Em memória de Wagner Gomes
Falecido em 10 de agosto de 2021 por infarto fulminante, Wagner Gomes deixa um legado e um exemplo de militância em defesa da classe trabalhadora dignos dos maiores lutadores do povo.
Por Osvaldo Bertolino*
Em 1° de outubro de 1979, Wagner Gomes ingressou na Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), iniciando também sua vida sindical. Foi trabalhar no extinto terminal rodoviário do Glicério. Não havia sindicato, mas existia a Associação dos Empregados do Metrô de São Paulo (Aemesp), a qual logo se integrou. Vinha da militância clandestina do PCdoB na zona Leste paulistana e trouxe para a categoria a experiência adquirida na sociedade amigos de bairro do Jardim São Pedro, em Guaianazes, periferia da cidade.
Natural de Araçatuba, cidade do interior paulista, Wagner Gomes chegou em São Paulo em meados da década de 1970. Depois de trabalhar um período como office boy, conseguiu emprego na Telecomunicações de São Paulo (Telesp), como era chamada a empresa operadora de telefonia do grupo Telebrás no Estado de São Paulo antes da privatização. Em 1977, integrou uma chapa de oposição à direção daquela categoria. A derrota levou à sua demissão.
Wagner Gomes preso do Terminal Rodoviário do Tietê
Quando Wagner Gomes chegou ao Metrô, já existia um grupo de militantes clandestinos do PCdoB que lutava ao lado de outros ativistas metroviários pela criação de uma entidade sindical. Um dos principais articuladores da transição da Aemesp para o Sindicato, fez parte da primeira diretoria, cassada em 1981. Em 1982, foi preso uniformizado em uma manifestação contra os abusos praticados pela gestão do governador paulista Paulo Maluf (PDS), durante a inauguração do Terminal Rodoviário do Tietê.
O Sindicato travava um duro combate com o governo do estado, entrevero que terminaria com uma truculência contra os metroviários no dia da inauguração da obra. O centro da polêmica era o diretor extraordinário de Terminais Rodoviários, Carlos Caldeira Filho, proprietário da estação rodoviária que existia na Praça Júlio Prestes e sócio do grupo que editava os jornais Folha de S. Paulo e Folha da Tarde, nomeado por Maluf, que chegou atacando a categoria.
Para Caldeira Filho, o projeto do Terminal era um “exercício de estudantes românticos” que não entendiam nada de engenharia e agiam “por maldade ou ignorância”. Isso, dizia, era decorrência da “incompetência do poder público em matéria de transportes”. O Sindicato emitiu “nota de desagravo” reafirmando o total apoio àqueles metroviários que “implantaram e mantém em operação um serviço público de transporte com qualidade”. Por trás da manobra do diretor malufista, havia fortes indícios de corrupção.
No dia da inauguração, Wagner Gomes estava trabalhando no Terminal. Ao ser visto cumprimentando os sindicalistas que desembarcavam, recebeu voz de prisão. A operação foi comandada pelo então delegado-geral do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Romeu Tuma, que estava no local.
O jornalista Altamiro Borges, ao se apresentar como funcionário do jornal Tribuna da Luta Operária — ligado ao ainda clandestino PCdoB, —, também foi detido. Ao saber da prisão, Tuma disse: “Pelo amor de Deus! Não prendam jornalistas!” O agente policial informou em qual jornal Altamiro Borges trabalhava e Tuma respondeu: “Ah, esse pode prender!” Foi o único jornalista detido.
Primeiro Congresso dos Metroviários de São Paulo.
Wagner Gomes, por estar de uniforme e crachá, era tido pelos agentes da repressão como o pivô da manifestação. Para humilhá-lo, amassavam seu crachá e o jogava no chão. Wagner Gomes desamassava e voltava a usá-lo – um exercício que se repetiu várias vezes durante o dia. No começo da noite, antes de ser libertado, Tuma o chamou para aconselhá-lo a “desistir dessa vida subversiva”. Os presos foram liberados depois da intervenção dos deputados estaduais Antonio Resk (PMDB), João Batista Breda (PT) e Eduardo Matarazzo Suplicy (PT).
No começo de 1987 encabeçou a “chapa 1” para a eleição do Sindicato da categoria, derrotada por uma pequena diferença de votos. Havia uma divisão no movimento sindical em âmbito nacional e duas chapas se apresentaram; a 1, da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), e a 2, da Central Única dos Trabalhadores. O racha sindical no país se manifestou com força na categoria, que partia-se ao meio quando votava nas assembleias.
