Eleições municipais de 2020: Notas sobre o resultado
As recém-terminadas eleições municipais se realizaram em meio a uma situação de crise multilateral: política, sanitária, econômica, de avanço do estabelecimento de um Estado de Exceção por parte de círculos jurídico-policiais, e de fortes limitações democráticas à participação dos partidos de feição popular. Abordaremos alguns aspectos das circunstâncias em que se realizaram essas eleições, e que tiveram impacto em seus resultados, objetivando entender o “recado das urnas” e os desafios dele decorrentes para darmos curso ao complexo, longo e inconcluso, processo de construção nacional.
Por Ronald Freitas*
O longo período de retrocesso político, no mundo e no país, que perdura desde os fins da década de 90 do século passado, com o fim da ex-URSS, é um fator condicionante fundamental da evolução política, econômica e social de nossa conjuntura. O traço fundamental da atual situação é o ascenso das direitas, desde a direita clássica até a extrema-direita. No nosso país, essas tendências, cada uma à sua maneira, adaptaram se às condições políticas e econômicas, surgidas após o fim da ditadura militar em 1985, e a promulgação da atual Constituição Federal em 1988.
A Direita Clássica, além de segmentos e setores sociais que a compõem, como grandes industriais e financistas, agro empresários, militares graduados, alta burocracia estatal etc., tem no MDB, no PSDB e no DEM, na atualidade, seus principais partidos políticos. A partir da promulgação da Constituição de 1988, paulatinamente recuperaram espaços na cena política e na organização do Estado brasileiro. Nesse processo introduziram mudanças importantes em dispositivos constitucionais que estabeleciam avanços na organização do Estado e na vida da sociedade e retomou o leme de condução do Estado nos termos em que o fez desde a Proclamação da República. Pois, mesmo no breve interregno de 13 anos (2003- 2016) em que forças democrático-populares, sob hegemonia do PT, estiveram à frente do Governo Federal – governos Lula e Dilma –, o controle do aparato do Estado pela Direita Clássica não foi interrompido, e em certos casos foi fortalecido.
Nesse mesmo período, utilizando-se das liberdades existentes, a Extrema- Direita, fundamentalista – em íntima e orgânica ação com seus pares em outros países, principalmente nos EUA, mas não só – atuou acumulando forças, fazendo intenso e continuado proselitismo de ideias, formando quadros e ativistas, atuando no parlamento, apoiando-se em setores religiosos reacionários e conservadores, como os católicos fundamentalistas e os evangélicos neopentecostais. Na frente ideológica, utilizando de forma eficiente modernos meios de comunicação, efetuou, e efetua, intenso processo de divulgação de suas ideias e promove cursos de formação política, nos quais transmite os ideais direitistas e conservadores. Na mobilização das massas, em torno de seus objetivos, por meios abertos, clandestinos ou semiclandestinos, joga intenso papel, como na atuação desenvolvida nos protestos contra a realização da Copa do Mundo, nas lutas contra a realização das Olimpíadas e nas manifestações de 2013, deflagradas a partir de reivindicações contra o aumento de passagens de ônibus. Trata-se de um conjunto de ações políticas que prepararam o terreno para o impeachment de Dilma em 2016. No parlamento, atuou fortemente por meio de deputados do chamado baixo clero, como Bolsonaro, e de bancadas setoriais e conservadoras, como a bancada da bala, a bancada do boi e a bancada dos evangélicos. Setores esses que paulatinamente cresceram desde a década de 90 do século passados até os dias atuais.
Com a evolução da crise dos anos 90 do século passado, e aproveitando se dos erros cometidos pelo PT e pelos governos Lula/Dilma, a Direita Clássica – com entusiasta e eficiente apoio dos meios tradicionais de comunicação, com intenso uso das mídias sociais, e tendo o aparato jurídico/policial acima referido como ponta de lança legal, e desde o início com discreto, mas eficiente, apoio das Forças Armadas, além da ação militante da extrema-direita – levou à frente, por meio do impeachment de Dilma em 2016, o afastamento do governo central da República, do conjunto de forças democráticas, progressistas e de esquerda que o dirigia. Em consequência instalou-se uma forte instabilidade política no país, que teve como resultado a eleição de Bolsonaro para a Presidência. Dessa maneira, a Extrema Direita, fundamentalista, xenófoba, anticivilizacional, defensora de um governo autoritário, instalou-se no comando do governo e está levando o Estado brasileiro a seguidos impasses, na sua busca de implementar seu retrógrado e autoritário programa.
