As recém-terminadas eleições municipais se realizaram em meio a uma situação de crise multilateral: política, sanitária, econômica, de avanço do estabelecimento de um Estado de Exceção por parte de  círculos jurídico-policiais, e de fortes limitações democráticas à participação dos  partidos de feição popular. Abordaremos alguns aspectos das circunstâncias em que  se realizaram essas eleições, e que tiveram impacto em seus resultados, objetivando  entender o “recado das urnas” e os desafios dele decorrentes para darmos curso ao  complexo, longo e inconcluso, processo de construção nacional.

Por Ronald Freitas*

O longo período de retrocesso político, no mundo e no país, que perdura  desde os fins da década de 90 do século passado, com o fim da ex-URSS, é um fator  condicionante fundamental da evolução política, econômica e social de nossa  conjuntura. O traço fundamental da atual situação é o ascenso das direitas, desde a direita clássica até a extrema-direita. No nosso país, essas tendências, cada uma à sua maneira, adaptaram se às condições políticas e econômicas, surgidas após o fim da ditadura militar em  1985, e a promulgação da atual Constituição Federal em 1988.

A Direita Clássica, além de segmentos e setores sociais que a compõem,  como grandes industriais e financistas, agro empresários, militares graduados, alta  burocracia estatal etc., tem no MDB, no PSDB e no DEM, na atualidade, seus  principais partidos políticos. A partir da promulgação da Constituição de 1988, paulatinamente recuperaram espaços na cena política e na organização do Estado brasileiro. Nesse  processo introduziram mudanças importantes em dispositivos constitucionais que  estabeleciam avanços na organização do Estado e na vida da sociedade e retomou o leme de condução do Estado nos termos em que o fez desde  a Proclamação da República. Pois, mesmo no breve interregno de 13 anos (2003- 2016) em que forças democrático-populares, sob hegemonia do PT, estiveram à frente do Governo Federal – governos Lula e Dilma –, o controle do aparato do Estado pela Direita Clássica não foi interrompido, e em certos  casos foi fortalecido.

Nesse mesmo período, utilizando-se das liberdades existentes, a Extrema- Direita, fundamentalista – em íntima e orgânica ação com seus pares em  outros países, principalmente nos EUA, mas não só – atuou acumulando forças, fazendo intenso e continuado proselitismo de ideias, formando quadros e ativistas, atuando no parlamento, apoiando-se em setores religiosos  reacionários e conservadores, como os católicos fundamentalistas e os evangélicos  neopentecostais. Na frente ideológica, utilizando de forma eficiente modernos  meios de comunicação, efetuou, e efetua, intenso processo de divulgação de suas  ideias e promove cursos de formação política, nos quais transmite os ideais direitistas e conservadores. Na mobilização das massas, em torno de seus objetivos,  por meios abertos, clandestinos ou semiclandestinos, joga intenso papel, como na  atuação desenvolvida nos protestos contra a realização da Copa do Mundo, nas lutas  contra a realização das Olimpíadas e nas manifestações de 2013, deflagradas a partir  de reivindicações contra o aumento de passagens de ônibus. Trata-se de um  conjunto de ações políticas que prepararam o terreno para o impeachment de Dilma  em 2016. No parlamento, atuou fortemente por meio de deputados do chamado  baixo clero, como Bolsonaro, e de bancadas setoriais e conservadoras, como a  bancada da bala, a bancada do boi e a bancada dos evangélicos. Setores esses que  paulatinamente cresceram desde a década de 90 do século passados até os dias  atuais.

Com a evolução da crise dos anos 90 do século passado, e aproveitando se dos erros cometidos pelo PT e pelos governos Lula/Dilma, a Direita Clássica – com  entusiasta e eficiente apoio dos meios tradicionais de comunicação, com intenso uso  das mídias sociais, e tendo o aparato jurídico/policial acima referido como ponta de  lança legal, e desde o início com discreto, mas eficiente, apoio das Forças Armadas, além da ação militante da extrema-direita – levou à frente, por meio do  impeachment de Dilma em 2016, o afastamento do governo central da República, do  conjunto de forças democráticas, progressistas e de esquerda que o dirigia. Em  consequência instalou-se uma forte instabilidade política no país, que teve como  resultado a eleição de Bolsonaro para a Presidência. Dessa maneira, a Extrema Direita, fundamentalista, xenófoba, anticivilizacional, defensora de um governo  autoritário, instalou-se no comando do governo e está levando o Estado brasileiro a  seguidos impasses, na sua busca de implementar seu retrógrado e autoritário programa.

