‘Eleições no Brasil acontecem sob ameaça à democracia’, diz Manuela
Em entrevista ao Portal R7 (Coluna do Fraga), na tarde desta terça-feira (27), antes da caravana do ex-presidente Lula ter sido alvejada por tiros, mas já alvo de pedras, a pré-candidata do PCdoB à Presidência da República, Manuela D’Ávila disse ver com preocupação a escalada de violência que cerca o processo eleitoral no Brasil.
A presidenciável lembrou da agressão que sua filha, Laura, sofreu ainda recém-nascida quando amamentava, e frisou que atirar pedras não é manifestação, é tentativa de homicídio: “A gente vive o momento da saída do armário dos ‘Bolsos’ que não querem que pessoas que pensem diferente se manifestem”.
Manuela também falou sobre maternidade, sua defesa do Direitos da Mulher e de suas propostas no campo econômico, caso seja eleita. Leia a seguir a íntegra:
Se você tivesse que explicar a um estrangeiro o contexto das Eleições 2018, o que você diria?
A primeira coisa que as pessoas que não são do Brasil precisam entender é essas eleições acontecem sob grande risco ou ameaça à democracia. Tivemos um episódio de um impeachment sem crime de responsabilidade em 2016, vivemos um governo que implementa um programa que não foi o escolhido pela população e temos um esforço grande de uma parte do Poder Judiciário para judicializar o tema da candidatura do presidente Lula, que é o primeiro colocado nas pesquisas, acho que essa é a marca da pauta, ou projeto eleitoral no Brasil.
Tivemos recentemente o assassinato de uma vereadora de esquerda que lutava contra a violência e desigualdades e agora vemos ataques à caravana do presidente Lula? Você é mulher de esquerda. Você ficou com medo depois desses episódios? Reforçou a segurança? Acha que está mais perigoso fazer política no País?
São várias respostas. O Brasil há bastante tempo comete crimes contra militantes, vou usar o termo genérico, militantes dos Direitos Humanos. Esses crimes ocorrem sobretudo no campo. Eu já estive na Comissão de Direitos Humanos de 2011 e um dos temas centrais que nós enfrentávamos que cresceu muito no último período é o assassinato do pessoal ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, por exemplo. O tema da violência contra militantes sociais é um tema permanente no Brasil, embora o caso da Marielle seja emblemático dessa violência política nos centros urbanos. E de uma mulher que carregava muitos símbolos nela, ela tinha cara desse Brasil que pede passagem, e que tem a passagem obstruída por esses setores ultraconservadores.
Eu, desde o período do surgimento desses grupos organizados fascistas. Desde que eu estava gestante. Desde que a minha filha foi agredida aos dois meses de idade, eu já tomo muito cuidado. Porque as pedras que eles atiraram na caravana do presidente Lula é um dos instrumentos, mas eles podem fazer uso de outros. Alguém estava chocado, mas para quem teve a filha agredida, mamando, aos dois meses, nada choca. Porque é um movimento que tem um grande viés nazista. Então há muitos anos e desde antes tomo os mesmos cuidados. Mas essa gente não fará como que eu sinta medo. Porque o medo que a gente sente, todos nós somos humanos e ele flerta conosco, ele não pode ser maior do que a vontade que a gente tem que o Brasil seja um País que não dê espaço ao ódio e à intolerância. A maior vitória deles é fazer com que o medo nos paralise.
Ontem [ataque à caravana de Lula com pedras] e não posso dizer que eu não tenha ficado chocada quando a minha filha foi agredida e fico perplexa com parlamentares defendendo o uso de métodos violentos públicos, de destruir uma manifestação política de quem que seja. A gente não está falando de escracho. Defendi o direito da Miriam Leitão de entrar naquele avião quando foi escrachada mas condenei os que a escracharam. A gente está falando de pedra. A gente está falando de pessoas que tentaram matar. Porque quem atira uma pedra, tenta matar. Não adianta tentar chamar de manifestação. É tentativa de homicídio o nome disso. Né porque, na Bíblia, quando pegaram as pedras para atacar Maria Madalena não era para acariciar. Então assim a gente vive o momento da saída do armário dos ‘Bolsos’ que não querem que pessoas que pensem diferente se manifestem. Acho que a gente precisa ter claro o significado disso pra não baixar a cabeça e lutar pela democracia no País.
Teto de gastos e reforma da Previdência: Você já se manifestou contra, mas como faria para equilibrar as contas do governo que tinha um déficit enorme?
O tema das contas passa sobretudo pela recapacidade do Estado. Eu vejo como central o tema da reforma tributária. Na semana passada num debate que nós fizemos com um conjunto de economistas, embaixador Samuel Pinheiro, brasileiros com renda de mais de 160 mil por mês, se não me engano, não são os que mais pagam imposto de renda, porque lucros e dividendos não são tributados, porque grandes fortunas não são taxadas. Um dos temas centrais é o Brasil melhorar a sua arrecadação. Tributando menos aos mais pobres, portanto menos a renda, no sentido dos mais pobres e mais lucros e dividendos e grandes fortunas. Isso nós chamamos de reforma tributária de caráter progressivo.
