidas ameaças cuja fonte era a CIA.

O que ficou patente no escândalo da empresa espanhola UC Global, que fazia a segurança da embaixada do Equador e foi aliciada pelos serviços de inteligência norte-americanos, o que inclusive é alvo de processo na Espanha.

O advogado de defesa, Fitzgerald, destacou que Baraitser “estava plenamente ciente das críticas” e havia “feito a si mesma a pergunta certa” se, no contexto mais amplo de sua conduta, isso colocava em questão a imparcialidade do perito, e deliberado que não, que Kopelman se mantivera uma testemunha “imparcial e desapaixonado”.

A Juíza Baraitser em sua decisão de 4 de janeiro registrara não aceitar que Kopelman houvesse falado “em seu dever para com o tribunal” quando não revelou o relacionamento Morris-Assange. Ela descreveu a omissão de Kopelman como “uma compreensível resposta humana à situação difícil da Sra. Morris”, o que não a levou a ser enganada.

Como observou Fitzgerald, havia desde uma organização de segurança pegando “DNA da fralda do bebê” a ameaças a Stella de “atenção especial” e, quanto a Assange, até de sequestro ou envenenamento.

Além disso, a segunda declaração de Kopelman, que corrigia a omissão, foi fornecida ao tribunal no ano passado, antes do início da audiência substantiva no outono, e vista por Baraitser antes do início da audiência, como observou o jornalista Alexander Mercouris.

Como Mercouris notou, Baraitser, como juiz de primeira instância, “estava, portanto, em posição de avaliar as provas, o que Holroyde admite que era seu direito fazer. Tendo avaliado as provas, e com pleno conhecimento de todos os fatos, incluindo os da chamada “ocultação”, ela optou por dar peso à evidência de Kopelman, que ela considerou “imparcial”. Não há razão para que um tribunal de apelação queira interferir em tal abordagem e, como Holroyde admite, “normalmente” não o faria.

A tentativa de desclassificar o testemunho de Kopelman é ainda mais cínica diante da confissão da principal “testemunha” de acusação, Sigurdur Thordarson, a um jornal islandês em junho, de que mentiu contra Assange em troca de imunidade e se tornou informante do FBI.

Em 4 de janeiro – aliás, no único ponto favorável a Assange -, a juíza Baraitser decidiu que a extradição “seria opressiva em razão da saúde mental de norte-americana.

“[O professor Kopelman] avaliou o Sr. Assange durante o período de maio a dezembro de 2019 e estava em melhor posição para considerar em primeira mão seus sintomas. Ele teve grande cuidado em fornecer um relato informado sobre a história do Sr. Assange e sua história psiquiátrica. Ele deu muita atenção às notas médicas da prisão e forneceu um resumo detalhado anexado ao seu relatório de dezembro. Ele é um clínico experiente e estava bem ciente da possibilidade de exagero e fingimento. Eu não tinha razão para duvidar de sua opinião clínica”, afirmou Baraitser.

Kopelman também revelou que Assange apresenta Síndrome de Aspenger (autismo) e em seu histórico médico tem episódios recorrentes de depressão.

Além de sustentada no parecer do professor Kopelman, a questão também reflete o sofrimento a que Assange foi submetido pela campanha de Washington de perseguição e ‘assassinato de reputação’, e pela longa detenção, sob uma forma ou outra.

O que fez o relator especial da ONU contra tortura, Melzer, após exame de Assange sob os ‘Protocolos de Istambul’, concluir que ele manifesta todos os sintomas de quem foi submetido à tortura.

A advogada que representou Washington, Clair Dobbin, não poderia ser mais pusilâmine. Sustentou, diante do tribunal, que Assange seria “forte o suficiente” para “resistir ao suicídio” se colocado num calabouço da CIA.

O sistema prisional de segurança máxima dos EUA, que praticamente ‘cancela’ o relacionamento do preso com qualquer outra pessoa, e eleva à enésima potência o abusivo uso do regime de solitária, é considerado por muitos como o mais brutal do mundo.

A denunciante dos arquivos de guerra do Pentágono sobre o Afeganistão e o Iraque, Chelsea Manning, tentou o suicídio mais de uma vez quando no cárcere.

“Temos o direito de viver”, exige Stella”

A companheira e advogada de Assange, Stella Morris, falou aos jornalistas fora do tribunal. “O que não foi discutido hoje é por que temo por minha segurança e pela segurança de nossos filhos e pela vida de Julian. As constantes ameaças e intimidações que suportamos durante anos, que nos vêm aterrorizando e há mais de dez anos aterrorizam Julian”.

“Ameaças contra mim, ameaças contra nossos filhos, ameaças de morte contra o filho mais velho de Julian, Daniel. Ameaças à vida de Julian, ameaças de uma pena de prisão de 175 anos. E a prisão atual de um jornalista por fazer seu trabalho”, acrescentou.

“Essas são ameaças constantes à sua vida nos últimos dez anos. Estes não são apenas itens de lei. Esta é a nossa vida”, denunciou. “Temos o direito de existir. Temos o direito de viver e o direito de que este pesadelo chegue ao fim de uma vez por todas”.

Mas talvez tudo que foi dito sobre a questão, possa ser resumido com uma meme divulgada nas redes sociais, com as fotos dos três presidentes norte-americanos que antecederam Biden e a de Assange. W. Bush: jogou 70 mil bombas em 5 países. Obama: jogou 100.000 bombas em 7 países. Trump: jogou 73.000 bombas em 5 países. Assange: na prisão.

Entre os materiais trazidos à luz por Assange e WikiLeaks, o chamado vídeo “Assassinato Colateral”, que mostra a tripulação de um helicóptero Apache dos EUA, em Bagdá, massacrando civis iraquianos, inclusive jornalistas, não deixa margem a dúvidas.

Trata-se de um crime de guerra, cometido dentro daquilo que Nuremberg estabeleceu como “crime supremo”, a guerra de agressão.

Nem os executores, nem os mandantes, ninguém preso.

Anistia Internacional

Quanto ao significado de ‘legalizar’ a extraterritorialidade da perseguição a jornalistas pretendida por Washington, sob ‘lei’ norte-americana e, pior ainda, de “espionagem”, contra um cidadão de outro país e trabalhando fora do território norte-americano, é como o consultor jurídico Simon Crowther declarou, do lado de fora da corte de apelação britânica, na quarta-feira, em nome da Anistia Internacional:

“Acusações como as feitas contra Assange nunca deveriam ser feitas contra jornalistas ou editores. O que isso permite é que os EUA levem a julgamento jornalistas e editores quando publicam coisas que os EUA não querem em domínio público, às vezes material classificado, que é a força vital de jornalistas investigativos quando estão investigando coisas como crimes de guerra e crimes contra a Humanidade perpetrados por estados como os EUA”.

Se os EUA ganhassem esse caso – advertiu – em qualquer lugar do mundo os jornalistas teriam que se preocupar com seu indiciamento caso aceitem informações fornecidas a eles confidencialmente.