Embargo do petróleo e sanções à Rússia ameaçam o mundo à estagflação
O alerta do presidente chinês Xi Jinping, na cúpula virtual com o presidente francês Emmanuel Macron e o primeiro-ministro alemão Olaf Scholz, na terça-feira (8), de que as sanções contra a Rússia “darão um golpe na estabilidade das finanças globais, energia, transporte e cadeia de suprimentos, arrastando para baixo a economia mundial em meio à pandemia”, tornou-se ainda mais contundente com a decretação, pelo presidente norte-americano Joe Biden, do embargo total ao petróleo, gás e carvão russos.
Assim, na tentativa de impor à Rússia a anexação pela Otan da Ucrânia – perguntem a afegãos, iraquianos, iugoslavos, líbios e vietnamitas quanto vale o apreço de Washington pela soberania alheia -, o governo Biden se lança a “cancelar” uma das dez maiores economias do planeta, inclusive buscando saquear seu Banco Central e cassando a maior parte dos bancos russos do sistema de pagamentos internacionais SWIFT, enquanto o preço do barril de petróleo já passou de US$ 130 e o galão de gasolina nos EUA, a poucos meses das eleições intermediárias, bateu o recorde de US$ 4,17.
A França reagiu à “atual situação energética” – criada pelo embargo de Biden e demais atos de guerra econômica contra a Rússia – comparando com a crise do petróleo de 1973. “É estagflação, e é justamente o que não queremos reviver”, diz ministro francês da Economia, Bruno Le Maire. No estagflação, a recessão marcha junto com a alta dos preços.
“Não é exagero dizer que esta crise energética, este choque energético de 2022 é comparável em intensidade, em brutalidade ao choque do petróleo de 1973”, disse Le Maire na Conferência sobre Independência Energética na manhã de quarta-feira em Bercy, França. Ele chamou a França a não “repetir os erros cometidos em 1973 em 2022”.
E não se trata só do petróleo: sob o ataque desencadeado por Washington contra a Rússia, de fertilizantes, isto é, comida, aos metais estratégicos como o titânio, passando pelo gás néon indispensável para a produção de microchips, tudo está em alta nos mercados internacionais. A escassez de microchips pode piorar.
“Guerra econômica”
“[As sanções] fizeram a economia russa cair francamente. O rublo russo caiu 50%… um rublo agora vale menos do que um centavo americano. E impedindo o banco central da Rússia de sustentar o rublo, e manter seu valor, eles não serão capazes de fazer isso agora. Cortamos os maiores bancos da Rússia do sistema financeiro internacional e isso prejudicou sua capacidade de fazer negócios com o resto do mundo”, afirmou o presidente norte-americano ao anunciar o embargo.
“Além disso, estamos sufocando o acesso da Rússia à tecnologia, como semicondutores, que [vai] minar sua força econômica e enfraquecer suas forças armadas nos próximos anos”, prometeu, apoplético, Biden, que deu início à crise da Ucrânia em 2014, por ser um dos articuladores do golpe, tendo a incumbência de paralisar o então presidente Yanukovich, enquanto a CIA, Victoria Nuland e os nazis faziam e desfaziam na Praça Maidan.
Foi assim que Hunter, filho de Biden, virou, de notório viciado, diretor de uma empresa privada de gás ucraniana.
A primeira reação do Kremlin ao embargo do petróleo russo pelos EUA partiu do porta-voz Dmitry Peskov, que o classificou de “declaração de guerra econômica”.
“Os EUA, sem dúvida, declararam uma guerra econômica contra a Rússia e estão travando essa guerra. Sim, de fato é exatamente isso”, disse o porta-voz.
Embora nos EUA os russos vendam uma quantidade relativamente pequena de petróleo, em torno de 400 mil barris diários, é imprescindível por ser do tipo pesado, para contrabalançar a leveza do óleo de fracking. É por isso que Washington já anda atrás até de Maduro.
Alemanha pode parar
Biden disse “entender” que os países europeus não seguiriam os Estados Unidos agora no embargo. Mas o governo de Boris Johnson, muito cioso da condição de poodle preferencial, afirmou que irá embargar o petróleo e gás russo mais cedo que os demais, “até o final do ano”.