O campo popular, democrático e de esquerda – composto por movimentos sociais progressistas, movimento sindical, intelectualidade e membros da academia, setores artísticos e culturais, ambientalistas, defensores dos direitos humanos difusos e de variadas causas, como a dos direitos indígenas, entre outras, e que tem no PT, PCdoB, PSB, PDT, PSOL seus partidos mais representativos, durante todo esse processo de evolução da crise estrutural que se iniciou nos anos 90 do século passado, e continua, desenvolveu intensa atividade política, conquistou vitórias importantes, mas faltou um projeto de Nação que, ao lado de unificá-lo, fosse capaz de mobilizar as mentes e os corações, das várias camadas de nossa população, e as unificar e as engajar na construção de um Brasil soberano, desenvolvido, democrático, dotado de capacidade de autodefesa que desestimule ambições externas, e socialmente mais justo. Em decorrência disso, atuou de forma dispersa e muitas vezes conflituosa e, com o evoluir da situação socioeconômica, do agravamento da crise política a partir de 2013, e do impeachment de Dilma, em 2016, foi para a defensiva, viveu e vive um forte desgaste político e sofreu a derrota eleitoral e política em 2018.
Também na economia, vivemos um longo período de crise, que a partir de 2007/8 vem se desdobrando e agravando as condições de vida dos povos, obstruindo o processo de desenvolvimento de nações emergentes e agravando as assimetrias nas trocas comerciais entre as nações ricas, pobres ou em desenvolvimento. Uma crise estrutural do capitalismo que, em sua fase neoliberal, tem propiciado uma crescente concentração de riqueza, e uma forte desorganização das economias nacionais em favor do controle delas por grupos financeiros industriais multinacionais. Concomitante a isso, mas com características próprias, vem ocorrendo profundas modificações nas forças produtivas, por meio das revoluções tecnológicas em curso, que aumentaram enormemente a produtividade do trabalho e provocaram, como efeito colateral perverso, uma onda de desemprego em todo o mundo capitalista, e um enorme aumento dos ganhos do capital.
Os reflexos dessa crise estrutural entre nós são significativos, pois, como país economicamente dependente do capital financeiro internacional, em rápido processo de desindustrialização, tendo no agronegócio e no extrativismo mineral o polo dinâmico de sua economia – o que nos caracteriza como exportadores de commodities –, somos fortemente atingidos pelas dificuldades que acometem os países centrais do capitalismo.
No Brasil, essa crise se manifesta de múltiplas formas. Estamos com o nosso crescimento estagnado e, no ano de 2020, devemos ter um PIB negativo em cerca de 4,41%, segundo o relatório Focus do Banco Central, de 14-12-2020. O desemprego é alarmante, pois, segundo o IBGE–PNAD, de 27-11-2020, está na faixa de 14,6% e tem crescido com a pandemia. Temos cerca de 15 milhões de desempregados e, se agregarmos a isso o subemprego, a atividade informal etc., a legião de pessoas que não têm um meio regular de sobrevivência é assustadora.
Isso tudo teve forte impacto nas eleições de novembro último, facilitando a influência do poder econômico no processo eleitoral e contribuído sem dúvida para a desesperança do eleitorado, além de potenciar as práticas abusivas da compra de votos entre outras.
De outra parte, há as Circunstâncias Sanitárias. A longa e séria pandemia que se abate sobre o mundo e o Brasil foi um dos condicionantes principais do desenrolar do processo eleitoral recém-terminado. O justo medo de contrair o vírus diminuiu em muito o efeito das atividades de campanha. Assim, a chamada campanha virtual e a televisão assumiram um papel central nessas eleições; o que, para a grande maioria dos candidatos e mesmo eleitores, foi um dificultador da participação.
