A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB-BA)

Atuante em movimentos negros e presidente da Comissão dos Direitos das Mulheres na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), a deputada estadual Olívia Santana (PCdoB), primeira mulher negra a ocupar uma cadeira no legislativo, eleita em 2018, atribui os dados de violência contra mulheres negras no estado ao racismo estrutural. Para a parlamentar, essa é uma questão de “necropolítica operando em alta”.

“Na Bahia, talvez seja ainda mais forte que todo o Brasil. Os níveis de condições de vida da população negra sempre foram muito baixos, historicamente, de exclusão nos espaços de poder, nos empregos de alto prestígio social e econômico, nós também temos uma grave sub-representação negra. O que mostra quão profunda é a invisibilidade e subalternizada a população negra no nosso estado. Há um descarte crônico, a população negra está sempre sobre representada nos indicadores mais baixos”, disse Olívia em entrevista ao Bahia Notícias.

 A deputada comenta que os dados do Atlas da Violência, divulgados na semana passada, tem como base o ano de 2019. Par   a ela, os dados de 2020 e 2021 tendem a piorar por conta dos efeitos dos decretos de Bolsonaro de liberação de armas.

“É preciso mudar a política de guerra às drogas, que em vez de reduzir, só aumenta os indicadores de mortalidade. É fundamental superar a cultura desenvolvida com base nos altos de resistência, que sempre justificou operações policiais letais. A pena de morte para negros  sempre existiu neste país. Isso se chama necropolítica. A Bahia não é diferente.  Precisamos coletivamente enfrentar essas coisas com inteligentes e humanismo”, afirma.

Em entrevista ao Bahia Notícias, nesta segunda-feira (6), Olívia fala sobre políticas públicas para enfrentar a violência, articulação para 2022, o impacto da pandemia em seu primeiro mandato e mais. Confira abaixo a entrevista completa com a parlamentar.

Bahia Notícias: deputada, antes de entrarmos no assunto política, quero falar sobre os novos dados do Atlas da Violência. Foi divulgado que na Bahia, nove em cada 10 mulheres vítimas de homicídio eram negras, isso em 2019.  A que a senhora atribui esses dados? Qual leitura você faz?

Olívia Santana: Eu atribuo ao racismo estrutural. Que na Bahia talvez seja ainda mais forte que todo o Brasil. Na Bahia, os níveis de condições de vida da população negra sempre foram muito baixos, historicamente, de exclusão nos espaços de poder, nos empregos de alto prestígio social e econômico, nós também temos uma grave sub-representação negra. Observe que no Rio Grande do Sul nós já tivemos Alceu Collares eleito governador e era negro, temos o senador Paulo Paim, mas aqui na Bahia é impensável que algo assim aconteça a curto prazo. O que mostra quão profunda é a invisibilidade e subalternizada a população negra no nosso estado. Há um descarte crônico, a população negra está sempre sobre representada nos indicadores mais baixos, sem acesso a representação nas chamadas classes médias. Então a população negra na Bahia é muito empobrecida e é uma pobreza crônica. Precisaria de fato ter projeto de sociedade, de estado, no sentido de mexer com essa estrutura cristalizada de subalternização que legitima e constrói esse ambiente de violência, tanto de feminicídio, de violência que faz com que haja tantas perdas de homens e mulheres negros, vítimas da guerra as drogas. É uma situação extremamente complexa que precisa, não só ser revelada, mas enfrentada. A violência contra as populações negras é uma questão política, é a necropolítica operando em alta, e isso diz respeito a todos nós, agentes públicos e também a sociedade civil. Sobre os dados do observatório da violência,  é muito importante que para problemas estruturantes não tenhamos respostas superficiais dos governos. A violência contra negros e mulheres é endêmica e banalizada. Todos os dados sempre revelaram isso. Os dados publicados este ano têm como base o ano de 2019. Acredito que tende a piorar os dados de 2020 com os efeitos dos decretos de Bolsonaro de liberação de armas.
É preciso mudar a política de guerra às drogas, que em vez de reduzir, só aumenta os indicadores de mortalidade. É fundamental superar a cultura desenvolvida com base  nos altos de resistência, que sempre justificou operações policiais letais. A pena de morte para negros  sempre existiu neste país. Isso se chama necropolítica. A Bahia não é diferente.  Precisamos coletivamente enfrentar essas coisas com inteligência e humanismo.

Esses números podem evidenciar uma redução nos investimentos em políticas públicas de defesa desse público. Em esfera federal, e também aqui, local, o que pode ser feito para tentar amenizar esse quadro?