A primeira grande demonstração de divisão entre a diretoria do Sindicato e o grupo de apoiadores e integrantes da chapa perdedora ocorreu na discussão sobre qual posição a categoria deveria tomar a respeito da greve geral convocada pelas centrais CUT e CGT para o dia 20 de agosto de 1987.
O governo havia editado um novo pacote, conhecido como “Plano Bresser” em alusão ao seu principal autor – o então ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira –, que representava mais uma investida contra os trabalhadores. Em assembleia realizada no dia 18 daquele mês, a diretoria disse que as bases, em âmbito nacional, não haviam sido suficientemente consultadas e por isso os metroviários não deveriam acatar a convocação das centrais. Wagner Gomes propôs a realização de nova assembleia no dia seguinte para uma reavaliação da mobilização, mas foi derrotado.
Primeira sede do Sindicato dos Metroviários, anos 1980
Conclamação de Wagner Gomes
Ainda em 1987, houve eleições para o Conselho de Representantes dos Empregados (CRE), cujo presidente participaria das reuniões da diretoria da empresa, uma inovação democrática do governador Franco Montoro (PMDB), parte de suas concepções socialdemocratas. Seria uma instância bipartite de debates sobre a empresa, que dava estabilidade no emprego aos trabalhadores eleitos. A essa altura, a oposição sindical já
Estava organizada em um movimento chamado “Unidade e Luta”, que obteve ampla votação, acirrando ainda mais as disputas com a diretoria do Sindicato. A crise explodiu quando Wagner Gomes denunciou uma manobra de cartas marcadas da diretoria do Sindicato durante numa assembleia realizada em 14 de julho de 1988, convocada para organizar o 2º Congresso dos Metroviários. A prova apresentada foi um envelope que havia sido enviado aos delegados antecipadamente escolhidos, repleto de documentos, que por acaso foi parar nas mãos de um militante do “Unidade e luta”.
Logo em seguida, em novembro de 1988, ocorreu uma greve da categoria, com resultados trágicos sobretudo para “Unidade e luta”. Uma sucessão de choques da diretoria do Sindicato com o governo Orestes Quércia (PMDB) levou à demissão de 375 metroviários e à extinção do CRE. Wagner Gomes, na assembleia em que as demissões foram anunciadas, rasgou seu telegrama de demissão, num gesto simbólico para demonstrar que aquilo não intimidava a categoria.
Mas foi uma experiência amarga, que nos levou os demitidos a quatro meses sem salários, sobrevivendo de favores e bicos, praticamente acampados no apartamento de Wagner Gomes, no bairro da Liberdade. Foram reintegrados à empresa por uma decisão judicial.
Aquela diretoria não tinha mais fôlego para tocar a gestão do Sindicato e, em acordo com o “Unidade e Luta”, decidiu antecipar as eleições. O “Unidade e luta” já não representava mais a CGT; agora a organização nacional a qual se vinculava chamava-se Corrente Sindical Classista (CSC). Em uma aliança com os remanescentes da CUT, a chapa encabeçada por Wagner Gomes venceu as eleições, realizadas em setembro de 1989.
Na campanha, Wagner Gomes denunciou uma manobra do Metrô, que lançara uma chapa oficiosa. No discurso comemorativo da vitória, Wagner Gomes, como presidente eleito, disse que a categoria havia vencido uma etapa histórica. “Conclamo todos os metroviários, em especial os que honestamente optaram por formar a ‘chapa 2’, a cerrar fileiras com a diretoria eleita e iniciarmos o trabalho de reconstrução do Sindicato”,
Wagner Gomes candidato a senador
A gestão iniciou-se pouco antes da posse de Fernando Collor de Mello (PRN) na Presidência da República, eleito sob forte pressão da direita pela implantação do projeto neoliberal. Foram embates memoráveis, com a categoria dos metroviários dando exemplo de combatividade e unidade.
Wagner Gomes foi reeleito em 1983, num processo eleitoral que demonstrou a unidade da categoria com a formação de chapa única após votação nome a nome nas áreas. Logo, seria eleito para a direção da CUT, com a incorporação da CSC à central, e nas eleições seguintes deixaria a presidência do Sindicato para se dedicar à nova tarefa.