Além desses aspectos, a pandemia foi parte importante da disputa de ideias e de votos durante as eleições. Na realidade, durante toda a campanha, confrontaram-se concepções distintas, e mesmo antagônicas, de como se comportar no enfrentamento da pandemia. De um lado, as forças que faziam parte ou gravitavam em torno do grupo político de Jair Bolsonaro e da direita fundamentalista que, com posturas negacionistas e anticientíficas, subestimavam o vírus e a situação sanitária decorrente de sua ação, e preconizavam o uso de medicamentos não recomendados pela ciência médica para combatê-los. De outro, as forças mais esclarecidas da sociedade, onde se situaram as forças de esquerda, centro-esquerda e outros segmentos democráticos, que defendiam a ciência como o vetor central de enfrentamento do vírus, e a necessidade de se preservar vidas e, em decorrência disso, a necessidade de combater o vírus com as recomendações de sanitaristas e epidemiologistas; o que significa ter cuidados como distanciamento social, não participar nem provocar aglomerações, usar máscara etc. Esse embate permeou toda a campanha e foi um elemento significativo na definição do voto de muita gente.
Por fim, houve nas eleições as circunstâncias normativas, burocráticas e operacionais. Esse processo de retomada do controle da direita sobre o aparato de Estado, a partir da promulgação da Constituição de 1988, e que incidiu fortemente no resultado das eleições municipais de novembro, tem múltiplas manifestações sobre os desempenhos partidários nessas disputas. [A legislação] criou uma “reserva de mercado” dos grandes partidos sobre o acesso aos recursos públicos dedicados ao financiamento partidário, e estabelecendo uma disputa desigual de espaço entre eles. Um segundo elemento restritivo da atuação dos partidos no Parlamento foi o estabelecimento da Cláusula de Desempenho, sob o falacioso argumento de evitar a existência de partidos cartoriais, forma um sistema excludente de participação dos pequenos partidos e, dentre esses, os mais atingidos são aqueles que possuem posições programático-ideológicas definidas. [Não bastasse], nessas eleições de 2020, começou a vigorar a mais nova norma restritiva quanto às disputas legislativas, que é a proibição da realização de coligações partidárias para as disputas proporcionais, ou seja, para a disputa de uma cadeira nas Câmaras de Vereadores, nas Assembleias Legislativas e na Câmara dos Deputados.
Mas o problema é mais complexo e amplo, não se resume a uma avaliação da incidência desses fatores nas eleições municipais de 2020. Nelas participaram, de uma maneira ou de outra, 33 partidos representantes dos mais variados interesses econômicos e sociais. Um importante problema a ser enfrentado é o de se estabelecer uma tipificação desses partidos. Considerando os vários partidos hoje atuantes no país, e com base em seus programas, sua prática e suas alianças nessas eleições, os agruparei para efeitos dessa análise, em dois grandes Blocos.
Um de partidos de Direita, e outro de partidos de Esquerda. Essa divisão em dois grandes blocos parte da constatação de que a parte orgânica e ativa da sociedade, atuante na política nacional, agrupa-se, em termos gerais, entre aqueles que querem manter o status quo, bloco da Direita, e aqueles que querem mudá-lo, bloco da Esquerda; existindo expressiva parcela da sociedade que tem atitude amorfa diante das disputas políticas realizadas por partidos e outras instituições sociais. Mas, como esses blocos não são monolíticos e o grau de participação política da sociedade é muito desigual, diverso e complexo, surgem entre eles intersecções, configurando o que se convencionou classificar como centro político. Mas esse centro é constituído por forças tanto a favor da manutenção do status quo, quanto a favor de sua mudança, sendo assim um espaço político de alta fluidez de posicionamentos, que o faz atuar ora com a Direita, ora com a Esquerda, conforme as conveniências e as circunstâncias do momento.
Mas esses dois grandes blocos, Direita e Esquerda, não são monolíticos, comportam subdivisões dentro deles e, assim, cada um deles será subdividido em três, perfazendo a rigor seis blocos partidários.
O Bloco dos partidos de Esquerda comporta a Esquerda tradicional: PT, PCdoB, PSOL mais a Extrema-esquerda: PSTU, PCB, UP, PCO e a Centro-esquerda: PDT, PSB, REDE, PV. Os Bloco dos partidos de Direita são compostos pela Direita Clássica/liberal: MDB, PSDB, DEM, PSD, CIDADANIA, NOVO; a Extrema-Direita: Republicanos, PSL, PSC, Patriotas, PRTB; e a Direita Pragmática/CENTRÃO: PP, PL, PTB, SD, PROS, Avante, DC, PTC, PMN, PMB, Podemos.
