Em tramitação no Senado, o Projeto de Lei (PL) 591 de 2021, que permite a privatização dos Correios, foi tema de audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), nesta quarta-feira (06). Presidida pelo senador Otto Alencar, a atividade contou com a presença de Marcos César Silva Alves, vice-presidente da Associação dos Funcionários dos Correios (Adcap); José Rivaldo da Silva, secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Fentect); Elias Cesário de Brito Junior (Diviza), vice-presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Findect).

No debate, os representantes dos trabalhadores reafirmaram que o PL, além de ser inconstitucional, vai prejudicar o conjunto do povo brasileiro, que acabará pagando mais caro pelos serviços por um atendimento mais restrito, coloca em risco o comércio eletrônico, especialmente das pequenas e médias empresas, põe em risco empregos direitos e indiretos gerados pela empresa e aumentará as despesas públicas com gastos no setor. Os sindicalistas denunciam que a privatização dos setores postais vai na contramão do que ocorre no mundo.

“O projeto é inconstitucional. O artigo 21 da Constituição Federal é muito claro ao estabelecer que compete a União manter o serviço postal. Para desobrigar a União dessa missão constitucional, seria necessária a provação de uma emenda constitucional e isso não foi feito. Um projeto de lei não tem como fazer isso, isso já foi apontado formalmente ao Supremo Tribunal Federal por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 6635, para a qual já temos o pronunciamento da Procuradoria-Geral da República, reconhecendo a inconstitucionalidade de movimento”, afirmou Marcos César, vice-presidente da Adcap.

“No sentido exatamente oposto do que era pregado pelos membros do governo, o PL cria um monopólio privado por tempo indeterminado, o que levanta outro flanco de inconstitucionalidade a ser enfrentado”, completou Marcos.

O vice-presidente da (Findetc), Diviza, afirmou que já vimos empresas importantes como o Correio serem privatizadas a preço de banana com efeitos devastadores para a sociedade. “Nós já tivemos os exemplos de outras estatais que foram entregues, como a Vale do Rio Doce e outras que foram entregues. Hoje nós vemos o tamanho da importância da permanência delas nas mãos povo brasileiro. Entregar os Correios hoje é um crime, pois o Correio é uma das poucas empresas que atendem da classe A à classe E, indiferente se você tem dinheiro ou não. O Correio atende a todos os brasileiros”, disse Diviza.

Diviza enfatizou o papel da empresa na integração do território nacional, além de servir de exemplo para a criação de empresas do setor em outros países. “O Brasil tem dimensões continentais, representamos 48% do território da América do Sul e o Correio brasileiro cobre toda essa extensão com 5.570 municípios. Nós, os Correios brasileiros, ensinamos outros países a ter os seus correios. Nós levamos nosso conhecimento para fora e aí vemos o governo federal querendo entregar esse ouro para meia dúzia de empresários”, afirmou.

Marcos César, denunciou que a privatização da estatal fará com que o Tesouro Nacional deixe de receber dividendo, como acontece hoje com os Correios, e passe a ter que gastar para ter serviços de logística, onerando o Caixa da União, com a criação de novas despesas como a criação de uma agência reguladora para o setor, além de subsídios para a chamada “tarifa social” – criada para tentar atenuar o futuro aumento nas tarifas em decorrência da privatização.

“Os Correios não dependem dos Tesouro Nacional, ele custeia todas as suas despesas com receita própria e custeia, também, toda a infraestrutura que viabiliza a universalização do serviço postal no Brasil – o Estado não banca essa universalização – e isso custa para o Correio atualmente cerca de R$6 bilhões”, disse Marcos.

“O projeto cria despesas de vulto para a União sem apontar fonte de recursos – como será custeada a estrutura de fiscalização e controle da agência reguladora, o projeto fala que não haverá aumento de gastos para a União. Mais Grave ainda, como será garantida a ‘tarifa social’? Um artifício incluído no projeto para mascarar o evidente aumento de tarifas e de preços que virá se o projeto for aprovado. Podemos estar tratando aqui de bilhões de reais que terão que ser retirados da saúde, da educação para bancar um repasse de recursos públicos ao operador privado de correios. São novas e expressivas despesas para a União sem fonte de despesas indicadas”, completou.

A estatal registrou um lucro de R$ 1,53 bilhão em 2020, repassando ao Tesouro Nacional 25% desse valor, como determina o Estatuto Social da empresa. De acordo com o vice-presidente da Adcap, a expectativa é de que esse ano – por falas do próprio presidente da República – o lucro deve dobrar. Ou seja, o governo federal deixa de ter uma fonte de arrecadação de recursos para ter gastos com o setor.

Além disso, “o Correio adquiriu, de setembro de 2020 até hoje, mais de 9200 veículos, renovando 40% da frota da empresa. O que significa que o Correio tem hoje uma das mais modernas frotas do setor no mundo. O Correio está investindo R$ 140 milhões somente na parte de informática, tem uma infraestrutura montada e plenamente operacional, funcionando de forma harmônica no Brasil todo”, explicou Marcos.