Nós precisamos de medidas que consigam enxergar o tema do enfrentamento à desigualdade real com a possibilidade da retomada do crescimento da economia. Por isso a PEC do teto de gastos, a PEC 95, é estúpida nos dois sentidos. No sentido de garantidora de políticas sociais que principalmente as mulheres precisam, para voltar ao mercado de trabalho, pra serem emancipadas mas também porque o investimento nessas políticas sociais movimenta a economia. O maior exemplo disso é a construção de escolas dignas, por exemplo, no Estado do Maranhão, o fato que tu garante que as pessoas não estudem numa escola de taipa, mas simultaneamente a isso tu garante emprego a partir das escolas e dos equipamentos públicos.
Você foi questionada por levar a sua filha a eventos e ao trabalho e viagens e levantou o debate da mulher no mercado de trabalho. O que fará caso eleita para reduzir essa desigualdade de oportunidades e salários e o que faz no dia a dia para equilibrar trabalho e maternidade?
Eu não tenho uma jornada de trabalho, entre oito e seis. Às vezes eu viajo dois, três dias, fico dezessete, dezoito horas trabalhando. Por essa razão, pra uma mulher que amamenta, que era o meu caso até dez dias atrás se fez necessário estar com a minha filha em alguns ambientes em determinado período. As crianças não se criam sozinhas. Porque ela não está na escola, porque não estamos no Japão, onde as crianças vão sozinhas, e elas precisam ser levadas e ser buscadas na escola. Só para dar um exemplo. Não tem com quem ficar à noite. E se tu divide a responsabilidade como eu divido com o meu companheiro exclusivamente, para estar perto dessa criança significa que se eu tenho uma agenda noturna de trabalho, eventualmente estar com essa criança nesse ambiente para que você não tenha que abrir mão sempre de estar nesse ambiente.
O tema das crianças nos espaços públicos, nas conferências, nos auditórios, nesses espaços que são extra-jornada de trabalho. E grande parte da atividade política tem relação com essa jornada. Agora, por exemplo, pela manhã, estou na Assembleia, a Laura não está aqui. Mas muitas vezes no horário do almoço ela está. Eu não tenho culpa que as reuniões de líderes acontecem no horário que o mundo almoça. Então eu concilio os espaços da minha vida profissional com as atividades que fazem parte da minha vida profissional mas que extrapolam o horário convencional, que são os horários que eu tenho o suporte por exemplo da escola para ajudar na criação da minha filha.
A maternidade no Brasil é um dos elementos, ou o principal elemento de construção da desigualdade entre homens e mulheres. 50% das mulheres que são mães não voltam ao mercado de trabalho depois dos quatros mais dois meses garantidos pela CLT. Isso antes da reforma trabalhista, imagina depois da reforma trabalhista. Nós precisamos em primeiro lugar, primeiríssimo lugar, compreender que a ausência de políticas públicas de Estado tem uma relação com isso. E por isso que Emenda Constitucional 95 é uma afronta às mulheres e quero ver que algum candidato, desses que nunca trocaram uma fralda de filho, me dizer que existe creche suficiente no Brasil. Ou que existem atividades complementares suficientes, dentro ou fora do sistema escolar, sobretudo dentro, o que nós chamamos de escola de tempo integral, para que as mulheres possam trabalhar as suas jornadas de oito horas, mas o deslocamento de pelo menos duas horas no transporte coletivo nos grandes centros urbanos.
Numa sociedade machista em que os cuidados das crianças recai sobretudo às mulheres, uma sociedade em que seis milhões de crianças sequer tem o nome do pai. Ou seja, foram abortadas pelos seus genitores, porque se um homem não registra é um aborto que ele faz, de uma criança que nasce. Nessa sociedade, o papel do Estado na emancipação da mulher é gigantesco e a gente precisa compreender isso. Que o conjunto das políticas sociais são determinantes para a emancipação das mulheres. Por outro lado existem outras legislações que também acho que aqui estimula o debate da igualdade de gênero no País.
Eu defendo que o governo não licite, não contrate empresas que não remunerem igual homens e mulheres pelo mesmo trabalho. Defendo que não seja permitido aos contratantes a pergunta sobre filhos. Como França e Irlanda já fazem. Pois essa é uma forma de excluir a mulher da vaga posta. Porque há a reprodução da ideia, muitas vezes acertada já que faltam equipamentos públicos, que essa mulher cuida sozinha dos filhos. É preciso enfrentar os temas da desigualdade salarial entre mulheres, e mulheres mães e homens é imensa, mulheres ganham 21% menos do que homens e para mulheres mães a desigualdade dobra.
Temos que de um lado combater o machismo e de outro lado, enquanto troca o pneu do carro, de políticas mais emergenciais, precisamos também de um Estado que seja parceiro na ideia de que as mulheres e homens são diferentes porém merecedores de direitos iguais.
Passaria por licença paternidade maior?
Poderia, defendo que isso caminhe para a licença parental. Mas por ora ainda temos que garantir a todas as mulheres o direito a seis meses de licença maternidade. Para amamentar exclusivamente se quiserem.
Isso porque muitas empesas privadas ainda não aderem à licença de seis meses?
Não apenas as privadas, eu tive licença de quatro meses sendo parlamentar. A gente tem uma visão de curto prazo do gasto público e não percebe e não trabalha com elementos científicos para construir políticas públicas. O impacto econômico da amamentação exclusiva até o sexto mês é avassalador nos outros anos da primeira infância em relação aos custos na Saúde. Se a gente não consegue ter visão humanitária que a gente tenha ao menos uma visão adequada comprovada com estudos científicos da execução das políticas públicas no Brasil. Para que gastar com um conjunto de medicação de asma, por exemplo, ao longo da vida, se posso evitar garantindo a amamentação prolongada e exclusiva até o sexto mês?