O campo popular, democrático e de esquerda – composto por  movimentos sociais progressistas, movimento sindical, intelectualidade e membros  da academia, setores artísticos e culturais, ambientalistas, defensores dos direitos  humanos difusos e de variadas causas, como a dos direitos indígenas, entre outras,  e que tem no PT, PCdoB, PSB, PDT, PSOL seus partidos mais representativos, durante todo esse processo de evolução da crise estrutural que se iniciou nos anos 90 do  século passado, e continua, desenvolveu intensa atividade política, conquistou  vitórias importantes, mas faltou um projeto de Nação que, ao lado de unificá-lo, fosse capaz de mobilizar as  mentes e os corações, das várias camadas de nossa população, e as unificar e as engajar na construção de um Brasil soberano, desenvolvido, democrático, dotado de capacidade de autodefesa que desestimule ambições externas, e socialmente mais  justo. Em decorrência disso, atuou de forma dispersa e muitas vezes conflituosa e, com o evoluir da situação socioeconômica, do agravamento da crise política a partir  de 2013, e do impeachment de Dilma, em 2016, foi para a defensiva, viveu e vive um  forte desgaste político e sofreu a derrota eleitoral e política em 2018.

Também na economia, vivemos um longo período de  crise, que a partir de 2007/8 vem se desdobrando e agravando as condições de vida  dos povos, obstruindo o processo de desenvolvimento de nações emergentes e agravando as assimetrias nas trocas comerciais entre as nações ricas, pobres ou em  desenvolvimento. Uma crise estrutural do capitalismo que, em sua fase neoliberal,  tem propiciado uma crescente concentração de riqueza, e uma forte desorganização  das economias nacionais em favor do controle delas por grupos financeiros industriais multinacionais. Concomitante a isso, mas com características próprias, vem ocorrendo profundas modificações nas forças produtivas, por meio das  revoluções tecnológicas em curso, que aumentaram enormemente a produtividade  do trabalho e provocaram, como efeito colateral perverso, uma onda de  desemprego em todo o mundo capitalista, e um enorme aumento dos ganhos do  capital.

Os reflexos dessa crise estrutural entre nós são significativos, pois, como  país economicamente dependente do capital financeiro internacional, em rápido  processo de desindustrialização, tendo no agronegócio e no extrativismo mineral o  polo dinâmico de sua economia – o que nos caracteriza como exportadores de  commodities –, somos fortemente atingidos pelas dificuldades que acometem os  países centrais do capitalismo.

No Brasil, essa crise se manifesta de múltiplas formas. Estamos com o  nosso crescimento estagnado e, no ano de 2020, devemos ter um PIB negativo em  cerca de 4,41%, segundo o relatório Focus do Banco Central, de 14-12-2020. O  desemprego é alarmante, pois, segundo o IBGE–PNAD, de 27-11-2020, está na faixa  de 14,6% e tem crescido com a pandemia. Temos cerca de 15 milhões de  desempregados e, se agregarmos a isso o subemprego, a atividade informal etc., a  legião de pessoas que não têm um meio regular de sobrevivência é assustadora.

Isso tudo teve forte impacto nas eleições de novembro último, facilitando a influência do poder econômico no processo eleitoral e contribuído sem  dúvida para a desesperança do eleitorado, além de potenciar as práticas abusivas da compra de votos entre outras.

De outra parte, há as Circunstâncias Sanitárias. A longa e séria pandemia que se abate sobre o mundo e o Brasil foi um  dos condicionantes principais do desenrolar do processo eleitoral recém-terminado. O justo  medo de contrair o vírus diminuiu em muito o efeito das atividades de campanha.  Assim, a chamada campanha virtual e a televisão assumiram um papel central nessas  eleições; o que, para a grande maioria dos candidatos e mesmo eleitores, foi um  dificultador da participação.

