Eletrobras é um dos principais alvos de privatizações do governo Bolsonaro

Especialistas defendem em seminário que a perda gradual de controle estatal sobre estas empresas estratégicas impede a geração de excedentes para investir na sociedade, restringindo sua produção a geração de lucro para acionistas.

O debate sobre a crise do setor energético no Brasil e os desafios para a sua recuperação continuou, nesta segunda (30), no Seminário “O Desmonte do Setor de Energia – Petrobras e Eletrobras – e os Caminhos para a sua Reconstrução”.  O seminário, promovido pela Fundação Maurício Grabois, através da Cátedra Claudio Campos, tratou da Eletrobras, com privatização prevista para o dia 13 de junho.

A criação da Petrobrás (1953) e da Eletrobras (1962) foram marcos fundamentais na afirmação da soberania nacional, superando a ineficiência das companhias estrangeiras que aqui operavam, e permitindo um grande salto no desenvolvimento do país.

Para debater o tema, foram convidados especialistas que não apenas são profundos conhecedores da real situação dessas duas empresas, como tiveram a experiência de dirigir ou trabalhar nelas ou na agência reguladora.

Está em curso um processo de doação da Eletrobras. O governo espera arrecadar R$ 67 bilhões para ceder o controle da empresa, quando o TCU fala que deveria ser ao menos R$ 140 bi, embora especialistas falem em R$ 400 bilhões, ao comparar com empresas similares no mundo. caracterizando um crime de lesa pátria, contra a segurança e a soberania nacional pelo significado estratégico que tem a energia em qualquer processo de desenvolvimento, não podendo estar sob controle estrangeiro.

O professor Ildo Sauer começa a falar a partir de 27m40s, por 34 minutos:

O golpe final

O engenheiro civil Ildo Sauer mostrou a luta, desde Getúlio, para enfrentar a Light e criar a Eletrobras, que vai se consolidar apenas com João Goulart. A emergência do ultraliberalismo imposto por Washington, com o fim do socialismo soviético, ataca o monopólio estatal do petróleo com reformas constitucionais. É quando se cria a lei de concessões para a Eletrobras, durante os governos Collor e FHC, particularmente com a Lei 9478 de 6 de agosto de 1997. Além de favorecer a privatização, essas mudanças reduzem a capacidade do estado de incluir essas empresas como alavancas de um projeto nacional de desenvolvimento.

Ildo Sauer explica que essas mudanças visaram a beneficiar acionistas em detrimento do consumidor, ao impedir que seja gerado excedente de energia que possa ser dividido entre os brasileiros. Agora, os ataques de Bolsonaro aos neoliberais encastelados na Petrobras (devido aos reajustes da gasolina), paradoxalmente, apontam para uma tentativa de golpe para privatizá-la, na medida em que tenta colocar a opinião pública contra a empresa.

Ele lamenta que a PPI não tenha sido alterada, já que ela existe, desde 1938, pois o Brasil era importador. Além disso, a venda generalizada de ativos visa cristalizar um “ponto de não retorno”, segundo ele. Sua leitura é de que a pressão de Bolsonaro sobre os acionistas minoritários procura congelar preços até sua eleição, para, então, dar o golpe final.

Milhões de famílias às escuras

Sauer considera uma vergonha que ainda haja um milhão de famílias brasileiras às escuras, apesar da promessa de universalização do consórcio de empresas. Ele conta como, desde 2003, propôs uma reorganização do sistema energético para garantir universalidade de acesso e gerar excedentes econômicos que poderiam financiar áreas sociais do governo. No entanto, ele acredita que o primeiro golpe com a consolidação da privatização da Eletrobras será o aumento do custo da energia, ao contrário do que se diz. O segundo será a venda das usinas hidrelétricas que poderiam ampliar o potencial de geração de energia eólica, fotovoltaica, de biogás e biomassa, mas se tornarão um obstáculo a isso. Além disso, o controle privado sobre a água dos reservatórios gera outros problemas.

Ele considera criminoso que o Congresso tenha exigido que o excedente econômico de Itaipu vá para o fundo da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Este fundo, segundo ele, serve para investir em usina de gás natural, onde não tem gasoduto nem gás, “para favorecer um mero investidor que tem sob sua conta de aluguel uma parcela significativa do Congresso”.

Ildo Sauer critica a permanência das usinas termoelétricas na matriz, com alto custo e baixa participação, implantadas desde 2012. Ele considera uma mentira dizer que a hidrologia (chuvas) é um problema, pois ela sempre foi variável. “O que faltou foi planejar usinas de outro tipo, contratá-las com outro modelo de precificação e ampliar e implementar a cadeia produtiva brasileira. A maior parte dos equipamentos é importada. Energia fotovoltaica só não tem mais no Brasil, porque um dia depois da minha demisão, fecharam a fábrica de silício fotovoltaico, que a Petrobras estava fazendo em Minas Gerais com parceiros”.

Ele critica também o fato de o governo ter “sucumbido ao pato amarelo da Fiesp”, mantendo o custo da energia muito baixo. As reformas do setor não foram feitas em 2003, “mas transformadas numa negociação com o mercado” por meio de Medida Provisória, mantendo o parâmetro anterior de FHC. Com isso, ele critica o fato do modelo não ter sido alterado, favorecendo o golpismo atual nas estatais.

Quando o governo assinou decreto para privatizar a Petroleo e Pre-Sal S.A., perdeu a capacidade de gerenciar todo o excedente por contratos de partilha. Para o professor Ildo, é uma questão de soberania nacional controlar o ritmo de produção para participar de acordos internacionais, garantir que o excedente econômico do petróleo seja devolvido ao povo brasileiro. Ele enfatizou que é preciso dizer, desde já, que tudo que for feito com essas empresas será revogado. Ele sugere que isso seja feito por meio de referendo para conhecimento amplo da população.

Após o debate, o professor esclareceu que o fato da essência do modelo energético prevalecer do mesmo jeito que Fernando Henrique deixou, não se dá por falta de propostas, mas de apoio político. “O que fazer, nós sabemos; é só voltar às propostas de 2003, que foram negligenciadas”.

Assim, ele defende que é possível privatizar e garantir os interesses do estado. “O precisa é fazer os capitalistas prover o que mais podem, capital e capacidade de gestão para produzir expansão, mas o preço não pode vir da loteria da hidrologia e da eologia, mas da gestão de excedentes”, concluiu.

O engenheiro civil Ildo Sauer é ex-diretor de Gás da Petrobras, ex-diretor do Instituto de Energia e Ambiente. Possui doutorado em Engenharia Nuclear – Massachusetts Institute of Technology (1985) e atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo.

(por Cezar Xavier)