Universalidade dos serviços postais está em risco

Os debatedores denunciaram que o PL não dá nenhuma garantia de que a universalização dos serviços postais será mantida, caso a empresa seja privatizada. O PL fala genericamente em manutenção de serviços em áreas remotas que serão definidas em regulação.

“Ora, dependendo do que for entendido como área remota num processo futuro de regulação, o operador privado vai poder ficar desobrigado de manter agências em milhares de municípios brasileiros. O PL, no mínimo, deveria garantir que os brasileiros continuaram contando com o que já possuem, ou seja, atendimento em todos os municípios brasileiros e distribuição domiciliar nos distritos com mais de 500 habitantes – que é o que o Correio já faz hoje”, defendeu Marcos.

Lembrando de outros processos de privatização em curso, Rivaldo argumentou que esse modelo atende apenas aos interesses privados em detrimento da necessidade dos brasileiros e do desenvolvimento do país.

“Com o processo de privatização da Eletrobrás, temos o aumento da conta de luz em que o povo brasileiro não pode mais pagar, o botijão de gás que está lá em cima com a questão da Petrobrás, a gasolina… e de repente a gente vai ter um aumento nas tarifas dos Correios com a privatização e não teremos mais condições de pagar. Não teremos mais esse direito de morar lá em Logradouro, que é uma cidade bem pequena da Paraíba e distante, e poder comprar algo pela internet porque o frete é mais caro do que o que a gente está comprando. Então, o que o Correio traz para todos nós é integração, é cidadania”, defendeu José Rivaldo.

O vice-presidente da Adcap alertou que isso pode ocorrer sob a forma de fechamento de agências como forma de reduzir estrutura buscando onde economizar, onde cortar custos.

“O Correio é uma instituição com 358 anos de existência, ela faz parte da história do próprio país. É a terceira instituição pública em que os brasileiros mais confiam, logo depois da família e dos bombeiros – e antes de todas as demais. Ela está presente com suas agências em praticamente todos os 5570 município brasileiros, integrando de fato o país, apesar de só alcançar superávit em 324 desses municípios”, disse Marcos.

“Seguramente vai cortar a remuneração dos franquiados, vai fechar agências, vai diminuir estrutura, porque é isso que os operadores privados fazem quando compram correios. A maneira mais fácil de aumentar o lucro é diminuir estrutura, concentrar, atendimento e isso vai ocorrer com certeza”, afirmou.

Além disso, o projeto cria uma lógica de tarifas que vai variar de acordo com a origem e destino do objeto postado, “uma prática que não é usual no mundo postal para o seguimento de correspondências e que traz um enorme risco de servir como mecanismo de aumento de tarifas ou de agravamento de assimetria entre cidades e regiões. Esse é outro passo trazido na contramão do mundo neste projeto.”

Na contramão do mundo

Os debatedores afirmaram, ainda, que a privatização dos serviços postais é uma exceção no mundo, sendo usada em apenas oito países em todo o globo.

“Nos quase 200 países que temos hoje no mundo, em apenas oito os correios são totalmente privados como intenta fazer no Brasil o governo. A soma das áreas desses oito países que tem os correios privados é inferior a área do estado do Mato Grosso. São eles: Aruba, Singapura, Grã-Bretanha, Líbano, Malásia, Malta, Países Baixos e Portugal. No que se refere à predominância de modelo, com o PL591/21, nós estamos na contramão do mundo, onde o correio é público na imensa maioria dos países, notadamente nos demais extensão territorial como o Brasil, que é o quinto maior do mundo”, esclareceram.

Os debatedores defenderam a importância dos Correios como braço logístico do governo federal, capaz de desenvolver com segurança e baixo custo grandes operações de interesse do Estado, como por exemplo: a distribuição de urnas eletrônicas, de medicamentos, de provas do Enem e de livros didáticos – sendo que o maior programa de distribuição de livros didáticos do mundo é brasileiro e é operado pelos Correios.

“Os correios são uma organização muito importante e valiosa para o Brasil. Em qualquer outro país do mundo, senadores, o Correio seria visto com orgulho, como um bem público a ser preservado e protegido e não como algo a ser desmontado. O PL é inconstitucional, é lesivo para aos brasileiros que acabarão pagando mais caro pelos serviços e tendo atendimento mais restrito como aconteceu, por exemplo, em Portugal. Coloca em risco o comércio eletrônico, especialmente das pequenas e médias empresas, mas também dos grandes players. Prejudica centenas de milhares de trabalhadores dos empregos diretos e indiretos gerados pela empresa. Só beneficia os intermediários e operadores do negócio, consultorias, especuladores e banqueiros em detrimento de todos os demais”, concluiu Marcos César.