Além desses aspectos, a pandemia foi parte importante da disputa de  ideias e de votos durante as eleições. Na realidade, durante toda a campanha, confrontaram-se concepções distintas, e mesmo antagônicas, de como se comportar  no enfrentamento da pandemia. De um lado, as forças que faziam parte ou  gravitavam em torno do grupo político de Jair Bolsonaro e da direita fundamentalista  que, com posturas negacionistas e anticientíficas, subestimavam o vírus e a situação sanitária decorrente de sua ação, e preconizavam o uso de medicamentos não  recomendados pela ciência médica para combatê-los. De outro, as forças mais  esclarecidas da sociedade, onde se situaram as forças de esquerda, centro-esquerda  e outros segmentos democráticos, que defendiam a ciência como o vetor central de  enfrentamento do vírus, e a necessidade de se preservar vidas e, em decorrência  disso, a necessidade de combater o vírus com as recomendações de sanitaristas e  epidemiologistas; o que significa ter cuidados como distanciamento social, não  participar nem provocar aglomerações, usar máscara etc. Esse embate permeou  toda a campanha e foi um elemento significativo na definição do voto de muita  gente.

Por fim, houve nas eleições as circunstâncias normativas, burocráticas e operacionais.  Esse processo de retomada do controle da direita sobre o aparato de  Estado, a partir da promulgação da Constituição de 1988, e que incidiu fortemente  no resultado das eleições municipais de novembro, tem múltiplas manifestações sobre os desempenhos partidários nessas disputas. [A legislação] criou uma “reserva de mercado” dos grandes partidos sobre o acesso aos recursos  públicos dedicados ao financiamento partidário, e estabelecendo uma  disputa desigual de espaço entre eles. Um segundo elemento restritivo da atuação dos partidos no  Parlamento foi o estabelecimento da Cláusula de Desempenho, sob o falacioso  argumento de evitar a existência de partidos cartoriais, forma um sistema  excludente de participação dos pequenos partidos e, dentre esses, os mais  atingidos são aqueles que possuem posições programático-ideológicas definidas. [Não bastasse], nessas eleições de 2020, começou a vigorar a mais nova norma restritiva quanto às  disputas legislativas, que é a proibição da realização de coligações partidárias  para as disputas proporcionais, ou seja, para a disputa de uma cadeira nas Câmaras de Vereadores, nas Assembleias Legislativas e na Câmara dos  Deputados.

Mas o problema é mais complexo e amplo, não se resume a uma  avaliação da incidência desses fatores nas eleições municipais de 2020. Nelas  participaram, de uma maneira ou de outra,  33 partidos representantes dos mais variados interesses econômicos e sociais. Um importante  problema a ser enfrentado é o de se estabelecer uma tipificação desses partidos. Considerando os vários partidos hoje atuantes no país, e com base em  seus programas, sua prática e suas alianças nessas eleições, os agruparei para efeitos  dessa análise, em dois grandes Blocos.

Um de partidos de Direita, e outro de partidos  de Esquerda. Essa divisão em dois grandes blocos parte da constatação de que a  parte orgânica e ativa da sociedade, atuante na política nacional, agrupa-se, em  termos gerais, entre aqueles que querem manter o status quo, bloco da Direita, e aqueles que querem mudá-lo, bloco da Esquerda; existindo expressiva parcela da  sociedade que tem atitude amorfa diante das disputas políticas realizadas por  partidos e outras instituições sociais. Mas, como esses blocos não são monolíticos e o grau de participação política da sociedade é muito desigual, diverso e complexo,  surgem entre eles intersecções, configurando o que se convencionou classificar  como centro político. Mas esse centro é constituído por forças tanto a favor da  manutenção do status quo, quanto a favor de sua mudança, sendo assim um espaço  político de alta fluidez de posicionamentos, que o faz atuar ora com a Direita, ora  com a Esquerda, conforme as conveniências e as circunstâncias do momento.

Mas esses dois grandes blocos, Direita e Esquerda, não são monolíticos, comportam  subdivisões dentro deles e, assim, cada um deles será subdividido em  três, perfazendo a rigor seis blocos partidários.

O Bloco dos partidos de Esquerda comporta a Esquerda tradicional: PT, PCdoB, PSOL mais a Extrema-esquerda: PSTU, PCB, UP, PCO e a Centro-esquerda: PDT, PSB, REDE, PV. Os Bloco dos partidos de Direita são compostos pela Direita Clássica/liberal: MDB, PSDB, DEM, PSD, CIDADANIA, NOVO; a  Extrema-Direita: Republicanos, PSL, PSC, Patriotas, PRTB; e a Direita Pragmática/CENTRÃO: PP, PL, PTB, SD, PROS, Avante, DC, PTC,  PMN, PMB, Podemos.