Wagner Gomes, Carlos Zaratini (atual deputado federal (PT-SP) e Osvaldo Bertolino (de camisa branca), assembleia dos metroviários, 1989
Em agosto de 1997, Wagner Gomes concorreu à presidência da CUT, no seu 6º Congresso. Sua principal proposta era a união de todas as tendências, dos partidos de oposição e dos movimentos populares para fazer frente à onda neoliberal. Perdeu para o então presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, mas a central aprovou um combativo plano de lutas. Quatro chapas participaram das eleições.
Wagner Gomes afirmou que a CSC participou do Congresso também com críticas. “A CUT teve atuação oscilante no último período e, no caso da negociação da (“reforma”) da Previdência, foi pior, foi uma atuação desastrosa”, disse. Para ele, a Articulação Sindical (a principal corrente custista) ouviu pouco as posições das demais tendências. “A atuação da CUT deve ser resultado de decisões coletivas e não de uma só corrente política ou de um só dirigente”, ressaltou.
Em 2002, o Plataforma, o jornal do Sindicato, entrevistou os metroviários que concorriam às eleições daquele ano, entre eles Wagner Gomes, candidato ao Senado pelo PCdoB, obtendo mais de 3 milhões e meio de votos.
Em 2005, assumiu interinamente a presidência da CUT, em 2005, quando o então presidente, Luiz Marinho, foi para o Ministério do Trabalho. “A CUT tem de ter independência do governo para atender às reivindicações dos trabalhadores”, declarou.
Inauguração da sede própria do Sindicato dos Metroviários, em 1990, com a presença de lula, de camisa listrada, ao lado de Wagner Gomes, de camisa preta.
Wagner Gomes discursa no Palácio do Planalto
A CSC vinha se destacando na CUT e apresentou a “plataforma democrática” na 11ª plenária da central, realizada em 12 de maio de 2004, segundo Wagner Gomes uma orientação para os debates que ocorreriam no Congresso Nacional em relação à reforma sindical. A aprovação correspondia aos “objetivos de quem luta por uma reforma democrática voltada para o fortalecimento do movimento sindical”, avaliou.
Em 11 de julho de 2005, Wagner Gomes participou, como presidente da CUT, de um ato de solidariedade das centrais sindicais ao presidente Lula, alvo de ataques furiosos da oposição, no salão nobre do Palácio do Planalto. “Não ousem tentar derrubar o operário Lula do poder no Brasil”, disse ele. E denunciou, diante de mais de mil lideranças sindicais, que “figuras responsáveis por deixar o país nessa situação estão posando de bonzinhos”.
No 9º Congresso da CUT, em 2006, Wagner Gomes voltou a encabeçar uma chapa para concorrer à direção da central, disputando com outras duas, obtendo 24,5% dos votos. Mas já nos preparativos do Congresso ficou evidente que a disputa por espaços na Articulação Sindical eliminaria qualquer possibilidade de unidade entre as tendências da central. A CSC adotou o lema “Por uma CUT autônoma, unitária e combativa”, proclamando que o movimento sindical brasileiro se deparava com o desafio de mobilizar os trabalhadores para “estimular a luta pelas mudanças no país, tendo como objetivo a viabilização de um novo projeto de desenvolvimento nacional, com soberania e valorização do trabalho”.
Para a CSC, havia indícios de que o hegemonismo da Articulação Sindical — tema de uma histórica divergência dos sindicalistas classistas com a tendência majoritária da CUT — seria reforçado. “Esse ponto põe em perigo a participação da central no jogo político. Mesmo tendo aliados, a Articulação Sindical age com exclusivismo, o que pode levar a CUT a uma divisão mais profunda. Se não mudar esse comportamento, a Articulação Sindical pode jogar no lixo um projeto construído ao longo de muitos anos”, disse Wagner Gomes, então no cargo de vice-presidente da central.
Wagner Gomes, greve dos metroviários, 1990
Depois do Congresso, novas divergências se manifestaram com força entre a Articulação Sindical e a CSC. Para atender aos acordos internos, a tendência majoritária se recusava a manter o cargo de vice-presidente da CUT em mãos classistas. “Nós ajudamos na construção da central e temos crescido nos últimos anos, por isso queremos manter esse espaço”, ressaltou Wagner Gomes.
A controvérsia terminou no dia 28 de julho de 2006, quando a Articulação Sindical decidiu dividir o cargo na nova executiva nacional — criando duas vice-presidências, uma delas ocupada por Wagner Gomes e outra por Carmem Forro, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), ligada à Articulação Sindical. “A nova composição sinaliza um processo de pluralidade, fortalecendo a CUT”, declarou Wagner Gomes, que destacou o crescimento classista na nova direção da CUT; a CSC passou de quatro para cinco membros efetivos na executiva nacional, além de uma suplência.