Em Berlim, o primeiro-ministro Scholz reconheceu que as importações de gás e petróleo da Rússia são “essenciais” para a “vida diária dos cidadãos alemães” e que, por agora, o abastecimento do continente não pode ser garantido de outra forma.
Até a notória por sua russofobia, a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, a ‘verde’ Annalena Berbock, disse que se a Alemanha se recusar a comprar petróleo russo, o país “vai parar”.
Da torre da burocracia em Bruxelas, a Comissão Europeia publicou sua nova estratégica para tornar os países europeus “independentes” do petróleo e gás russo até o final da década – e, claro, bem dependentes do mais caro e mais poluente gás de fracking norte-americano.
China condena
A China condenou “fortemente” Washington por suspender unilateralmente a importação de energia russa, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Lijian.
“A China se opõe fortemente a sanções unilaterais que não têm base no direito internacional. Empunhar as sanções a cada passo nunca trará paz e segurança, mas causará sérias dificuldades às economias e meios de subsistência dos países em questão”, disse Zhao.
Ele acrescentou que a China e a Rússia sempre mantiveram uma boa cooperação no setor de energia e “continuarão a realizar uma cooperação comercial normal, incluindo o comércio de petróleo e gás, com base nos princípios de respeito mútuo, igualdade e benefício mútuo”.
Consumidores europeus: as maiores vítimas
O vice-primeiro-ministro russo Alexander Novak alertou que nessa “substituição do petróleo russo os consumidores europeus serão as principais vítimas”. Ele exortou os líderes europeus a agirem com honestidade, explicando aos seus cidadãos e consumidores “que os preços nos postos de gasolina, eletricidade e aquecimento vão disparar”.
Sobre os ‘planos’ da Comissão Europeia, Novak observou que “se querem recusar o fornecimento de energia da Rússia, por favor, estamos prontos para isso. Sabemos para onde podemos redirecionar esses volumes”. “A única questão é quem se beneficia com isso e por que isso é necessário”, acrescentou
A Rússia fornece 40% do consumo de gás na Europa e sempre foi um parceiro confiável, disse Novak, acrescentando que a Gazprom continua a cumprir as obrigações contratuais de fornecimento de gás para a Europa, cumpre o contrato de trânsito pela Ucrânia em 100%.
“Entendemos que, em conexão com acusações infundadas contra a Rússia sobre a crise de energia na Europa e a imposição da proibição do Nord Stream 2, temos todo o direito de tomar uma decisão ‘espelho’ e impor um embargo ao bombeamento de gás através do gasoduto Nord Stream 1, que hoje está carregado no nível máximo de 100%. Mas, até agora, não tomamos essa decisão. Ninguém vai se beneficiar disso”, disse Novak.
Novak afirmou, ainda, que a Rússia nada tem a ver “com o atual aumento de preços e volatilidade no mercado”. Na segunda-feira, os mil metros cúbicos de gás, que a Gazprom vende em contratos de longo prazo a cerca de US$ 300, chegaram a novo recorde histórico, no mercado spot, pouco abaixo de US$ 3.900.
Outros aspectos da guerra econômica total contra a Rússia são a saída de empresas norte-americanas e europeias do país, sob o pretexto da Ucrânia, e a suspensão da compra de matérias-primas russas, como o titânio.
Paulatinamente, a Rússia, sem anunciar “contra sanções infernais”, vai montando sua estratégia contra a guerra econômica de Biden.
Moscou publicou uma lista negra oficial de nações hostis, que inclui os EUA, União Europeia, Canadá, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Singapura. São países que já anunciaram sanções à Rússia
Decreto assinado por Putin autorizou empresas russas a liquidar suas dívidas com credores externos em rublos. Para pagar empréstimos obtidos de um país sancionador superior a 10 milhões de rublos por mês, uma empresa russa só precisa pedir a um banco russo que abra uma conta correspondente em rublos em nome do credor. Em seguida, é só fazer o depósito em rublos nessa conta à taxa de câmbio atual.