Em grandes números, essas eleições mostraram uma força da direita,  em suas várias manifestações. Nas eleições para  prefeito, os votos obtidos pela direita englobando seus três componentes, foram  78.286.486, que correspondem a 78,3%, e elegeram 4.609 prefeitos, ou seja, 84,4%  do total. Já o Bloco das forças de esquerda, considerando esse campo constituído  pelos três componentes, obteve 21.753.813  votos, correspondentes a 21,7% do total, e elegeu 617 prefeitos, ou seja, 15,6% do  total. Para vereadores o fenômeno se repete .

Para vereadores, o bloco da direita  obteve 77.531.520 votos, ou 78,2% do total, e elegeu 46.720 vereadores, ou seja,  81,3% do total. E o bloco da Esquerda, 21.658.644 votos, correspondentes a 21,8%  do total, elegendo 10.754, ou seja, 18,7% do total. Esse comparativo nos mostra que  a absoluta maioria da população votou em partidos, e elegeu candidatos de direita,  que representam, de uma forma ou de outra, valores conservadores, reacionários  mesmo.

[Analisando cada um dos seis integrantes dos dois blocos] a direita clássica , a espinha dorsal  das elites dominantes do país, teve  importante desempenho nessas eleições. Na disputa das prefeituras,  obtiveram 42.369.616 votos, correspondentes a 42,4%, e elegeram 2.562  prefeitos, ou seja, 46,82% do total. Na disputa de vagas nas Câmaras  Municipais, obtiveram 32.963.146 votos, correspondentes a 33,2%, e  elegeram 23.119 vereadores, ou seja, 40,21% dos eleitos.

A extrema direita obteve, na votação para prefeito, 12.676.502, que correspondem 12,7%  dos votos, e elegeram 471, ou seja, 8,69% dos prefeitos eleitos. Para vereador obtiveram 14.877.760 votos, que correspondem a 15,0% do total, e elegeram  6.187 vereadores, ou seja, 10,8% dos eleitos.  Mesmo que os  resultados não apontem uma vitória eleitoral da direita radical, e que  Bolsonaro e seu núcleo duro tenham saído enfraquecidos, eles não estão  mortos. Embora a extrema-direita não tenha  eleito nenhum prefeito em grandes cidades e capitais, tendo sido derrotada  no Rio de Janeiro, em São Paulo, Belo Horizonte e Macapá, ela conseguiu  eleger adeptos e seguidores em várias cidades importantes. Cidades como Rio  Branco (AC), São Luís (MA), Teresina (PI), Maceió (AL), Porto Alegre (RS),  Parnaíba (PI), Anápolis (GO), Vitória (ES), Caucaia (CE), Ipatinga (MG), Joinville  (SC) etc, elegeram políticos que, em maior ou menor grau, foram apoiados  por Bolsonaro, ou por seus seguidores nas respectivas cidades. Mesmo onde  foram derrotados, como em Fortaleza no segundo turno e em São Paulo no  primeiro turno, tiveram um bom desempenho eleitoral. Em Fortaleza o  obteve 48,31% dos votos e, em São Paulo, o bloco obteve 20,34% dos votos.  Na disputa para vereadores, essa extrema-direita teve desempenho  significativo, em importantes câmaras municipais.

Quanto à direita pragmática, o conhecido “Centrão”, obteve para prefeito 23.240.368 votos, que correspondem a 23,2% do total, e elegeram 1.576 candidatos, ou seja, 28,9% dos prefeitos eleitos. Para vereador, obtiveram  29.690.614 votos, correspondendo a 29,9% do total, e elegeram 17.414 candidatos, ou seja, 30,3% dos vereadores eleitos. Embora  seja um desempenho significativo, bem superior ao do bloco de esquerda,  não é um desempenho extraordinário. Ficou inferior ao da Direita Clássica.

Já no campo da Esquerda, também o conjunto de partidos não forma uma força coesa. Em conjunto, obteve 21.753.813 votos, correspondentes a 21,7% do total, e elegeu 851 prefeitos, ou seja, 15,69% dos  candidatos. Na eleição para as Câmaras de vereadores, tiveram, juntos, 21.658.644 votos, que correspondem a 21,8% do total, e elegeram 10.754 candidatos, ou seja, 18,7%, dos vereadores .

