Enfraquecido, Guedes vaticina hiperinflação e reclama de privatizações
Enquanto o país está preocupado com as eleições municipais, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está nervoso. Ele sabe que, passado o pleito, uma série de questões em suspenso vão se definir. Na batalha que se seguirá, o time do ministro está enfraquecido. Ciente disso, Guedes decidiu apelar para afirmações um tanto quanto dramáticas. Em dois dias, disse duas vezes que há risco da volta da hiperinflação, um fantasma que assombrou os brasileiros na década de 1980. Além disso, revelou sua frustração por não conseguir tocar as privatizações.
As primeiras declarações aconteceram nesta quarta (11), em um evento organizado pela Controladoria-Geral da União (CGU). Guedes afirmou que o Brasil pode ir para “uma hiperinflação muito rápido”, caso não consiga rolar sua dívida com urgência. Além disso, citou “acordos políticos” na Câmara e no Senado como entraves à agenda de privatizações.
“Estou bastante frustrado com o fato de estarmos aqui há dois anos e não termos conseguido ainda vender nenhuma estatal. Por isso, um secretário nosso foi embora, Salim Mattar, que deixou o ministério em agosto. Precisamos recompor nosso eixo político para fazermos as privatizações prometidas na campanha”, afirmou o ministro.
Nesta quinta (12), em um evento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), voltou a prever um cenário de hiperinflação. O ministro disse que “o modelo baseado em gastos públicos já nos levou duas vezes à hiperinflação” e declarou que o país não pode continuar gastando além de sua capacidade financeira por “covardia e politicagem”.
Guedes vem progressivamente perdendo espaço no governo de Jair Bolsonaro. A fritura do superministro começou com tensões internas, com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, defendendo um programa “gastador” de obras públicas, contando com a simpatia da ala militar. Com o impulso dado à popularidade de Bolsonaro pelo auxílio emergencial e a aproximação do presidente com o Centrão, a situação piorou.
O presidente é movido pela obsessão pela reeleição e está começando a compreender como a agenda de austeridade pode ser um entrave ao projeto. Interessada em cargos nas estatais e não menos preocupada com votos, sua nova base de apoio no Congresso o apoia nessa postura.
Segundo o economista Paulo Kliass, não contribuem para a credibilidade de Guedes junto a Bolsonaro os resultados pífios que o ministro da Economia entregou até agora. “Você começa a ter um processo de frustração política. Guedes era o cara que ia oferecer a redenção completa de todos os malefícios que o PT teria causado ao país, segundo a visão deles. No ano de 2019, em que poderia fazer o que quisesse, devido à força do presidente em um primeiro ano do governo, entregou um ‘pibinho’ de 1,1%. Todo aquele discurso que ia privatizar as empresas, bancos públicos, não conseguiu fazer nada”, destaca.
Flexibilização do teto de gastos é inevitável
Kliass observa que, passadas as eleições, será o momento de resolver questões práticas que tanto o governo quanto o Congresso Nacional vêm empurrando com a barriga. A mais premente é o teto de gastos. “Tem coisas concretas, o que fazer com a emenda do teto de gastos. Está claro que, de alguma maneira, vai ter que ter essa flexibilização”, comenta.
Para o economista, o governo vem lançando balões de ensaio para encontrar um jeito de garantir recursos e, ao mesmo tempo, se safar da pecha de “gastador”. “O primeiro balão de ensaio é estender a situação de calamidade. O segundo, vamos fazer um programa de microcrédito da Caixa Econômica Federal. Que é uma jogada malandra, pois, se você faz essa alternativa, faz chegar os recursos [à população] sem aparecer como despesa. É uma forma disfarçada de promover algum tipo do auxílio também tentando fugir do aumento de despesa. E o último balão de ensaio é esse que o Guedes veio agora. Se tiver uma segunda onda [da Covid-19], a gente prorroga o auxílio emergencial”, comentou, referindo-se a declaração de Guedes também no evento da Abras hoje.
Na avaliação de Kliass, será inevitável alguma forma de flexibilização do teto, diante da gravidade da crise econômica. “A partir de janeiro, acabou o auxílio emergencial e podemos ter um quadro grave de convulsão social. Os índices mostram que a inflação mais elevada é a dos alimento e outros bens de consumo da população de baixa renda”, comenta.
Sem risco de hiperinflação
O economista acredita que o próprio ministro já precificou a flexibilização do teto, mas as afirmações alarmistas são uma tentativa de manter viva a agenda de austeridade mesmo nessas circunstâncias. São recados para o Congresso e para o mercado, para que pressione os parlamentares. Quanto à hiperinflação por aumento de gastos, Kliass não vê um risco presente.
“O Brasil está enfrentando algumas dificuldades de aumento de preço, mas nada tem a ver com hiperinflação. A gente está enfrentando a maior recessão da nossa história. Normalmente, em período de recessão, você tem até queda de preços. O que está acontecendo agora é conjuntural. Porque temos a alta do dólar e o governo fez uma opção de acabar com a política de estoques regulatórios”, afirmou.