Em grandes números, essas eleições mostraram uma força da direita, em suas várias manifestações. Nas eleições para prefeito, os votos obtidos pela direita englobando seus três componentes, foram 78.286.486, que correspondem a 78,3%, e elegeram 4.609 prefeitos, ou seja, 84,4% do total. Já o Bloco das forças de esquerda, considerando esse campo constituído pelos três componentes, obteve 21.753.813 votos, correspondentes a 21,7% do total, e elegeu 617 prefeitos, ou seja, 15,6% do total. Para vereadores o fenômeno se repete .
Para vereadores, o bloco da direita obteve 77.531.520 votos, ou 78,2% do total, e elegeu 46.720 vereadores, ou seja, 81,3% do total. E o bloco da Esquerda, 21.658.644 votos, correspondentes a 21,8% do total, elegendo 10.754, ou seja, 18,7% do total. Esse comparativo nos mostra que a absoluta maioria da população votou em partidos, e elegeu candidatos de direita, que representam, de uma forma ou de outra, valores conservadores, reacionários mesmo.
[Analisando cada um dos seis integrantes dos dois blocos] a direita clássica , a espinha dorsal das elites dominantes do país, teve importante desempenho nessas eleições. Na disputa das prefeituras, obtiveram 42.369.616 votos, correspondentes a 42,4%, e elegeram 2.562 prefeitos, ou seja, 46,82% do total. Na disputa de vagas nas Câmaras Municipais, obtiveram 32.963.146 votos, correspondentes a 33,2%, e elegeram 23.119 vereadores, ou seja, 40,21% dos eleitos.
A extrema direita obteve, na votação para prefeito, 12.676.502, que correspondem 12,7% dos votos, e elegeram 471, ou seja, 8,69% dos prefeitos eleitos. Para vereador obtiveram 14.877.760 votos, que correspondem a 15,0% do total, e elegeram 6.187 vereadores, ou seja, 10,8% dos eleitos. Mesmo que os resultados não apontem uma vitória eleitoral da direita radical, e que Bolsonaro e seu núcleo duro tenham saído enfraquecidos, eles não estão mortos. Embora a extrema-direita não tenha eleito nenhum prefeito em grandes cidades e capitais, tendo sido derrotada no Rio de Janeiro, em São Paulo, Belo Horizonte e Macapá, ela conseguiu eleger adeptos e seguidores em várias cidades importantes. Cidades como Rio Branco (AC), São Luís (MA), Teresina (PI), Maceió (AL), Porto Alegre (RS), Parnaíba (PI), Anápolis (GO), Vitória (ES), Caucaia (CE), Ipatinga (MG), Joinville (SC) etc, elegeram políticos que, em maior ou menor grau, foram apoiados por Bolsonaro, ou por seus seguidores nas respectivas cidades. Mesmo onde foram derrotados, como em Fortaleza no segundo turno e em São Paulo no primeiro turno, tiveram um bom desempenho eleitoral. Em Fortaleza o obteve 48,31% dos votos e, em São Paulo, o bloco obteve 20,34% dos votos. Na disputa para vereadores, essa extrema-direita teve desempenho significativo, em importantes câmaras municipais.
Quanto à direita pragmática, o conhecido “Centrão”, obteve para prefeito 23.240.368 votos, que correspondem a 23,2% do total, e elegeram 1.576 candidatos, ou seja, 28,9% dos prefeitos eleitos. Para vereador, obtiveram 29.690.614 votos, correspondendo a 29,9% do total, e elegeram 17.414 candidatos, ou seja, 30,3% dos vereadores eleitos. Embora seja um desempenho significativo, bem superior ao do bloco de esquerda, não é um desempenho extraordinário. Ficou inferior ao da Direita Clássica.
Já no campo da Esquerda, também o conjunto de partidos não forma uma força coesa. Em conjunto, obteve 21.753.813 votos, correspondentes a 21,7% do total, e elegeu 851 prefeitos, ou seja, 15,69% dos candidatos. Na eleição para as Câmaras de vereadores, tiveram, juntos, 21.658.644 votos, que correspondem a 21,8% do total, e elegeram 10.754 candidatos, ou seja, 18,7%, dos vereadores .