Decisão salomônica
A decisão salomônica adotada pela Articulação Sindical, de dividir a vice-presidência da CUT em duas, não alterou o cenário de fundo das divergências na central. A solução consolidou a ampliação artificial do espaço da tendência majoritária, sacrificando o já então precário pluralismo e a democracia interna.
Para a CSC, a nova configuração da direção cutista sufocava ainda mais as suas ideias. Esse passo dado no 9º Congresso da central seria decisivo para o acirramento das divergências entre as duas principais tendências da central. A desproporção entre o crescimento da CSC e o espaço para a sua atuação política no interior da CUT foi o principal motivo do esgarçamento da relação entre esta tendência e a Articulação Sindical.
A ruptura foi inevitável. “Queremos que a sociedade conheça nossas ideias. E isso não está sendo possível dentro da CUT. Avaliamos que nem seria possível porque quando aderimos à CUT havia uma polarização no movimento sindical, entre a CUT e a Força Sindical. Resolvemos ir para o lado que estava mais comprometido com a luta dos trabalhadores, mas hoje o movimento sindical está pulverizado”, afirmou Wagner Gomes.
Para ele, a fundação de uma central com perfil plural e democrático seria a forma mais adequada de inserir as propostas da CSC no debate que se desenvolvia no país. “Não seremos uma central de oposição à CUT — achamos que esta central ainda tem um papel importante a cumprir. Teremos uma relação de parceria prioritária com a CUT”, explicou.
Pode-se dizer que os passos que a CSC estava dando naquela nova etapa tática seguiam este caminho. Para Wagner Gomes, este protagonismo pressupunha unidade, que se daria por meio da coordenação das centrais “numa agenda comum de ações”. Ou seja: não havia mais base real para se pensar na unidade apenas em uma central sindical. As tendências do movimento sindical se agrupavam em campos distintos porque a nova dinâmica social do país exigia respostas inteiramente novas. E não era possível imaginar a CUT como o ambiente mais propício para a busca destas respostas.
A CTB surgiu no seu 1º Congresso, realizado entre 12 e 14 de dezembro de 2007, no Sesc Venda Nova, em Belo Horizonte (MG), com a participação de mais de mil e quinhentas pessoas, entre delegados, parlamentares, convidados e representantes de organizações de trabalhadores. Centenas de assembleias em todo o Brasil discutiram o desligamento da CUT e a criação da nova central.
Wagner Gomes no Congresso de Fundação da CTB
Um minuto de silêncio
Wagner Gomes, que seria eleito o primeiro presidente, afirmou, em nota enviada à mídia, que a expectativa da CTB era representar um milhão de trabalhadores. “Viemos para ser uma alternativa para o movimento sindical brasileiro. A principal meta da CTB é criar um comando unificado de lutas, com a convocação de uma conferência nacional de trabalhadores, que, a partir da participação de todas as centrais sindicais do Brasil, defina uma plataforma unificada de reivindicações”, disse.
Eleito primeiro presidente da CTB
Segundo ele, a criação da entidade não tinha como objetivo dividir o movimento sindical. “É um ato a favor da classe trabalhadora, à medida que pretende agregar trabalhadores do campo e da cidade, construindo unidade para lutar por um país mais justo”, acrescentou. A central, afirmou, já era “a principal força do movimento rural brasileiro, pois reúne seis federações de trabalhadores do setor”.
No Congresso de fundação, Wagner Gomes afirmou que, se a CTB não fosse plural, já nascia com a “sentença de morte”. A central nasceu para reunir representantes de diversas correntes e partidos políticos distintos, além de lideranças independentes. Paulinho da Força, à época deputado federal pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) de São Paulo, afirmou que a CTB surgia quase simultaneamente ao momento da legalização das centrais sindicais.
Wagner Gomes possuía uma singular capacidade de negociação política e de dominação da subjetividade dos trabalhadores. Seus discursos em assembleias com multidões de até três mil pessoas, em momentos tensos de greves em campanhas salariais, magnetizavam todos, que, em silencio absoluto, assimilavam cada palavra, cada opinião. Esse silêncio agora é de todos que conviveram com ele, em um minuto de reverência total à sua memória e ao seu legado.
*Jornalista, escritor e historiador, foi diretor de Imprensa do Sindicato dos Metroviários de São Paulo de 1989 a 2001, trabalhou na CUT e na CTB.
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