Pagamentos em moeda estrangeira são somente autorizados caso a caso pelo BC russo. Os credores estrangeiros hostis que aguardem.
O decreto estabelece também o cancelamento de licenças e patentes pertencentes a países hostis, o que realmente removerá dos desenvolvedores russos em vários campos uma interminável dívida e requisições de “proprietários de direitos”.
A saída do Visa e Mastercard em grande medida resultará no fortalecimento do sistema russo MIR em interação com o chinês UnionPay. 40% dos russos já possuem um cartão Mir para uso doméstico. Agora, eles também poderão usá-lo internacionalmente – através da enorme rede da UnionPay.
Diante da saída de empresas ocidentais do setor de petróleo da Rússia, empresas asiáticas já estudam substituí-las.
Decreto assinado por Putin na noite de terça-feira proibiu a exportação de certas commodities e matérias-primas, cuja lista deverá ser revelada até sexta-feira pelos órgãos competentes.
Também já está em discussão no parlamento russo, a Duma, um segundo pacote de medidas de apoio à economia, incluindo um mecanismo de nacionalização da propriedade de organizações estrangeiras que abandonem o mercado russo. O vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, já havia admitido essa possibilidade, caso essas empresas tenham registro “em jurisdições hostis”.
A outra face da crise escancarou a decrepitude do sistema financeiro internacional e do status do dólar como moeda de reserva.
Um debate, que já chega às páginas de O Globo, registrou que as medidas desde Washington “expuseram desequilíbrios de um sistema financeiro internacional quase que totalmente controlado por um punhado de nações” e sobretudo “pelo dólar”.
“A possibilidade de se tirar a 11ª economia do mundo do mapa financeiro fez com que outras nações atentassem para seu grau de dependência de um sistema sobre o qual não têm controle. O congelamento de parte das reservas internacionais do banco central de um país pode, ‘de uma hora para a outra, tornar um agente superavitário deficitário’, como ressaltou o estrategista do Crédit Suisse, Zoltan Pozsar, um dos gurus do mercado, em relatório a investidores semana passada. “De que adianta ter US$ 300 bilhões em reservas no exterior, se esse dinheiro não pode ser usado?”.
O que poderia levar nações que não se considerem alinhadas ao Ocidente a “rever a sua participação no modelo atual” — nascido no final da Segunda Guerra Mundial, quando a configuração geopolítica internacional “era outra”.
“Nunca vi o uso do dinheiro como arma nesta escala. Mas esta é uma carta que só se pode usar uma vez. A China vai se concentrar em não precisar do dólar antes de ir para cima de Taiwan. É uma reviravolta na história monetária: o fim da hegemonia do dólar e a aceleração para uma ordem monetária bipolar”, disse o economista Dylan Grice, do Calderwood Capital, no Twitter, em 27 de fevereiro”.
Acrescenta a matéria que “a guerra na Ucrânia pode ter levado a um ponto de ebulição um tema que vinha sendo mantido em banho-maria há anos”.
“Vamos relembrar como chegamos aqui”, assinalou o jornalista Finian Cunnigham. “A Rússia apelou repetidamente aos Estados Unidos e seus parceiros europeus por um tratado de segurança na Europa para proteger contra a futura adesão da Ucrânia à Otan e mísseis americanos em sua fronteira”, sem obter uma resposta. Ao mesmo tempo, a OTAN inundou a Ucrânia com armas que foram usadas para aumentar a agressão contra a população russa no Donbass, matando civis.
As forças militares ucranianas que realizam a agressão são brigadas neonazistas treinadas por tropas da Otan, assinala o autor. Há evidências críveis de que os ataques ao Donbass estavam sendo planejados para escalar antes que a Rússia lançasse sua intervenção em 24 de fevereiro.
Para Cunningham, a guerra na Ucrânia é lamentável. “Mas poderia ter sido totalmente evitada se os Estados Unidos e seus aliados da Otan tivessem se comprometido com a Rússia de forma respeitosa e genuína em uma tentativa de encontrar um tratado de segurança pacífico”.