A Esquerda tradicional, para prefeito, obteve 10.291.346 votos, que correspondem a 10,3% do total, e elegeu 234 candidatos, ou seja, 4,3% dos eleitos. Para vereador, 8.830.740 votos, correspondentes a 8,9% do total, e elegeu 3.442 candidatos, ou seja, 6% dos eleitos. A Extrema-esquerda: obteve 70.368, votos para vereador, que correspondem a 0,1%, e 53.887 para prefeito, ou seja, 0,06% do total de votos. Não elegendo nenhum prefeito ou vereador. E a Centro-Esquerda obteve 11.408.580, que correspondem a 11,62% dos votos, e elegeu 618, ou seja, 11,4% dos eleitos prefeitos. Para vereador, obteve 12.757.536 de votos, que correspondem a 12,83% do total, e elegeu 7.332, ou seja, 12,79%, dos eleitos.
Os números acima apresentados encerram muitas lições que necessitamos procurar compreender e apreender. Fica claro que o grande vitorioso dessas eleições foi o campo político constituído pela Direita Clássica e a Direita Pragmática/CENTRÃO. Juntos elegeram 78,8% dos Prefeitos e 63,1% dos vereadores. Isso tem um importante significado político, pois esses votos não devem ser vistos como frutos de uma realidade limitada a disputa dessas eleições. Eles, na realidade, representam os votos de setores políticos que os obtêm, há tempos, em várias eleições. Variam as siglas partidárias, mas esse campo tem uma relação política com o conjunto da sociedade, para o bem ou para o mal, que os coloca como o depositário das manifestações eleitorais da maioria da sociedade.
Registre-se que a Extrema-Direita (PSC, PSL, Patriotas, Republicanos, PRTB), que foi vitoriosa em 2018 elegendo Bolsonaro, disputa pela segunda vez com fisionomia própria, por meio de vários partidos, e candidatos e candidatas emblemáticos dessa corrente, como Joice Hasselman, pelo PSL em São Paulo, Cap. Wagner, pelo PROS, em Fortaleza, entre outros. E se não teve um desempenho como o conseguido em 2018, teve um desempenho que a mantem no cenário político eleitoral com fisionomia orgânica própria, e lideranças assumidas. Isso é uma nova realidade, no tabuleiro das disputas político-eleitorais no país. Do ponto de vista da votação obtida, o número de votos foi maior do que o da Esquerda Tradicional. A Extrema-Direita elegeu 8,6% dos prefeitos e 10,8% dos vereadores, enquanto a Esquerda Tradicional, elegeu 4,3% dos prefeitos e 6,0% dos vereadores. Ou seja, de agora em diante, a Extrema-Direita será uma força política atuante nas eleições e será necessário que as forças democrático-populares e de esquerda tenham isso em mente em suas estratégias eleitorais.
Mesmo sendo a Direita Clássica, (MDB, PSDB, DEM, PSD, Cidadania, NOVO) o bloco de forças que obteve o melhor desempenho nas urnas – 42,4% de votos para prefeito, e 33,25% para vereador –, ela representa uma elite tradicional que vive um processo de desgaste e decadência, ao longo dos últimos anos, que não conta com lideranças de destaque para dar continuidade ao seu poder como o tem exercido até agora. Indicação disso foi a ascensão da Extrema-Direita, que vem ocupando um espaço próprio, disputando com a Direita Clássica bandeiras e votos. Ou seja, se essas eleições indicam que o ‘controle da política’, voltou para a mão dos ‘profissionais da política’, como afirmam renomados analistas da grande mídia, é necessário ter presente que a manutenção desse posto está diretamente proporcional a capacidade de as forças conservadoras tradicionais enfrentarem os ímpetos e objetivos autoritários e fascistas da Extrema-Direita; o que a vida, salvo exceções, não tem demonstrado até agora.
