O escândalo CIA-Crypto – a empresa suíça de fachada que vendia criptografia e permitiu espionar 120 países – desmoralizou de vez as acusações de Washington contra a Huawei, de que qualquer país que adotasse seus equipamentos de redes de alta velocidade 5G automaticamente ficaria sujeito à “espionagem chinesa”.
A “Operação Thesaurus” teve início em 1951 e foi rebatizada nos anos 1980 de “Rubicon”. Desde a criação até os anos 1990, o serviço secreto alemão ocidental (BND) foi sócio menor da CIA no esquema, só desativado em 2017.
Conforme investigação levada a cabo pelo Washington Post e as redes de tevê ZDF (Alemanha) e SRF (Suíça), por mais de cinco décadas a CIA e o serviço secreto da então Alemanha Ocidental controlavam secretamente uma empresa suíça, a Crypto AG, que fabricava e vendia dispositivos de criptografia e linhas de comunicação seguras, e tinham acesso às informações. Nem a ONU ou o Vaticano escaparam.
“Golpe de inteligência do século”, chamou pomposamente o Post, que também descreveu a tramóia como um dos “segredos mais bem guardados da Guerra Fria”. Boris Hagelin, um emigrado russo inventor de uma máquina de criptografia, que fugira da Suécia em 1940 após a invasão nazista, fechou o acerto com a CIA em um clube de elite de Washington, o Cosmos, na presença de Wiliam Friedman, o pai da criptologia norte-americana, dando origem à Crypto AG, que operava desde a Suíça.
Antes mesmo do CIA-Crypto, a acusação contra a Huawei já era insuperável em matéria de cinismo, já que, desde as revelações de Edward Snowden, o mundo inteiro sabe que quem grampeia e grava tudo, de todos, são os EUA, e seus braços da espionagem na vigilância eletrônica, o mais importante deles, a NSA – e, claro, a CIA.
A hipocrisia era ameaçar que a gigante chinesa Huawei poderia, quem sabe, vir a fazer com os usuários de seus equipamentos, aquilo que notoriamente as gigantes norte-americanas, como a AT&T e a Verizon, faziam, com suas “salas de grampo” da NSA dentro das suas instalações ou portas dos fundos nos cabos submarinos da internet.
A fúria de Washington contra a Huawei – que incluiu o sequestro da filha do fundador da empresa chinesa e diretora -, era, ainda, a outra face do atraso dos monopólios norte-americanos no 5G – as redes de alta velocidade que servirão de base para a ‘internet das coisas’ e outros avanços.
Atraso que se mostrou na recente reflexão entre as autoridades norte-americanas sobre a compra das gigantes europeias Ericsson ou Nokia, que mantiveram o passo no 5G, embora os equipamentos da Huawei custem em torno de 25% a menos.
De acordo com registros de inteligência alemã, a cada ano o serviço secreto alemão (BND) entregava à CIA a parte dela do dinheiro em uma garagem escura de Washington. Os alemães deixaram a operação nos anos 1990 e a CIA continuou, até que em 2017 supostamente foi desativada, gerando duas outras empresas.
Segundo o Post, foi grampeando uma máquina Cryptos que Washington obteve informações que repassou a Londres, durante a Guerra das Malvinas. O presidente egípcio Anwar Al Sadat também teria sido espionado durante as negociações com Israel de Camp David.
O jornal atribuiu à operação a descoberta de que o fugitivo Manuel Noriega estava escondido na nunciatura no Panamá, após o bombardeio dos EUA ao país em 1989. Assevera, também, que através desse sistema de criptografia foi descoberto que o irmão do presidente do EUA, Jimmy Carter, supostamente estaria na folha de pagamento do líder líbio Muamar Kadafi. As duas empresas surgidas após a desativação da operação da CIA juram, de pés juntos, que não, de jeito nenhum, não sabem de nada e nada têm a declarar.