O que precisa ser feito é que os agentes públicos vejam esses dados com olhos de ver. De quem de fato quer ver e quer enfrentar o problema. Nós temos uma situação que se agravou ainda mais com a mudança do governo federal, nós vínhamos em um ambiente de política de ação afirmativa no Brasil, de investimentos nas universidades públicas, a política de cotas foi conquistada no Supremo Tribunal Federal e depois votada também no Congresso, o que eleva as condições educacionais da população negra. Mas é evidente que a ascensão de Jair Bolsonaro ao governo federal significou uma agenda reversa e de desconstrução das conquistas que vínhamos acumulando. E houve um impacto grande no Nordeste com a retenção de verbas, uma política de perseguição aos governos, tudo agora é judicializado para conseguir que os recursos cheguem e essa situação política negativa associada à pandemia, tornou ainda mais dramático o quadro. Os dados do mapa da violência são de 2019, os dados de 2020 e 2021 talvez sejam ainda mais graves, é quando se pode medir o efeito da pandemia na precarização da vida da população negra. A situação requer investimentos públicos de monta, principalmente no âmbito da educação, educação infantil e de jovens e adultos, esse cenário educacional significa oportunidades para a população negra pela via educacional é estratégico. Educação integral e integrada, precisamos de uma política generosa de educação, você não faz isso investindo apenas 25% que a Constituição define, é preciso ampliar os investimentos em educação pública, nós precisávamos de um projeto que investisse no mínimo 40% do orçamento público em um projeto vigoroso de educação, para que a gente possa alcançar indicadores sociais melhores e enfrentar esse buraco que a pandemia deixou com a suspensão das aulas na rede pública. Associado a isso, é preciso mudar essa política de guerras às drogas. A morte da população negra é sempre justificada: ‘morreu em combate, a polícia atirou para se defender, entrou na comunidade e respondeu com tiros ao ser provocada’. E a gente só vê os corpos de negros estendidos ao chão. Eu penso que esse é um problema da Bahia e do Brasil, temos uma política de segurança pública que legitima os assassinatos em massa de jovens negros, não podemos só contemplar os números, é preciso mudar essa política.

Para entrar no assunto político, como está a sua relação com o governador Rui Costa para essa reta final da gestão dele?

Relação tranquila, estamos bem. Uma relação positiva, sou da base do governo e tenho participado das reuniões do governo, as votações. Considero que nossa relação está muito tranquila, tenho conversado com o governador sem novidades.

E as conversas no PCdoB para as eleições do ano que vem? O partido deve mesmo fechar com o senador Jaques Wagner, eventual candidato ao governo?

Nós fazemos parte desse campo de forças políticas que marcha junto. Nós somos parte de um projeto que está em curso na Bahia, então é claro que o PCdoB vai ter o momento de sentar com o governador e com o ex-governador Jaques Wagner e pactuar o nosso apoio. Acredito que essa é uma tendência de apoiarmos Jaques Wagner e continuarmos juntos nesse projeto na Bahia. Mas ainda haverá esse momento de encontro, de o partido debater o projeto. Nós também precisamos contribuir com um novo programa, um programa que se renove e aponte também novas perspectivas para um projeto popular de desenvolvimento, distribuição de renda no estado. O PCdoB está pronto para no momento oportuno sentar com o governador e discutir a nossa participação em 2022.

Após a manifestação de apoio de diversos partidos, inclusive da oposição, o secretário Nelson Pelegrino já garantiu amplo apoio a vaga no Tribunal de Contas dos Municípios. Concorda com a indicação dele?

Eu tenho uma ótima relação com Nelson Pelegrino, muito respeito, é um bom nome, está posto também. O deputado estadual Fabrício (PCdoB) também apresentou o nome dele, eu acho que é salutar, faz parte das regras democráticas que a gente possa ouvir os partidos e não apenas apresentar e haver uma mera adesão. Eu acredito que é legítimo, que o nome de Fabrício também esteja colocado, mas acredito que a gente vai ter sim condição de diálogo e marchamos juntos.

Recentemente nós tivemos os jogos olímpicos com forte protagonismo de atletas baianos. O evento reacendeu um debate sobre a estrutura para os esportistas em nosso estado. O boxeador medalha de ouro, Robson Conceição, chegou a criticar o governador Rui Costa pela promessa do Centro Olímpico de Boxe. Como ex-secretária do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte, qual sua opinião sobre isso?

A minha opinião é que certamente a Bahia é um dos estados que mais investe em esportes no Brasil. Aqui temos uma superintendência como é a Sudesb, a gente fez grandes investimentos, milionários em infraestrutura em esporte, temos o centro Panamericano de Judô, eu fui parte daquele processo. Quando fui secretária nós demos a ordem de serviço para a construção de centros de canoagem, um compromisso que o governador assumiu com Isaquias Queiroz e cumpriu. Infelizmente, houve um problema com o centro de boxe porque o Iphan deu um parecer desfavorável ao espaço, do imóvel onde seria implantado o Centro. Mas o compromisso do governo continua, reconhece que há uma dívida com o boxe. O que eu acho que deve haver é uma maior integração entre  a política educacional e a política de esporte e cultura. Eu penso que nós precisamos ter um projeto mais alinhado de integração como forma de enfrentarmos essa situação de carência que a juventude passa e de vulnerabilidade social. Temos ainda muito a realizar e acredito que o governador Rui Costa vai continuar nessa batida, e vamos conseguir mudar a face do Brasil em 2022. É preciso garantir novas perspectivas para o país, em um momento que a gente discute os dados do mapa da violência, presidente da república investe, virou garoto propaganda, de armas. Defende que no meio da fome, que as pessoas comprem fuzil e não feijão, então é essa realidade brutal e triste que nós estamos vivendo.

Como a senhora avalia o impacto da pandemia nos mandatos da Assembleia? Realização de sessões remotas, a senhora enquanto deputada de primeiro mandato. Como mensura isso?

É um impacto muito forte, nós ficamos mais de um ano sem poder fazer atividade presencial, agora abriu um pouco mais. A assembleia está realizando suas atividades semipresenciais, as sessões voltaram a acontecer no plenário. Eu já voltei, tenho atuado em plenário, com segurança, nós temos que ter muita responsabilidade e dar exemplo. Para mim é muito frustrante pois é o meu primeiro mandato e a gente vinha em uma batida muito forte de fazer as audiências públicas numerosas em 2019. O impacto é grande, mas nós temos que nos adaptar e voltar a nossa atenção a precaução para evitar a perda de mais vidas humanas e dar toda contribuição nessa direção.

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Com informações de Bahia Notícias