A Esquerda tradicional, para prefeito, obteve 10.291.346 votos, que  correspondem a 10,3% do total, e elegeu 234 candidatos, ou seja, 4,3% dos  eleitos. Para vereador, 8.830.740 votos, correspondentes a 8,9% do total, e  elegeu 3.442 candidatos, ou seja, 6% dos eleitos. A Extrema-esquerda: obteve 70.368, votos para vereador, que  correspondem a 0,1%, e 53.887 para prefeito, ou seja, 0,06% do total de  votos. Não elegendo nenhum prefeito ou vereador. E a Centro-Esquerda  obteve 11.408.580, que  correspondem a 11,62% dos votos, e elegeu 618, ou seja, 11,4% dos eleitos prefeitos.  Para vereador, obteve 12.757.536 de votos, que correspondem a 12,83% do  total, e elegeu 7.332, ou seja, 12,79%, dos eleitos.

Os números acima apresentados encerram muitas lições que necessitamos procurar compreender e  apreender.  Fica claro que o grande vitorioso dessas eleições foi o campo político  constituído pela Direita Clássica e a Direita Pragmática/CENTRÃO. Juntos elegeram  78,8% dos Prefeitos e 63,1% dos vereadores. Isso tem um importante significado  político, pois esses votos não devem ser vistos como frutos de uma realidade  limitada a disputa dessas eleições. Eles, na realidade, representam os votos de  setores políticos que os obtêm, há tempos, em várias eleições. Variam as siglas  partidárias, mas esse campo tem uma relação política com o conjunto da sociedade,  para o bem ou para o mal, que os coloca como o depositário das manifestações  eleitorais da maioria da sociedade.

Registre-se que a Extrema-Direita (PSC, PSL, Patriotas, Republicanos,  PRTB), que foi vitoriosa em 2018 elegendo Bolsonaro, disputa pela segunda vez com  fisionomia própria, por meio de vários partidos, e candidatos e candidatas  emblemáticos dessa corrente, como Joice Hasselman, pelo PSL em São Paulo, Cap.  Wagner, pelo PROS, em Fortaleza, entre outros. E se não teve um desempenho como  o conseguido em 2018, teve um desempenho que a mantem no cenário político eleitoral com fisionomia orgânica própria, e lideranças assumidas. Isso é uma nova  realidade, no tabuleiro das disputas político-eleitorais no país. Do ponto de vista da  votação obtida, o número de votos foi maior do que o da Esquerda Tradicional. A  Extrema-Direita elegeu 8,6% dos prefeitos e 10,8% dos vereadores, enquanto a  Esquerda Tradicional, elegeu 4,3% dos prefeitos e 6,0% dos vereadores. Ou seja, de  agora em diante, a Extrema-Direita será uma força política atuante nas eleições e  será necessário que as forças democrático-populares e de esquerda tenham isso em  mente em suas estratégias eleitorais.

Mesmo sendo a Direita Clássica, (MDB, PSDB, DEM, PSD, Cidadania,  NOVO) o bloco de forças que obteve o melhor desempenho nas urnas – 42,4% de  votos para prefeito, e 33,25% para vereador –, ela representa uma elite tradicional  que vive um processo de desgaste e decadência, ao longo dos últimos anos, que não  conta com lideranças de destaque para dar continuidade ao seu poder como o tem  exercido até agora. Indicação disso foi a ascensão da Extrema-Direita, que vem  ocupando um espaço próprio, disputando com a Direita Clássica bandeiras e votos.  Ou seja, se essas eleições indicam que o ‘controle da política’, voltou para a mão dos  ‘profissionais da política’, como afirmam renomados analistas da grande mídia, é  necessário ter presente que a manutenção desse posto está diretamente  proporcional a capacidade de as forças conservadoras tradicionais enfrentarem os  ímpetos e objetivos autoritários e fascistas da Extrema-Direita; o que a vida, salvo  exceções, não tem demonstrado até agora.