O campo democrático-popular e de esquerda – que se aglutina nos partidos PT, PCdoB, PSOL, PDT, PSB, PV, REDE, PSTU, PCB, PCO, UP – demonstrou resiliência e disputou com garra espaços políticos nessas eleições, mas os resultados obtidos não foram bons. Perderam substância eleitoral. Em 2016 tiveram em conjunto 27,96% para prefeito e 24,29% para vereadores e, em 2020, 21,7% dos votos para prefeito, e 21,8% para vereadores3. Isso é um importante sinal de alerta para essas forças no sentido de se empenharem a fundo no estudo desses resultados, com o objetivo de localizar debilidades, e traçar estratégias e táticas para superá-las.
Os dilemas eleitorais futuros que esse campo político enfrentará extrapolam em muito a mera participação em eleições. Na realidade essas forças conseguem bom desempenho eleitoral, quando são capazes de se apresentarem aos eleitores como proponentes de saídas para as dificuldades que eles enfrentam em vários campos. E essas dificuldades hoje são de natureza econômica e política muito complexas, que para serem resolvidas necessitam de mudanças estruturais na sociedade que exigirão a formação de um movimento nacional por mudanças, por reformas estruturais que atinjam a base econômica e a estrutura organizativa do Estado. Essas reformas deverão propugnar por uma retomada do processo de industrialização do país, de desenvolvimento tecnológico, de fortalecimento da defesa nacional de forma soberana e autônoma, de forte redistribuição de riqueza, com inclusão social das massas deserdadas, de estabelecimento de regras democráticas e igualitárias entre os vários partidos nas disputas eleitorais. Regras eleitorais essas que significam reformular a legislação eleitoral no que diz respeito a distribuição de quotas de Fundo Partidário e Eleitoral, dos tempos de TV e rádio, do direito aos Partidos de estabelecerem coligações nas disputas proporcionais, da existência de Cláusula de Desempenho4 etc. Enfim, de retomada de um Projeto de Construção Nacional que unifique e mobilize os brasileiros, na busca de concretizá-lo.
E hoje existe, nesse campo político, um abandono dessa perspectiva, que foi muito forte em nosso país, nos anos 50 e parte dos 60 do século 20. Ocorre que paulatinamente, em função de derrotas sofridas por esse campo progressista – como com a implantação da Ditadura Militar de 1964/85, ou mesmo a derrota sofrida com o desmoronamento da ex-URSS (1989/1991) -, iniciou-se uma revisão teórico conceitual, na qual a submissão de legítimos interesses setoriais e de causas predominou sobre interesses mais gerais e coletivos. Isso levou a uma dispersão no campo popular progressista e de esquerda, que rebaixou sua atividade política às lutas de reivindicações imediatas e setoriais. Lutas essas geralmente desconectadas de um projeto nacional estruturante, que estabelece metas e prioridades a serem conseguidas por meio da disputa política. Em resumo, falta a esse campo popular, democrático, progressista e de esquerda, um Projeto de Construção de um Brasil soberano, desenvolvido, pacífico, socialmente justo, sem o qual os candidatos dos partidos desse campo – ao se apresentarem aos eleitores nas disputas vindouras – irão disputar, em desvantagem, o voto com os políticos da Direita Clássica e Extrema Direita, pois estes controlam a máquina político/burocrática que gerencia a distribuição de quotas de fundo eleitoral, tempo de televisão, estabelece regras para cada eleição e principalmente promete vantagens materiais.
Em realidade, nas condições hoje existentes, as eleições são uma importante trincheira – e sem dúvida a mais destacada – de luta política que as forças democráticas e progressistas dispõem. Mas para que essas forças obtenham vitórias, nesse terreno, é necessário atuar com destaque em duas frentes. No plano das ideias, serem capazes de construir uma proposta de Plano Nacional de Desenvolvimento, que despertem corações e mentes, razão e emoção, do povo e o mobilize em torno dele. E concomitante a isso, desenvolverem um intenso trabalho de vinculação orgânica com a população como um todo. Principalmente com suas camadas de trabalhadores, e das massas despossuídas e excluídas. Para que, assim, seja possível enfrentar, e vencer, a máquina de poder e dinheiro, que os segmentos de direita e extrema direita hoje controlam e lhe dão a hegemonia política na sociedade, como mostraram as urnas.
*Ronald Freitas é dirigente do PCdoB
(Resumo de estudo das eleições de 2020, feito pelo Blog de Walter Sorrentino)
Fonte: Blog Walter Sorrentino
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