Enquanto FMI prega investimento público, Brasil está na contramão
O Fundo Monetário Internacional (FMI), organismo multilateral referência para as principais economias de mercado, defende que os governos precisam preparar a transição de suas economias para um mundo pós-Covid-19 e que os investimentos públicos terão um papel central nesse processo.
“Aumentar o investimento público em economias de mercado desenvolvidas e emergentes pode ajudar a reativar a atividade econômica após o mais intenso e profundo colapso da história contemporânea. Também pode criar milhões de empregos diretos no curto prazo e mais milhões indiretos em um período mais longo”, afirma texto publicado nesta quinta-feira (5) no blog do FMI, que faz referência a dados do Monitor Fiscal, relatório publicado na semana passada pelo órgão.
“Aumentar o investimento público o equivalente a 1% do PIB poderia fortalecer a confiança na retomada [econômica], aumentando o PIB em 2,7%, o investimento privado em 10% e o emprego em 1,2% caso os investimentos sejam de boa qualidade e se o peso da dívida pública e privada não enfraquecerem a resposta setor privado ao estímulo”, acrescenta o post no blog.
O FMI argumenta que, mesmo antes da pandemia, o investimento global estava enfraquecido há mais de uma década, “apesar das péssimas condições de estradas e pontes em algumas economias avançadas e de enormes necessidades de transporte, água potável, saneamento e outros na maioria das economias emergentes e em desenvolvimento”.
Agora, segundo o FMI, a necessidade de investimento é ainda maior e urgente em setores específicos. “O investimento é urgentemente necessário em setores críticos para controlar a pandemia, como saúde, escolas, construções e transportes seguros e infraestrutura digital”, defende o organismo internacional.
Segundo o órgão, as taxas de juros mais baixas em todo o mundo também indicam que é o momento certo de investir. O FMI ressalta, ainda, que como o investimento privado está em baixa devido às incertezas sobre a pandemia e as perspectivas para a economia, cabe ao setor público exercer o papel de investir. Destaca, ainda, que isso pode ser feito com empréstimos de baixo custo.
“Há muita poupança, o setor privado está em modo de espera e muitas pessoas estão desempregadas e disponíveis para ocupar vagas de emprego criadas por meio de investimento público (…). Assim, em muitos países, esta é a hora certa para se comprometer com investimento público de alta qualidade em projetos prioritários, o que pode ser por meio de empréstimos a baixo custo.”
Segundo estimativa do FMI, o investimento público pode gerar de dois a oito empregos diretos para cada milhão de dólares gastos em infraestrutura tradicional. Tem potencial, ainda, para gerar de cinco a 14 empregos para cada milhão dispendido em pesquisa e desenvolvimento, energia verde e construções com eficiência energética.
Mas, de acordo com a avaliação do órgão, como a implementação de alguns projetos leva tempo, para garantir que empregos sejam gerados de imediato os países devem intensificar os investimentos em manutenção de infraestrutura, que dão um retorno mais rápido. “Este também é o momento de começar a revisar e reiniciar projetos promissores que sofreram atraso devido à crise”.
Países mais pobres
O organismo reconhece que, para alguns países, tomar empréstimo para investir pode ser “difícil” devido a condições “apertadas” de financiamento. Mesmo nesses casos, afirma, o empréstimo pode compensar desde que os riscos de rolagem (riscos associados ao refinanciamento da dívida) e taxas de juros não aumentem muito e os governos escolham os projetos de investimento com sabedoria. Destaca, ainda, que os países mais pobres precisarão de suporte da comunidade internacional.
“O investimento em adaptação para a mudança climática é crítico, especialmente em países suscetíveis a enchentes e seca prolongada. Houve ajuda oficial disponível, mas os US$10 bilhões alocados em 2018 estão abaixo do investimento de US$ 25 bilhões necessários anualmente em economias de baixa renda, segundo as estimativas da equipe do FMI”, afirma o órgão.
Investimento público puxa o privado
Ainda de acordo com o FMI, o investimento público é importante porque sinaliza ao setor privado o compromisso do governo com o crescimento sustentável. Além disso, podem estimular o investimento privado de forma mais direta.
“Por exemplo, [no caso de] investimentos em comunicação digital, estrutura de transporte ou eletricidade, [isso] permite que novos negócios surjam. Da mesma forma, nossos resultados mostram que o investimento em saúde e outros serviços sociais estão associados a aumentos mensuráveis de investimento privado no horizonte de um ano”, diz o FMI.
No Brasil, não há plano claro para a retomada
No Brasil, não há um caminho claro nem pacote de estímulos para a retomada econômica. O governo de Jair Bolsonaro chegou a lançar o Pró-Brasil, um programa para fomentar a retomada por meio de investimentos públicos e privados.
No entanto, tem enfrentado dificuldades de encontrar recursos para financiá-lo, devido à rigidez do teto de gastos públicos. Na prática, o programa sofreu corte drástico de recursos – de R$ 150 bilhões iniciais para R$ 4 bilhões este ano – e o governo tem cortado o orçamento de outros ministérios para garantir o financiamento de obras. Na iniciativa mais recente, retirou R$ 1,4 bilhão do Ministério da Educação.