O campo democrático-popular e de esquerda – que se aglutina nos  partidos PT, PCdoB, PSOL, PDT, PSB, PV, REDE, PSTU, PCB, PCO, UP – demonstrou  resiliência e disputou com garra espaços políticos nessas eleições, mas os resultados  obtidos não foram bons. Perderam substância eleitoral. Em 2016 tiveram em  conjunto 27,96% para prefeito e 24,29% para vereadores e, em 2020, 21,7% dos  votos para prefeito, e 21,8% para vereadores3. Isso é um importante sinal de alerta  para essas forças no sentido de se empenharem a fundo no estudo desses  resultados, com o objetivo de localizar debilidades, e traçar estratégias e táticas para  superá-las.

Os dilemas eleitorais futuros que esse campo político enfrentará  extrapolam em muito a mera participação em eleições. Na realidade essas forças  conseguem bom desempenho eleitoral, quando são capazes de se apresentarem aos  eleitores como proponentes de saídas para as dificuldades que eles enfrentam em  vários campos. E essas dificuldades hoje são de natureza econômica e política muito  complexas, que para serem resolvidas necessitam de mudanças estruturais na  sociedade que exigirão a formação de um movimento nacional por mudanças, por reformas estruturais que atinjam a base econômica e a estrutura organizativa do  Estado. Essas reformas deverão propugnar por uma retomada do processo de  industrialização do país, de desenvolvimento tecnológico, de fortalecimento da  defesa nacional de forma soberana e autônoma, de forte redistribuição de riqueza,  com inclusão social das massas deserdadas, de estabelecimento de regras  democráticas e igualitárias entre os vários partidos nas disputas eleitorais. Regras  eleitorais essas que significam reformular a legislação eleitoral no que diz respeito a  distribuição de quotas de Fundo Partidário e Eleitoral, dos tempos de TV e rádio, do  direito aos Partidos de estabelecerem coligações nas disputas proporcionais, da  existência de Cláusula de Desempenho4 etc. Enfim, de retomada de um Projeto de  Construção Nacional que unifique e mobilize os brasileiros, na busca de concretizá-lo.

E hoje existe, nesse campo político, um abandono dessa perspectiva, que  foi muito forte em nosso país, nos anos 50 e parte dos 60 do século 20. Ocorre que  paulatinamente, em função de derrotas sofridas por esse campo progressista – como  com a implantação da Ditadura Militar de 1964/85, ou mesmo a derrota sofrida com  o desmoronamento da ex-URSS (1989/1991) -, iniciou-se uma revisão teórico conceitual, na qual a submissão de legítimos interesses setoriais e de causas  predominou sobre interesses mais gerais e coletivos. Isso levou a uma dispersão no  campo popular progressista e de esquerda, que rebaixou sua atividade política às  lutas de reivindicações imediatas e setoriais. Lutas essas geralmente desconectadas  de um projeto nacional estruturante, que estabelece metas e prioridades a serem  conseguidas por meio da disputa política. Em resumo, falta a esse campo popular,  democrático, progressista e de esquerda, um Projeto de Construção de um Brasil  soberano, desenvolvido, pacífico, socialmente justo, sem o qual os candidatos dos  partidos desse campo – ao se apresentarem aos eleitores nas disputas vindouras – irão disputar, em desvantagem, o voto com os políticos da Direita Clássica e Extrema Direita, pois estes controlam a máquina político/burocrática que gerencia a  distribuição de quotas de fundo eleitoral, tempo de televisão, estabelece regras para  cada eleição e principalmente promete vantagens materiais.

Em realidade, nas condições hoje existentes, as eleições são uma importante trincheira – e sem dúvida a mais destacada – de luta política que as forças  democráticas e progressistas dispõem. Mas para que essas forças obtenham vitórias,  nesse terreno, é necessário atuar com destaque em duas frentes. No plano das  ideias, serem capazes de construir uma proposta de Plano Nacional de  Desenvolvimento, que despertem corações e mentes, razão e emoção, do povo e o  mobilize em torno dele. E concomitante a isso, desenvolverem um intenso trabalho  de vinculação orgânica com a população como um todo. Principalmente com suas  camadas de trabalhadores, e das massas despossuídas e excluídas. Para que, assim,  seja possível enfrentar, e vencer, a máquina de poder e dinheiro, que os segmentos de direita e extrema direita hoje controlam e lhe dão a hegemonia política na  sociedade, como mostraram as urnas.

 

*Ronald Freitas é  dirigente do PCdoB
(Resumo de estudo das eleições de 2020, feito pelo Blog de  Walter Sorrentino)

Fonte: Blog Walter Sorrentino

 

(PL)